Ana Lídia: sequestrada, torturada, morta, estuprada e enterrada em cova
rasa no cerrado
Aos 7 anos, menina foi levada do colégio, em 11 de setembro de 1973, e
encontrada morta, em uma cova rasa, no dia seguinte. Apesar da barbárie, grande
repercussão e comoção, ninguém foi condenado pelo assassinato
*Por Isa Stacciarini - Renato Alves
Há 45 anos, Ana Lídia era levada com vida do colégio e encontrada morta,
no dia seguinte, nua, com os cabelos louros cortados de forma irregular, bem
rente ao couro cabeludo, e violentada, em uma cova rasa no cerrado. Tocada
durante o mais duro período da ditadura militar, uma investigação cheia de
falhas resultou em impunidade. Pairavam suspeitas sobre filhos de poderosos.
Brasília nunca soube quem foram os algozes da menina vítima do primeiro crime a
abalar toda a capital. A cidade ainda em construção perdia a inocência.
A Brasília do início dos anos 1970 tinha população e ritmo de interior.
Os crimes se restringiam a pequenos roubos e furtos. As drogas do momento eram
a maconha e a cocaína. Não havia crack. Playboys
disputavam rachas nas largas, vazias e não monitoradas avenidas. Ana
Lídia morava com os pais, Eloyza Rossi Braga e Álvaro Braga, servidores do
Departamento de Serviço de Pessoal (Dasp), em um apartamento do Bloco 40 (hoje
Bloco B) da 405 Norte. Além da menina, o casal era pai de Álvaro Henrique Braga
e Cristina Elizabeth Braga.
A caçula era o xodó da família. Muito protegida, não brincava nos
pilotis, não tinha amiguinhos nem saía de casa desacompanhada. Com 7 anos, Ana
Lídia cursava, pela manhã, a 1ª série do ensino fundamental da escola Madre
Carmen Salles, na 604 Norte, perto da casa dela. No turno vespertino, no mesmo
colégio, tinha aulas de reforço — às terças e sextas-feiras — e de piano — às
segundas, quartas e quintas-feiras. Como sempre trabalhou, Eloyza contava com a
ajuda de uma empregada. Rosa da Conceição Santana estava com a família havia 20
anos.
Em 11 de setembro de 1973, antes de seguirem para o trabalho, os pais
levaram Ana Lídia à escola. A deixaram no pátio às 13h50. Por volta das 16h30,
como de costume, Rosa foi buscá-la a pé. Ao procurar a menina, recebeu a
notícia de que ela não havia comparecido ao colégio naquela tarde. Preocupada,
Irmã Celina, diretora da instituição, telefonou para a mãe da aluna a fim de
certificar-se de que ela fora deixada no colégio. Começava o pesadelo.
Asfixia e estupro
Testemunhas contaram que, logo após os pais de Ana Lídia a deixarem na
escola, um homem alto, loiro, de cabelos compridos, com blusa branca e calça
verde-oliva, a abordou. Ele não deixou a menina entrar na sala de aula. Vinte e
duas horas depois, policiais civis encontraram o corpo da menina em um matagal
próximo à Universidade de Brasília (UnB).
Próximo ao local em que ela foi enterrada havia duas camisinhas. O laudo
do Instituto de Medicina de Legal (IML) atestou que a morte se deu por asfixia,
provavelmente provocada por sufocação, entre 4h e 6h de 12 de setembro. Havia
ainda manchas roxas e escoriações em várias partes do corpo. O exame comprovou
também o estupro da criança.
“A polícia só descansará quando o responsável pela morte da menor for
localizado e preso”, garantiu o então secretário de Segurança Pública do
Distrito Federal, coronel Aimé Laimaison, em 12 de setembro de 1973. Em
depoimento, o jardineiro do colégio, Benedito Duarte da Cunha, descreveu o
homem com quem a criança saiu do Madre Carmem Salles e contou que Ana Lídia não
parecia assustada ou nervosa. Ao contrário, deixara o colégio animada e alegre.
As características físicas batiam com as de Álvaro, irmão e padrinho de Ana
Lídia.
Tráfico de drogas
Álvaro tinha 18 anos, dois a menos que a irmã mais velha, Christina.
