O
adeus a um dos últimos pioneiros - Morreu ontem, aos 102 anos, Affonso
Heliodoro dos Santos, último remanescente da equipe de JK. Ele foi subchefe do
Gabinete Civil da Presidência, participou da criação da capital, criou o
Memorial JK e esteve à frente do Instituto Histórico e Geográfico do DF por 20
anos
Mineiro criou
memorial em homenagem ao amigo e o comandou até 1997 -Brasília perdeu, na manhã de ontem
(20), um dos últimos de seus pioneiros. Affonso Heliodoro dos Santos, conhecido
como coronel Affonso, morreu em Belo Horizonte (MG), aos 102 anos.
Hospitalizado desde a última quinta-feira (18) na capital
mineira, ele faleceu em decorrência de problemas no coração e fraqueza por
causa da idade avançada. Amigo de Juscelino Kubitschek desde a juventude em
Diamantina (MG), ele era o último integrante vivo da equipe principal do
ex-presidente da República. Advogado e escritor, ocupou o cargo de subchefe do
Gabinete Civil da Presidência durante o governo JK, de 1957 a 1961, e trabalhou
direta e decisivamente na construção de Brasília.
O velório ocorrerá hoje, no
Cemitério da Colina, em Belo Horizonte. A pedido dele, o corpo será cremado.
Heliodoro nasceu em 16 de abril de 1916. Conheceu
Juscelino ainda criança e chegou a ser aluno da mãe de JK, Júlia Kubitschek,
que foi professora primária em Diamantina. Ele se formou bacharel em direito
pela antiga Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, na capital fluminense. Em
1933, aos 17 anos, ingressou na Força Pública, como era chamada a Polícia
Militar de MG à época. Em 1951, Heliodoro assumiu o Gabinete Militar no governo
do estado, quando Juscelino se elegeu governador. Cinco anos depois, estava ao
lado do então presidente quando foi assinado o documento que pedia ao Congresso
Nacional a criação da nova capital no coração do Centro-Oeste, em 1956. Naquele
mesmo ano, Affonso Heliodoro visitou, pela primeira vez, a região onde Brasília
seria construída.
“Para nós, da família Kubitschek, foi o melhor dos
amigos”, declarou o empresário e ex-político Paulo Octávio, marido da neta do
ex-presidente, Anna Christina Kubitschek. “Um homem dedicado à história de
Juscelino, companheiro dele e grande defensor da construção de Brasília.
Affonso Heliodoro dos Santos soube honrar, com a maior das humildades, todo o
legado dos pioneiros que construíram a Capital Federal.” O governador do
Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, sintetizou a trajetória do pioneiro como
“uma vida centenária dedicada ao país e a Brasília”. Em nota, Rollemberg o
descreveu: “Homem simples, de gestos firmes, escreveu sua trajetória militar e
política ao lado do fundador da capital do Brasil, Juscelino Kubitscheck, de
quem foi um amigo leal e companheiro da epopeia de construção de Brasília. Tive
o privilégio de conhecê-lo, me tornar seu amigo e poder ouvir dele relatos da
fantástica jornada de construção de Brasília”.
Família
e amigos
Aos 7
anos, Heliodoro perdeu o pai, delegado, durante uma investigação policial em
Salinas, no norte do estado.
A partir de então, a mãe criou, sozinha, os oito
filhos do casal. 95 anos mais tarde, ele partiu, deixando três filhos, 12 netos
e bisnetos. “Meu avô era um quadro pintado pelos deuses para a família”, diz o
neto Pedro Ivan Tupy Filho, 48 anos.
“Convivi muito com ele e posso dizer que
tive dois pais na vida”, afirma o empresário. Quanto à atuação pública, Pedro
afirmou: “Ele foi de grande importância para nosso país, para Brasília e para o
momento de desenvolvimento do país. Apesar de não ter vivido naquela época, sei
que até hoje as grandes obras construídas por ele e a equipe de Juscelino
Kubitschek ainda perduram”.
Adirson
Vasconcelos, jornalista, historiador e ex-presidente do Instituto Histórico e
Geográfico do Distrito Federal, órgão que o coronel também presidiu, lembrou o
espírito de ação do pioneiro. “Cada obra de JK, a partir de seu lançamento,
tinha começo, meio e fim previstos. Dentro dos princípios administrativos mais
modestos, essa meta se submetia a um cronograma rigoroso. É aí que entra
Affonso Heliodoro, a pessoa no governo pronta para isso”, descreve. Para o
advogado Paulo Castelo Branco, amigo de Affonso, o coronel foi uma grande
personagem de Brasília e do Brasil, fundamental para a criação da capital e um
dos responsáveis pelo plano de metas de JK. “Uma das pessoas mais bem-humoradas
que conheci, boa gente, sempre falante e cordial”, lembra. “Ele tinha também a
admiração de todos pela sua lealdade à família Kubitschek, não só ao Juscelino,
mas também à Sarah, à Márcia, à Anna Cristina, minha mulher. É como se fosse um
pai para elas”, acrescenta Paulo Octávio.
Coronel: "Eles (militares) eram visceralmente contrários a
Juscelino Kubitschek"
Companheirismo
Após a
presidência de Juscelino Kubitschek, Affonso Heliodoro manteve-se ao lado do
amigo nos momentos mais críticos de sua vida. Em matéria do Correio por ocasião
de seu centenário, Heliodoro lembrou que os planos de JK contrariavam diversos
interesses, em especial os norte-americanos. “Eles não tinham interesse no
desenvolvimento do país, por isso, eram visceralmente contrários a Juscelino”,
disse. Quando o Golpe Militar se tornou realidade, ele estava junto a
Kubitschek no apartamento dele no Rio de Janeiro. “Ficamos atordoados com a
notícia, mas ainda não tínhamos noção do alcance daquele atentado à
democracia”, afirmou.
