Partido sem Escola
*Por Cristovam Buarque
Uma das artimanhas das forças políticas conservadoras é esconder os
problemas da sociedade para desviar a atenção da população. Um exemplo é a
obsessão com que muitos defendem a ideia de “escola sem partido”, para esconder
a realidade de que nossos partidos e nossos políticos não passaram pela Escola.
Para esconderem a falta de escolas com qualidade para todos, defendem que é
preciso impedir que elas debatam livremente nossos problemas e soluções.
Querem evitar o despertar dos alunos para a necessidade do ensino com
qualidade para todos, garantindo que o Brasil não desperdiçará seus cérebros;
colocando os filhos dos pobres em escola com a qualidade daquelas onde os
filhos dos ricos estudam. Além de esconder que no Brasil os pobres não têm
escola com qualidade e os ricos têm escolas com qualidade medíocre, a “escola
sem partido” levará professores e alunos a um campeonato de denúncias contra
ideias dentro de sala de aula, onde será implantado o terror: a “escola sem
partido” será “escola aterrorizada”.
Muito mais do que escola sem partidos, o Brasil precisa de partidos e
políticos que tenham passado pela escola, que conheçam história e saibam que
houve tempo de “escola sem partido”, na Rússia Soviética, na Alemanha nazista,
no Portugal salazarista, na Itália fascista, na Espanha franquista, no Brasil
da ditadura. Não sabem e não percebem os danos decorridos na formação da
juventude durante aqueles períodos; ou sabem e desejam aqueles tempos de volta.
Na verdade, eram tempos de escola com partido único: o partido no poder, com
ideia única para explicar a realidade social, política e mesmo científica. Uma
escola precisa de todos os lados do mundo das ideias, não de nenhum partido ou
um partido único.
É certo que devemos impedir a dominação política por partidos, com
narrativas que não respeitam outras opiniões e que tentam doutrinar, no lugar
de ensinar. Isso tem ocorrido nos últimos anos, na Universidade de Brasília,
por exemplo, onde é proibido debater a diferença entre golpe e impeachment e
comparar 2016, no caso de Dilma, com 1992, no caso Collor. Ainda na UnB, filha
da liberdade e da democracia, há hoje impeachment para manifestações de apoio
ao Bolsonaro.
O caminho não é proibir o debate, denunciar o professor que manifesta
uma opinião, o caminho é abrir o debate para todas as opiniões. Se na
universidade prevalece uma única narrativa, a falha não é do partidarismo de
alguns professores doutrinadores sem capacidade de diálogo. De fato, grande
parte de nossos alunos universitários sofrem lavagem cerebral, acreditam em
fantasmas históricos que seus partidos lhes ensinam, são intolerantes com
ideias diferentes das que receberam como doutrina. A solução não é proibir o
partido dominante, nem substituí-lo por uma nova dominação.
A solução não virá mais para os atuais universitários, já são geração
perdida. A saída é investir na educação de base, com total liberdade para o
debate de todas as ideias, todos os partidos — uma “escola sem censura” que
defenda a necessidade de professores bem remunerados, bem preparados, bem
dedicados, em escolas bem equipadas, todas públicas e com compromisso em
horário integral para formar uma nova geração. Manter escolas nas atuais
condições de penúria intelectual, e ainda mais sob censura, com os alunos
transformados em denunciadores e não em participantes dos debates, será cair no
desastre dos países que passaram por isso no passado. Precisamos de “partidos
com escola”, e não de “escola sem partido”.
Quando olho os próximos anos, a sensação de alívio por não ter os
compromissos da agenda do mandato (agora mesmo que escrevo da China onde
participo de seminário sobre economia dos BRICS) é substituída pela sensação de
frustração, por não poder votar contra “escola sem partido”, nem poder
continuar a luta por um “país com escola” de qualidade para todos, criando
eleitores e dirigentes educados. Fica a frustação de saber que meus substitutos
provavelmente votarão pela “escola sem partido”.
Mesmo longe do parlamento, continuarei defendendo que a saída não é
proibir partidos nas pobres escolas que temos, mas construir escolas de
qualidade, onde todas as ideias e todos os partidos possam participar do
debate, inclusive sobre “escola sem partido”, como atualmente. Isso não será
permitido se a proposta de censura for aprovada, porque “partido sem escola”
constitui um partido que deseja negar o direito de “partidos na escola”.
(*) Cristovam Buarque - Senador pelo PPS-DF e professor emérito da
Universidade de Brasília (UnB) – Foto/Ilustração: Blog - Google
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EDUCAÇÃO