Para os pais, era absurda qualquer suspeita sobre o filho. Eles afirmaram que
Álvaro estava no carro quando deixaram Ana Lídia na escola e foi, em seguida,
levado à Rodoviária do Plano Piloto para buscar informações no Detran sobre o
processo de habilitação.
Apesar de ainda não ter carteira de motorista, ele ia diariamente de
moto — presente do pai — para o colégio Laser, na Asa Sul. “No dia 11,
inclusive, ele foi flagrado em uma blitz, e nós ficamos preocupados”,
justificou, à época, Eloyza. Durante a apuração, o Ministério Público
encaminhou ofício ao Departamento de Trânsito para saber se alguma operação
havia sido feita naquele dia. O órgão negou ter havido qualquer ação de
fiscalização no DF naquela data.
Os investigadores trabalhavam com a hipótese de Ana Lídia ter sido morta
em função de um possível envolvimento de Álvaro com o tráfico de drogas. O
irmão de Ana Lídia teria dívidas de drogas e o sequestro da irmã seria uma
maneira de resolver a pendência. O credor seria Raimundo Duque Lacerda,
funcionário do Dasp, subordinado da mãe de Ana Lídia, e conhecido pela
personalidade descontrolada. Além de problemas com bebida e drogas, ele foi
acusado de ser “um dos principais traficantes de maconha do DF” pelo então
chefe de polícia, Aderbal Silva.
Quatro dias depois do crime, ao saber que era um dos suspeitos, Duque
arrumou documentos falsos e fugiu. Em cinco meses, andou por cinco estados, até
ser preso em Conceição do Araguaia (GO) e transferido para Brasília. Em
seguidos interrogatórios, o irmão da vítima assumiu ter fumado maconha apenas
três vezes. Depois, passou a negar o uso da substância. Negou qualquer
envolvimento com o rapto e a morte de Ana Lídia, assim como Raimundo Duque.
Denúncia e prisões
Paralelamente, o Ministério Público do DF iniciou uma investigação.
Procurador-geral de Justiça do DF à época, José Júlio Guimarães Lima designou o
promotor José Jerônymo Bezerra de Souza para o caso. Ele averiguou denúncias
contra Alfredo Buzaid Junior, filho do então ministro da Justiça, Alfredo
Buzaid, e Eduardo Ribeiro de Rezende, filho do também então senador Eurico
Rezende. José Jerônymo disse não ter encontrado indícios que ligassem os dois
ao crime. O mesmo ocorreu com a suposta relação da morte da criança com
traficantes.
Durante a investigação, o promotor, que depois prestou concurso para o
Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e se tornou desembargador,
notou uma “certa dose de cinismo” e de frieza por parte de Álvaro. José
Jerônymo se convenceu de que Álvaro retirou a garota da escola, mas de que não
havia participado da morte e do estupro da irmã. A defesa incondicional do
filho feita pelos pais de Álvaro chamou a atenção do MP. Um fato narrado em
depoimento pela irmã Sacrário, funcionária da escola, ajudou a formar a
convicção da promotoria. Ela estava no apartamento dos Braga quando a mãe soube
da morte de Ana Lídia. Após abraçá-la, o marido teria dito: “Eloyza, Deus
queira que não seja o que estou pensando. Depois disso, vêm coisas piores”.
Poucas provas
Com a certeza da participação de Álvaro e muitos indícios que ligavam
Duque ao crime, em 29 de maio de 1974, o MP contrariou o inquérito policial,
que afirmava não ter provas contra os suspeitos, e pediu a prisão preventiva da
dupla. A Justiça acatou.
Eles ficaram trancafiados por mais de um ano, à espera do julgamento. De
acordo com o Ministério Público, enquanto ao primeiro coube a responsabilidade
de tirar Ana Lídia do colégio, o segundo torturou, matou e violentou
sexualmente a criança.
O enterro: comoção tomou conta de Brasília, mas não trouxe punição
Falhas e absolvição
Em 16 de junho de 1975, o juiz Dirceu de Faria, da 2ª Vara Criminal,
absolveu os réus baseado na denúncia de que o sequestro havia sido combinado
por Duque e Álvaro. Para o magistrado, não havia provas nem que a dupla se
conhecia. Ambos sempre alegaram que se viram pela primeira vez só no dia da
prisão. O MP, no entanto, apresentou provas da ligação entre eles, como o
depoimento de testemunhas, e decidiu recorrer da decisão. Mas, em 2 de dezembro
de 1977, a 1ª Turma do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios confirmou a
decisão do juiz Dirceu.
