Com
inovações no formato, Festival de Brasília começa na sexta-feira - Novidades no
formato e contorno de problemas estruturais, o 51º Festival de Brasília do
Cinema Brasileiro aporta no Cine Brasília, seguindo as pistas de um país em
crise e sob transformações
Bloqueio é um dos filmes concorrentes, ao tratar da crise
estrutural dos transportes pelas rodovias do país. (foto: Thaís
Vidal/CB/D.A Press)
Pode muito bem soar como um aperitivo a participação dos filmes Sol alegria e Os
sonâmbulosno 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que
começará na próxima sexta-feira, com abertura reservada a convidados, e que se
estenderá até 23 de setembro, no Cine Brasília. Ambos estão em mostras
paralelas, mas chegam encharcados pelos ingredientes centrais do banquete
cinematográfico regularmente servido pelos diretores que, com seus filmes,
tinindo de novos, competem pelos troféus Candango. Integrado ao segmento
Festival dos Festivais (que dará a chance aos brasilienses acompanharem parte
da safra de cinema valorizada em eventos de 2018), Sol
alegria destaca o veio político da mostra, ao fabular sobre
freiras militantes e ativistas armados coexistentes num país com junta militar
instaurada no poder. Os
sonâmbulos (da mostra Caleidoscópio) revela os resquícios de
existências críticas num eterno estado de exceção.
"A Caleidoscópio está justamente entre as novidades. Com ela,
criamos um espaço de competição alternativo para títulos extremamente
instigantes e autorais. Além disso lutamos pela instituição dos prêmios Leila
Diniz e Zózimo Bulbul. É um desafio dar conta da multiplicidade de propostas do
festival, sempre em crescimento", observa o diretor artístico Eduardo
Valente. Na seleção dos filmes em competição, temas do momento, entre os quais
os conflitos estruturais e financeiros que resultaram na greve dos
caminhoneiros, em maio passado (tema de Bloqueio); as
prisões de mulheres, durante a existência da ditadura nacional (Torre
das donzelas) e desdobramentos de questões sobre identidade e
gênero, caso dos longas Luna e Bixa
Travesty.
Eduardo Valente, diretor artístico do evento: "É um
desafio dar conta da multiplicidade de propostas do festival, sempre em
crescimento"(foto: Arquivo Pessoal)
Luna, do diretor mineiro Cris Azzi avança ainda, com
narrativa que expõe a formação da sexualidade, na juventude, tendo como
anteparo modelos e interação de relações via internet. Azzi, um dos
concorrentes a troféu Candango, conta parte dos métodos empregados para dar
credibilidade às situações do filme. "Uma arte educadora me ajudou a
encontrar 15 jovens da mesma idade das personagens e a gente conversou
abertamente sobre questões que são tocadas no filme. Quase a totalidade das
meninas demonstraram problemas sérios com o universo masculino. Brotaram
relatos de casos de assédio, violência, estupro e abandono. Isso tinha que
atravessar o filme", comenta.
Na formatação da mostra competitiva do Festival de Brasília, diretores despontam remexendo em assuntos do passado, mas que reluzem atualidade, diante de suas consequências, como é o caso de Los silencios, de Beatriz Seigner. "Enquanto escrevia o roteiro, acompanhei de perto os tratados de paz na Colômbia relacionados a conflitos armados. A assinatura deles trouxe sensação de alívio, num marco histórico. Na sequência, surgiu a pergunta: você pode perdoar o assassino de um familiar?", observa. A comoção da realizadora esteve associada à capacidade de perdão dos colombianos. Ela argumenta que, mesmo na dificuldade extrema, "a coexistência pacífica" fundamenta o avanço da sociedade, junto com a coragem que essa demanda.
'Torre das donzelas': filme assinado por Susanna Lira revê as
condições de mulheres presas durante o período da ditadura. (foto:
Reprodução/CB/D.A Press)
Temas
quentes
Logo no
primeiro fim de semana do Festival de Brasília, a mostra Onde Estamos e para
Onde Vamos apresenta um painel poderoso sobre questões como impunidade
relacionadas a crimes de feminicídio e viradas políticas feitas na calada da
noite, além de expor mecanismos de controle do Estado sob o indivíduo e
investir em crises micro, caso da falta de moradia, que se avolumam em escala
macro.
Kiko
Goifman, codiretor de 'Bixa travesty', prevê temperatura quente para o evento(foto:
Cia de Foto/Divulgação)
Injetando inovação, desponta a mostra Caleidoscópio, que terá como sede
das exibições o Museu da República, e abrigará um segmento competitivo do
festival integrado por cinco filmes mostrados para o público e um corpo de
jurados internacionais, associados aos festivais de Cannes, Berlim, Roterdã e Cartagena.