JK
permaneceu como senador até 8 de junho de 1964, quando teve os direitos
políticos cassados pelo então presidente Castello Branco. Dias depois, embarcou
para exílio voluntário na Europa e nos Estados Unidos. Nesse período, o coronel
esteve com o velho amigo em Paris. “Foi muito importante a presença dele, era
um verdadeiro irmão. Kubitschek dizia que se sentia exilado e deprimido fora do
país, mas a presença de Affonso alegrava qualquer ambiente”, recorda Adirson
Vasconcelos. Ele confidencia que Juscelino descrevia o amigo como “meu
Cirineu”, em alusão ao personagem bíblico que ajudou Jesus a carregar a cruz.
Com a esposa, Maria da Conceição Cabral
História viva
De volta ao DF, Heliodoro liderou a criação do
Memorial JK, em 1981, o qual comandou até 1997. Anna Christina Kubitschek, neta
do ex-presidente e atual presidente do Memorial, lamentou, em nome da
instituição, “a perda do amigo, pioneiro e conselheiro, coronel Affonso
Heliodoro”. Ela o descreve como “um homem que construiu uma história de amor ao
Brasil e em especial a Brasília, essa cidade símbolo da capacidade realizadora
dos brasileiros”, afirmou Anna Christina. “Sempre que eu promovia algum evento
com pessoas que ajudaram na construção da Capital Federal, eu o convidava para
fazer alguma palestra e contar sobre essa epopeia bonita que foi Brasília”,
recorda Paulo Octávio. “Ele conhecia todos os detalhes, todas as adversidades
pelas quais JK passou. Ele tinha uma memória prodigiosa e dava uma aula. Era um
verdadeiro professor da história de Brasília. É um dos heróis de Brasília.”
Coronel Affonso presidiu o Instituto Histórico e
Geográfico do DF por 20 anos. “Ele era a alma do instituto”, descreve William
Dálbio de Carvalho, atual 1º vice-presidente do órgão. “O papel do instituto é
o da preservação da memória de Brasília e, quanto a isso, ele atuou de maneira
decisiva, porque viveu a construção intensamente. Mesmo quando deixou a
presidência, continuou presente”, diz. O coronel ainda encontrou tempo para
escrever oito livros, entre ficção, crônicas e memórias de Brasília e do amigo
JK. “Décadas depois, Affonso ainda amava Brasília, enxergando seu papel
desenvolvimentista na região Centro-Oeste, antes desértica. A capital passou a
interligar o Brasil de norte a sul, abrindo estradas e promovendo a integração
nacional”, conclui, emocionado, Adirson Vasconcelos.
Guardião de JK
“Brasília,
antes de realizar-se como cidade foi desejo, expectativa e
polêmica. Construída, Brasília transformou-se em ponto de equilíbrio dos
pratos da balança. Colocada no centro, aproximou o mar do sertão e permitiu que
o sertão também assistisse ao espetáculo do mar.” (Affonso Heliodoro dos Santos)
Juscelino Kubitschek, ao se lançar à Presidência da
República, em 1955, preparou 30 metas para seu governo. Somou-se às 30 metas
uma outra chamada de meta-síntese: a construção de Brasília. Depois de eleito e
empossado em 31 de janeiro de 1956, todas as 31 metas tinham um guardião
meticuloso, detalhista e metódico: coronel Affonso Heliodoro dos Santos. Na
manhã deste sábado, o coronel Affonso, aos 102 anos, se despediu, deixando o
legado do dever cumprido. Nesta manhã de domingo, seu corpo será velado e
cremado em Belo Horizonte.
Ao homenagear a vida e a obra de Affonso Heliodoro
— um brasiliense emérito, ex-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do
Distrito Federal, um dos fundadores do Memorial JK, advogado e escritor —, vale
lembrar que o coronel foi o testemunho mais vivo, íntimo e longevo do
ex-presidente JK. O coronel Heliodoro acendia e apagava as luzes de seis
palácios quando seu inquilino era Juscelino Kubitschek: o Palácio da Liberdade,
em Belo Horizonte; o Palácio do Catete e o Palácio das Laranjeiras, no Rio; e
os palácios de Táboas (Catetinho), do Planalto e da Alvorada, em Brasília.
Para Juscelino cumprir todas as suas promessas de
campanha e entregar ao povo brasileiro as 31 metas propostas por ele, havia um
mineiro de Diamantina e aluno da mestra Júlia Kubitschek, mãe do presidente,
nesse caminho: justamente o coronel Affonso Heliodoro dos Santos, o guardião
das metas de JK. E, diga-se de passagem, todas as 31 metas foram cumpridas durante
seu mandato presidencial. Autor de oito livros publicados, o coronel Affonso
foi garantia de cultura, exemplo de servidor público e de dedicação total à
pátria . (Silvestre Gorgulho, jornalista e
ex-Secretário da Cultura do Distrito Federal)
(*) Por Pedro Grigori - Jairo Macedo: Fotos: Arquivo
Pessoal - : TV
Globo/Reprodução - Daniel Ferreira /CB/D.A.Press - Carlos Vieira/CB/D.A.Press - Correio Braziliense
Tags
PERSONALIDADES