Os promotores de Justiça ressaltaram falhas na investigação, que,
segundo eles, começaram poucas horas após o rapto de Ana Lídia. Apesar de o
desaparecimento ter sido comunicado à polícia menos de três horas após o
sumiço, o inquérito só foi aberto seis dias depois. Com isso, os primeiros
depoimentos prestados pela família nunca constaram no processo, assim como o
retrato falado feito a partir do relato de uma dona de casa que viu um homem
acompanhando a menina em direção à UnB.
Na época do crime, a polícia ignorou outras pistas, como o álibi usado
pela família de Álvaro para inocentá-lo. A justificativa é de que ele teria ido
à Rodoviária e ao Detran. As marcas de pneu de moto encontradas ao lado da vala
onde estava o corpo de Ana Lídia não foram confrontadas com a Yamaha de Álvaro.
Os investigadores não foram às poucas farmácias do Plano Piloto apurar vendas
recentes de camisinha. Na década de 1970, a população não tinha o hábito de
usar o protetor, por isso poucos estabelecimentos vendiam preservativo.
“Bodes expiatórios”
O crime prescreveu em 11 de setembro de 1993. Raimundo Duque morreu em
2005, em Anápolis (GO), aos 62 anos, de complicações decorrentes do alcoolismo.
Policiais prenderam Raimundo dois anos após o crime por falsidade ideológica.
Tentou se passar por outra pessoa para evitar morrer, segundo ele. Depois que
saiu da prisão foi para o Rio de Janeiro. Vendeu ouro, roupas, caixão, até se
mudar para o interior de Goiás. Em 2003, por telefone, deu a última entrevista,
ao Correio.
À época, aposentado, Duque vivia com um terço do salário que ganhava no
emprego. Morava com a mulher e uma filha de 19 anos. Ele jurou inocência. ‘‘Eu
era muito doido, fumava maconha, cheirava cocaína, me picava com cocaína, e a
Polícia Federal nunca conseguia me pegar. No dia da morte da menina, fui lá
prestar solidariedade porque era muito amigo da mãe da menina, da família.
Quando chego lá, só tinha polícia. Logo depois, eu fui para Mato Grosso. Estava
de férias e fui visitar meu pai. Prestei depoimento, às vezes dopado, drogado
e, às vezes, bêbado”, disse.
Túmulo da menina no Campo da Esperança: o mais visitado no Dia de
Finados
Sem respostas
Duque ainda acrescentou: “Minha foto saiu na televisão e nos jornais.
Sei que os policiais, nos dias 14 ou 15 de setembro de 1973, receberam ordens
para abafar o caso e que, segundo os federais, tinha gente importante na
jogada. Não posso falar se foi o ‘B’(Buzaid), porque não gosto de condenar
ninguém sem prova. Mas tudo indica que foi ele. Fomos julgados. Não tinham
provas contra a gente. O crime foi uma coisa diabólica. Só Álvaro e eu pagamos
o pato. Pra mim, Álvaro é inocente. Foi outro escolhido para bode expiatório. A
primeira conversa da Federal é que ele estaria devendo meio quilo de cocaína
para o filho de um ministro em Brasília. Depois foi desviada para cima de mim.
’’
A mãe de Ana Lídia, que sempre afirmou não acreditar no envolvimento do
filho, morreu em março de 2005. O pai, Álvaro Braga, se mudou com a família
para o Rio de Janeiro após a absolvição do crime. Ele morreu na capital
carioca, em 2011, sem nunca dar entrevista sobre o caso. Álvaro Henrique é
médico e mora no Rio de Janeiro. O Correio tentou contato com ele, pelo
telefone do consultório, no bairro de Vila Isabel. A secretária informou que
Álvaro, “não falaria sobre o assunto”.
Em depoimento ao jornal Estado de S. Paulo, em 2000, a mais recente
declaração dele sobre o caso, Álvaro afirmou que foi torturado várias vezes por
suposto envolvimento no assassinato. ‘‘O governo federal arranjou bodes
expiatórios’’, disse à época. Segundo ele, a verdadeira história do assassinato
de sua irmã jamais aparecerá. ‘‘Os presidentes estão mortos, os ministros
envolvidos estão mortos e seus filhos estão mortos.’’