Virando páginas de dramas e alegrias bastante atuais, o Festival de Brasília
não deixará ainda de honrar legados de diretores atrelados à construção da
memória cinematográfica nacional. Meio século depois de apresentado no evento,
o longa Lance maior (de
Sylvio Back), estrelado por Regina Duarte e Reginaldo Faria, volta a ser
projetado em sessão especial. Atuante desde os primórdios do cinema nacional, e
por mais de 50 anos, Humberto Mauro, em filme homônimo, ganha a homenagem em
documentário feito pelo seu sobrinho-neto André di Mauro.
Diretora do evento, Sara Rocha, responde perguntas sobre o
festival(foto: Rodrigo Viana/Secult)
Como contornarão a crise, com as obras do metrô em frente ao
Cine Brasília (EQS 106/107), que abriga o evento?
Além de uma
campanha de mobilidade — para que as pessoas abram mão dos carros e busquem
alternativas —, teremos 500 vagas de estacionamento, na 906 Sul, com seguranças
no local e um transporte até o Cine Brasília, a cada meia hora, entre as 18h e
as 2h. O estacionamento acomoda três vezes mais veículos do que o Cine
Brasília. Num aplicativo de transporte alternativo, teremos a opção de os
usuários obterem R$ 15 de desconto em corridas associadas à participação no
Festival de Brasília. O mecanismo poderá ser usado duas vezes a cada dia do
evento. Além disso, vamos estimular a carona solidária e o uso de bike, com as
pessoas concorrendo a kits promocionais. Não teremos carros parados, em frente
ao cinema.
O festival caminha para uma evolução? Quais seriam as apostas da organização?
Numa das frentes, estamos fortalecendo associações para solidificar o ambiente de mercado. Ampliamos a ponte de internacionalização. Teremos representantes de mais de 30 empresas de ponta. Haverá oficinas, clínicas e master classes. Um minicurso de fotografia com Affonso Beato (que trabalhou com Glauber Rocha e Pedro Almodóvar) também está confirmado. Aaron Mendelsohn, professor de Los Angeles, trará dicas de roteiro. Pitchings abertos, com participação de público e de potenciais compradores de projetos audiovisuais, também acontecerão. Integrantes de comissões de festivais como os de Cannes, Roterdã, Berlim e Cartagena tomarão parte de atividades, como a exibição de filmes às vias de finalização e da mostra Caleidoscópio voltada a fitas de inovação autoral.
Que conteúdo está nos filmes do evento?
O festival traz uma grande amostragem da produção brasileira, de forma geral. Temos visto a multiplicação de obras com conteúdo politizado e que estão presentes na grande peneira representada pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Além da competitiva, isso transparece nas seleções paralelas chamadas de Arte da vida e Onde Estamos e para onde Vamos, que misturam biografias de artistas e ressaltam momentos conturbados do país.
O festival caminha para uma evolução? Quais seriam as apostas da organização?
Numa das frentes, estamos fortalecendo associações para solidificar o ambiente de mercado. Ampliamos a ponte de internacionalização. Teremos representantes de mais de 30 empresas de ponta. Haverá oficinas, clínicas e master classes. Um minicurso de fotografia com Affonso Beato (que trabalhou com Glauber Rocha e Pedro Almodóvar) também está confirmado. Aaron Mendelsohn, professor de Los Angeles, trará dicas de roteiro. Pitchings abertos, com participação de público e de potenciais compradores de projetos audiovisuais, também acontecerão. Integrantes de comissões de festivais como os de Cannes, Roterdã, Berlim e Cartagena tomarão parte de atividades, como a exibição de filmes às vias de finalização e da mostra Caleidoscópio voltada a fitas de inovação autoral.
Que conteúdo está nos filmes do evento?
O festival traz uma grande amostragem da produção brasileira, de forma geral. Temos visto a multiplicação de obras com conteúdo politizado e que estão presentes na grande peneira representada pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Além da competitiva, isso transparece nas seleções paralelas chamadas de Arte da vida e Onde Estamos e para onde Vamos, que misturam biografias de artistas e ressaltam momentos conturbados do país.
Com a palavra, realizadores
“Faço filmes, como no caso do A sombra do pai (um dos filmes
concorrentes no festival) pela verdadeira necessidade de fazê-los. Prezo e
respeito muito o Festival de Brasília. É uma honra ter a estreia na capital.
Principalmente, a um mês das eleições. É um festival superpolítico, com
participação popular de público interessado” - (Gabriela Amaral Almeida, de A sombra do pai)
“O filme Temporada é político no sentido de colocar muitos personagens
negros em foco e, além disso, apostamos em corpos diferentes em relação aos que
predominantemente estão nos cinemas. Há discussão também do espaço geográfico
que determina a formação das periferias. Tudo isso, sem se esquecer da questão
do racismo que é abordada” -(André Novais de Oliveira, diretor de Temporada)
O Festival - Programação - Mostra: https://goo.gl/NyT2B9
(*) Ricardo Daehn – Fotos: Thaís
Vidal/CB/D.A.Press - Tony Winston - Google/Blog - Correio Braziliense
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EVENTOS