Manifestantes LGBTI na Câmara Legislativa: parlamentares derrubaram o
decreto que regulamentou, 17 anos após sanção, a lei anti-homofobia
Nunca houve mandatários indígenas, ativistas da população LGBTI e negra
na Câmara Legislativa do DF. Na atual legislatura, das 1.806 propostas
apresentadas por parlamentares, só 20 destinadas às minorias viraram leis
*Por Ana Viriato
Um dos papéis da Câmara Legislativa é, por meio da apresentação de
propostas, destinação de recursos e fiscalização dos atos do Poder Executivo,
buscar a diminuição de desigualdades econômico-sociais e garantir um Estado
mais igualitário. No entanto, desde a primeira legislatura, em 1991, as
minorias do Distrito Federal encontram dificuldades para fazer valer suas vozes
na Casa. O entrave deve-se, em parte, à pouca representatividade em plenário.
Nunca houve mandatários indígenas, ativistas da população LGBTI e negra. As
deputadas distritais jamais ocuparam mais de cinco das 24 cadeiras. A maior
parcela dos moradores de rua nem sequer consegue votar em razão da falta de
documentos.
O resultado da ausência destas pessoas no centro das discussões
reflete-se na quantidade e qualidade das políticas públicas que visam atender
as demandas dos grupos. Nesta legislatura (2015-2018), por exemplo, das 1.806
propostas apresentadas por parlamentares, apenas 117 destinam-se às minorias,
segundo levantamento do Correio. Do total, só 20 foram aprovadas e viraram leis
— algumas delas são alvos de ações diretas de inconstitucionalidade (ADI). O
baixo percentual se repete mandato a mandato, apontam ativistas.
Ao longo dos últimos anos, alguns grupos, em vez de conquistar avanços,
viram os direitos conquistados após anos de luta escoarem pelas mãos, como a
população LGBTI. Em junho, os deputados derrubaram o veto do governador Rodrigo
Rollemberg (PSB) ao projeto de lei que restringe o conceito de família a homem
e mulher, e exclui casais homossexuais ou mães e pais que criam os filhos por
conta própria. Após a sanção, entidades ligadas ao movimento ajuizaram uma ADI
contra a legislação.
Antes deste episódio, em 2017, em uma ação coordenada pela bancada
evangélica, os parlamentares derrubaram o decreto que regulamentou, 17 anos
após sanção, a lei anti-homofobia, cujo texto previa multas de até R$ 10 mil em
caso de discriminação sexual. A Procuradoria-Geral do DF entrou com uma ADI no
Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda a decisão da Corte para dar os
próximos passos.
A presidente da ONG Estruturação, Jussara Barros, lamentou a
intransigência da ala conservadora da Casa, mas disse acreditar que o Poder
Judiciário derrubará ambos os atos. O grupo mantém a busca por outras demandas
prioritárias. “Como a comunidade é grande, as bandeiras tornam-se relativas.
Mas uma das principais questões é aumentar o acesso de transexuais e travestis
ao mercado de trabalho e diminuir a evasão escolar. Sem oportunidades, essas
pessoas acabam recorrendo à prostituição”, observou.
Maioria na população candanga, as mulheres figuram como o centro de
metade das proposições direcionadas a segemntos sub-representados nos últimos
três anos e seis meses. O conteúdo da maioria dos projetos, porém, não abarca
as principais bandeiras do movimento feminista, como a equidade salarial,
métodos meritocráticos para o alcance a cargos de chefia e políticas públicas
que inibam a violência contra o sexo feminino. “Temos uma luta, com dificuldade
extrema, de sermos ouvidas na Casa como mulheres com entendimento de vida
urbana e rural, de acesso ao trabalho, à educação, à segurança, à saúde e a uma
cidade organizada”, apontou a ativista feminista Luana Ferreira.
População negra
Entre os mais de 1,8 mil projetos apresentados nesta legislatura, apenas
um volta-se às bandeiras dos negros, que representam 57% da população
brasiliense. O baixo índice de propostas vai na contramão da diversidade de
demandas apresentadas por ativistas. Uma das prioridades é a elaboração de
políticas públicas que deem fim ao genocídio de jovens negros. Eles têm três
vezes mais chances de morrer no DF do que aqueles com outra cor de pele,
conforme pesquisa da Unesco, divulgada em dezembro.
Outras reivindicações são a ampliação das chances de acesso à cultura e
à educação. “A população negra sofre com atrasos sociais. A maioria dos jovens
negros de periferia é criado só pela mãe e, desde cedo, precisa trabalhar.
Neste momento, tem de escolher: estudar ou levar comida para casa. Na
universidade, a condição não muda. Por isso, há altas taxas de defasagem. Além
das cotas, torna-se necessário implementar políticas que o ajudem a permanecer
na faculdade”, argumenta o ativista Mateus Santana. Ele completa: “É preciso
lembrar que há efeitos em cadeia. Sem acesso à educação, os negros têm de
recorrer a subempregos e ficam ainda mais longe da cena cultural”.
Apesar do cenário, na Câmara Legislativa, o movimento máximo, em termos
de produção de leis direcionadas à população negra é o texto que proíbe “o uso
de recursos públicos para a contratação de shows artísticos que desvalorizem,
ofendam, incentivem a violência ou exponham as mulheres à situação de
constrangimento, bem como estimulem a homofobia e a discriminação racial”.
Apresentada em 2017, a proposta ainda não passou por todas as comissões
responsáveis.
Respeito à herança
Os 7 mil indígenas que moram no DF também sofrem com a falta de
políticas públicas. Em três anos e seis meses, a Câmara Legislativa traçou apenas
um projeto voltado ao segmento, que prioriza a recepção de crianças do grupo em
escolas e creches. O ponto central da luta do grupo étnico é o reconhecimento e
a demarcação de terras. “Sem a homologação dos territórios, crescem os índices
de violência e desrespeito. Tratam-nos como invasores, quando, na verdade,
somos originários do local. Além disso, perdemos a área do usufruto indígena,
das quais retiramos alimento e água”, pontuou Mirinju Yan Guarani , do Conselho
Indígena do DF.
Os indígenas cobram, ainda, espaço para o impulsionamento da economia do
segmento e a realização de atividades culturais. “Precisamos de um local para
expor o artesanato. Alguns recorrem às ruas e têm o material tomado pela
Agefis”, lembrou. Outro ponto é a necessidade da ampliação da saúde aos
indígenas, pois os tratamentos médicos são diferenciados, e a criação de um
modelo educacional distinto do atual. “Não há, na educação escolar, o respeito
ao nosso modo de ser e à nossa língua. Isso acarreta discriminação e exclusão”,
completa Mirinju.
(*) Ana Viriato – Foto: Bárbara Cabral/C.B.Press - Correio
Braziliense
Chico Vigilante não era negro?
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