Na entrevista, ele diz ter descoberto desde o início que o governo não
tinha interesse em investigar o crime. Conta que na primeira vez que foi à
delegacia para acompanhar as investigações, ficou sabendo que havia ‘‘ordens
superiores para parar as buscas’’.
Permanece a dúvida. Quem matou Ana Lídia?
"Foi uma maldade muito grande e, por fim, não se descobriu nada. Se
estiver vivo, o matador continua em liberdade. Se morto, foi dado como
inocentado, porque ninguém nunca descobriu quem foi”
(Safe Carneiro, Advogado que defendeu Álvaro Henrique à
época)
Alto, loiro, cabelos compridos: Álvaro, irmão da vítima, se encaixava na
descrição do sequestrador
Investigação refeita e frustrada
Por ordem do Governo do Distrito Federal, a Polícia Civil criou uma
comissão para apurar novamente o caso Ana Lídia, 11 anos depois do crime. A
instituição falhou mais uma vez. Aposentado há 23 anos, o delegado Álvaro
Caetano dos Santos, 78 anos, esteve à frente do grupo de delegados e agentes
responsáveis pela missão de desvendar o crime. Ele fez mais de 40 viagens com
equipes de investigação, ouviu testemunhas e jovens de Brasília, mas não
conseguiu chegar aos autores do assassinato. “Certamente, se não morreram, os
responsáveis ficaram impunes”, destacou Álvaro, em entrevista ao Correio, por
telefone, na última sexta-feira. Natural da Bahia, ele chegou a Brasília na
década de 1970.
Apesar de não desvendar o caso, o delegado refuta a hipótese de que o
irmão seria coautor do sequestro. “Se houvesse provas de que ele tirou a
criança da escola, a investigação seria mais fácil. Mas não houve essa
comprovação. Tanto que ele foi absolvido pela Justiça”, destacou Álvaro dos
Santos.
Para o delegado aposentado, as falhas da primeira investigação
dificultaram o trabalho posterior. “Se não chegaram aos responsáveis dois, três
anos depois, passado todo esse tempo, ficaria mais difícil. As provas tinham
sido extintas e os depoimentos não eram mais tão fiéis”, observou. “Ficou o
sentimento de frustração por não ter conseguido comprovar os fatos e
responsabilizar os devidos autores”, completou.
Defesa
Advogado de Álvaro Henrique à época, Safe Carneiro, hoje com 84 anos,
defende a inocência do cliente até hoje. Para ele, havia uma “campanha da
imprensa” contra o irmão de Ana Lídia. “Foi uma maldade muito grande e, por
fim, não se descobriu nada. Se estiver vivo, o matador continua em liberdade.
Se morto, foi dado como inocentado, porque ninguém nunca descobriu quem foi”,
observou.
Safe Carneiro conta ter recebido ameaças. “Foi um sofrimento grande.
Recebi diversas ameaças, inclusive de gente dizendo que retirariam os meus
filhos do colégio onde estudavam, na Escola Classe 208 Sul. Tive que sair às
pressas do escritório e, chegando lá, era tudo mentira. Foi uma tortura”,
lembrou.
Ele se recordou também da hipótese levantada à época de Ana Lídia não
ser filha de Eloyza, mas de uma irmã dela. “Desmoronaram essa família, que teve
a infelicidade de contar com uma filha retirada de seu seio dessa forma tão
brutal”, ressaltou o advogado.
Carneiro manteve contato com a família de Álvaro Henrique, que,
inclusive, o convidou para a formatura em medicina, no Rio. “Também tenho até
hoje um retrato de Ana Lídia com uma dedicação que fizeram. O senhor Álvaro
(pai da criança) me visitou no consultório até antes de falecer, assim como
dona Eloyza, mas, depois, os anos foram passando e perdemos o contato”, contou
o defensor, que por seis anos presidiu a Ordem dos Advogados do Brasil no DF
(OAB-DF).
O Correio procurou o desembargador José Jerônymo para comentar a
denúncia oferecida por ele quando era promotor de Justiça do Ministério Público
do DF (MPDFT), mas a assessoria de imprensa do TJDFT informou que ele preferiu
não dar entrevista.
