As irmãs Jaqueline, Silvana e
Luciana, mãe de Rafa e avó de Clara, tocam as atividades
ONG acolhe meninos e meninas em creche montada na
Estrutural. Projeto para atender população em situação de vulnerabilidade
começou com campanha de doação de sangue promovida por casal que perdeu filha e
neta em acidente de trânsito
*Por » Luiz Calcagno
Para lidar com a dor, cuidar dos outros. Foi assim
que uma família brasiliense encontrou uma maneira de enfrentar o luto pela
perda da filha, Rafaela Andrade Ramos, 26 anos, e da neta, Clara, 2, mortas em
um acidente de carro no Canadá, em 2013 (leia Memória). Luciana Andrade e o
marido, Henrique Andrade, ambos de 59 anos, descobriram o caminho da
resiliência em 2014, quando se uniram com amigos de Rafaela para fazer uma
campanha de doação de sangue. Há um mês, com mais duas irmãs, o casal deu
início à organização não governamental (ONG) Instituto Doando Vida por Rafa e
Clara, uma creche para crianças de 2 a 5 anos, na Estrutural.
O prédio fica na Quadra 8 do SCIA. Antigo
almoxarifado de uma construtora, passou por reforma para receber, de segunda a
sexta-feira, das 7h às 17h, 48 meninos e meninas moradores da Estrutural e de
Santa Luzia, bairro da região administrativa. Um dos principais focos do
trabalho é a alimentação dos pequenos, com quatro refeições balanceadas por
nutricionistas voluntários.
Luciana sempre lembra da filha e da neta para
explicar o funcionamento do local. “A Rafaela se formou em nutrição e fez um
mestrado na área. Ela ia começar um doutorado focado justamente na segurança
alimentar de crianças em situação de vulnerabilidade”, explica.
A primeira atividade é, justamente, o café da
manhã. Depois, as turmas se revezam em atividades em sala de aula, no parquinho
e em um espaço lúdico. Às 11h30, os pequenos provocam uma algazarra na cantina.
É hora do almoço e eles se sentam perfilados em mesinhas na cantina, em
pequenos grupos, com copos e pratos roxos, do mais velho para o mais novo.
Em seguida, é hora da soneca. As mesas e materiais
das salas são recolhidos e empilhados e os professores espalham colchões nos
espaços. Até o fim do expediente, as crianças lancham outras duas vezes.
“Desde que chegamos, todas as crianças ganharam peso, passaram por atendimento
médico e estão se socializando melhor”, comemora.
Ela coordena a instituição com ajuda das irmãs, a
primogênita, Jaqueline Studart Campos, 62, e a caçula, Silvana Studart Lins de
Albuquerque, 56. Há uma fila de 25 crianças aguardando uma vaga na creche. Pais
com bebês com menos de dois anos também procuraram o estabelecimento para
conseguir matricular os filhos quando fizerem 2 anos.
Silvana, que é psicóloga, entrevistou cada uma das
famílias atendidas pela Doando Vida por Rafa e Clara. “Queríamos ter a certeza
de que estaríamos dando suporte para pessoas invisíveis à sociedade. Gente que
tem que procurar emprego, mas não tem com quem deixar os filhos”, explica a
mais nova das três.
De segunda a sexta-feira, o
projeto atende 48 crianças, das 7h às 17h - Caminho de
aprendizado
O trajeto percorrido pela família para lidar com a
dor foi longo. Além das campanhas de doação de sangue, eles se mobilizaram para
a construção do Centro Social Santa Clara, também na Estrutural, entre 2015 e
2017 e, no ano passado, decidiram montar a própria ONG.
“Sempre nos envolvemos com voluntariado. Eu
conversava com a Rafa sobre isso. Tínhamos sonhos de fazer algo maior, mas
ficava sempre no plano das ideias. Mas, quando sofremos o acidente e fomos
buscá-la, começamos a falar sobre os sonhos dela, e decidimos que devíamos
concretizar esses sonhos”, recorda Luciana.
Por fim, o trabalho que os ensinou a lidar com a
dor e o luto também se transformou em um sentido para a vida. “Acredito que as
coisas não acabam aqui, a gente vai se reencontrar. Aqui, estou vivendo o sonho
da Rafaela e construindo o de muitas crianças. Realizando o sonho da minha
filha, estamos mais próximos”, comenta a mãe de Rafa. “O dia que soube da morte
da Rafa foi o mais triste da minha vida. Mas sinto que tem uma força maior por
trás do que fazemos aqui. Tenho certeza de que tudo que fazemos focando no bem
dos outros tem um respaldo. Aqui, eu me sinto mais leve, mais feliz. Quero
dedicar minha vida a isso”, completa Silvana.
Para ajudar
Interessados em fazer doações podem procurar o site
do Instituto Doando Vida por Rafa e Clara, no endereço >>> https://goo.gl/YaseU8. Informações: 98114-2211.
Memória » Tragédia no Canadá
Em 24 de agosto de 2013, Rafaela Andrade Ramos, 26
anos, e o marido, Arthur Ramos, à época também com 26, levaram a filha, Clara,
2, para acampar em um lago na Província de Saskatchewan. Com passagens
compradas para voltar ao Brasil em 11 de setembro daquele ano, eles pretendiam
se despedir daquele país. Eles colidiram com outro veículo, que levava cinco
passageiros, em um cruzamento, ao lado de uma plantação de trigo, próximo a
Saskatoon, capital da região. Rafaela morreu na hora. Clara chegou a ser socorrida
e levada para o hospital, mas morreu dois dias depois. A família doou os rins
da bebê. Arthur foi internado com ferimentos leves, bem como três dos
passageiros do outro veículo. A família havia se mudado para a América do Norte
em 2011, com o objetivo de estudar. Ele fez mestrado na área de economia e ela,
de nutrição. O casal namorava desde o ensino médio e a filha deles nasceu no
Canadá.
(*)
Luiz Calcagno : Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press – Correio Brasiliense