Furos na investigação - Álibi
Os pais de Ana Lídia afirmaram que Álvaro Henrique estava com eles no
momento em que deixaram a menina na escola, versão contestada por duas
testemunhas. Além disso, ele afirma ter ido à Rodoviária do Plano Piloto em
busca de informações para tirar a habilitação. A polícia nunca checou com
funcionários do órgão se o jovem, de fato, esteve no departamento na tarde de
11 de setembro de 1973.
Retrato falado
A dona de casa Diva Aparecida morava em um barraco próximo ao Colégio
Madre Carmen Salles e, na tarde em que Ana Lídia foi retirada da escola, viu a
menina loira, de vestido branco e azul e sandálias vermelhas passar pelo
matagal em direção à UnB na companhia de um homem moreno, de estatura baixa, de
cabelos ondulados. A polícia colheu o depoimento de Diva e peritos fizeram um
retrato falado, que se parecia muito com Raimundo Lacerda Duque. Mas a peça
nunca foi anexada ao processo.
Testemunhas
A polícia só tomou o depoimento das freiras da escola em abril de 1974,
mais de seis meses depois do crime. Um dia antes de as irmãs comparecerem à
delegacia, elas receberam um telefonema com ameaças.
Provas
As duas camisinhas encontradas ao lado da cova em que Ana Lídia foi
enterrada. À época, o uso de preservativos não era comum e poucas farmácias
vendiam o produto. Apesar disso, os investigadores não fizeram diligências nos
estabelecimentos para tentar descobrir a identidade do possível assassino.
Local do crime
No terreno em que o corpo da menina foi encontrado, havia marcas de
pneus de motocicleta, mas não houve perícia nos vestígios. Álvaro Henrique,
irmão da menina, tinha uma Yamaha 100 cilindradas.
Quem é quem
Álvaro Braga, pai de Ana Lídia
Funcionário do Departamento de Serviço de Pessoal (Dasp), tinha 55 anos
quando a menina foi morta. Sempre negou o envolvimento do filho no crime.
Depois da absolvição, decidiu mudar-se com a família para o Rio de Janeiro.
Morreu em 2011.
Eloyza Rossi Braga, mãe de Ana Lídia
Também trabalhava no Dasp, era casada havia mais de 20 anos e estava com
48 à época da tragédia. Era chefe de Raimundo Lacerda Duque, um dos suspeitos,
e, em algumas oportunidades, aconselhou o subordinado a procurar tratamento
para os problemas com drogas e álcool. Morreu em março de 2005.
Álvaro Henrique Braga, irmão de Ana Lídia, acusado e absolvido do crime
Aos 18 anos, cursava o 3º ano do ensino médio no colégio Laser, na Asa
Sul. Foi denunciado pelo sequestro da irmã. De acordo com a polícia, ele tinha
dívidas de drogas e o rapto seria uma forma de saldá-las. Ficou mais de um ano
preso à espera do julgamento. Em outubro de 1974 foi absolvido por falta de
provas. Formou-se médico em 1982 no Centro Universitário de Volta Redonda, no
Rio. Angiologista, atende em um consultório no bairro Vila Isabel, na capital
carioca.
Raimundo Lacerda Duque, acusado e absolvido do crime tinha 30 anos,
era funcionário do Dasp e conhecido da família Braga. Alcoólatra e viciado em
drogas, havia sido submetido a vários tratamentos de desintoxicação. Foi
acusado de torturar, matar e estuprar Ana Lídia. Fugiu de Brasília quando soube
que era suspeito e acabou preso, em Goiás, cinco meses depois. Ficou detido na
mesma cela que Álvaro, enquanto aguardava o julgamento. Também foi absolvido e
aposentado por invalidez. Passou a viver com o benefício de três salários
mínimos pagos pelo governo federal. Morreu em 2005, aos 64 anos, por
complicações decorrentes do alcoolismo, em Anápolis (GO).
Romance retrata caso
Policiais e curiosos no terreno da UnB onde foi encontrado o corpo de
Ana Lídia
A história do sequestro e assassinato de Ana Lídia se transformou em um
romance policial escrito pelo jornalista Roberto Seabra. Na obra Silêncio na
cidade, da Editora Camará, lançada no fim do ano passado e relançado na 4ª
Bienal Brasil do Livro e da Leitura, mês passado, ele narra a história com
adaptações, sem compromisso de retratar a realidade ou desvendar o crime.
O nome da menina é trocado por Ana Clara. Roberto recorreu às memórias
do pai, Manoel Esperidião Pereira, perito criminal que morreu em 2003, aos 63
anos, mas participou das investigações, além daquilo que se recordava de
coberturas jornalísticas à época. “Trata-se de uma história real, mas escrita
da forma com que os especialistas chamam de roman à clef (romance com chave).
De toda forma, as pessoas que conhecem o caso se identificam”, ressaltou o
escritor.
Roberto também recolheu reportagens e fez pesquisas em arquivos
públicos. “Fui criando a versão do caso e comecei a investigar de forma
inicial. A própria ficção assume esse papel de denúncia. Quando os fatos não
aparecem, penso que é válido lançar mão de outras ferramentas, como o que foi
feito”, frisou ele, que, de início, pretendia escrever um livro-reportagem.
Mudou de ideia após perceber que não havia um desfecho do caso.
Para o autor, Ana Lídia se tornou vítima de uma armadilha. “A criança
era o elo mais fraco de uma história que envolvia pessoas relacionadas com o
tráfico de drogas, sendo fornecedores e consumidores, a maioria membros da
elite de Brasília e filhos de poderosos. Inocente, nada tinha a ver com a
história, e deu azar de o irmão estar possivelmente envolvido de alguma forma”,
destacou.
O jornalista acredita que o irmão da menina teria uma dívida com os
suspeitos que se vingaram com a morte da menina. Ele reclama da impunidade:
“Trata-se de um caso falado há 45 anos e sob o qual não se tem quase nada de
concreto. Não tivemos condenação nem a responsabilidade de cada um.”
Para Roberto, a brutalidade e a impunidade moldaram a forma como a
cidade trata o caso. “Brasília é uma cidade muito nova para ter lendas, e o
caso Ana Lídia não pode ser transformado nisso. O nome dela virou título de
parque infantil e, todos os anos, no Dia de Finados, o túmulo recebe visitas de
pessoas que vão levar flores, brinquedos. A imagem dela se transformou como de
uma santa na cidade.”
Curiosidades
Durante as investigações da morte de Ana Lídia, alguns fatos ajudaram a
aumentar o interesse sobre o caso. Confira:
Vestibular
Em novembro de 1974, enquanto estava preso à espera do julgamento,o
irmão de Ana Lídia pediu autorização para deixar a prisão a fim de estudar para
o vestibular. A solicitação foi negada.
Bancário
Depois de ser absolvido em primeira instância, Álvaro Henrique foi
aprovado em um concurso do Banco do Brasil. Foi convocado para assumir vaga de
escriturário, mas não tomou posse. “O que querem? Marginalizar-me? A Justiça de
primeira instância já declarou a minha inocência. Será que, para eles, eu sou
culpado?”, disse, à época.
Maternidade
Muitos boatos relativos à família Braga foram ventilados enquanto o
brutal assassinato era investigado, entre eles o de que Ana Lídia seria filha
de Cristina e não de Eloyza e Álvaro. O próprio Duque e a empregada da família
disseram não se lembrar da gravidez da matriarca.
Caso Aracel
A polícia chegou a investigar supostas semelhanças entre a morte de Ana
Lídia e o assassinato da menina Araceli Cabreira Crespo, 8 anos, ocorrido
quatro meses antes, em Vitória. Nunca foi comprovada qualquer ligação.
Freira
No dia em que receberam a intimação para depor, as madres da escola em
que Ana Lídia estudava receberam uma ameaça por telefone. “Vocês foram
chamadas. Cuidado com o que vão dizer”, afirmou uma voz masculina à irmã
Sacrário.
Torturas
Em várias oportunidades, tanto Duque quanto Álvaro Henrique relataram
ter sofrido tortura nas dependências das polícias Civil e Federal
Silêncio na cidade
De Roberto Seabra. Editora Camará. Número de páginas: 284. Preço médio:
R$ 40. É vendido na Banca da Conceição, na SQS 308. Ou na versão eletrônica na
Amazon.
(*) Isa Stacciarini - Renato Alves -
Fotos: Paulo Barros/CB/D.A.Press - Alencar/D.A/Press - Daniel
Ferreira/CB/D.A.Press - Arquivo/CB/D.A.Press - Correio Braziliense
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