A Brasília que não existe mais - Moradores da capital relembram histórias antigas da cidade e os
lugares que marcaram época nas últimas décadas do século 20. Dentre as
recordações, estão a Piscina de Ondas do Parque da Cidade e o Gran Circo Lar
Com quase 60 anos de história e conhecida como o centro do poder
político do Brasil, Brasília vai além dos monumentos de concreto e da
referência como capital do país: mesmo nova, guarda recordações de uma cidade
que ficou apenas na lembrança de quem teve a oportunidade de desfrutar os
primeiros pedacinhos que marcaram a vida dos candangos.
Para quem costumava frequentar o Plano Piloto a partir de 1988, cenas de
uma Kombi carregando policiais militares tornaram-se comuns. Era o
patrulhamento da antiga Ronda Ostensiva Candanga (Rocan), que atuava em pontos
determinados por meio de uma programação, de modo a aumentar a capacidade de
atuação da corporação. No veículo, 10 policiais dividiam-se em duplas
conhecidas como Cosme e Damião, uma referência aos santos da religião católica,
que faziam o bem e protegiam as pessoas.
Coronel da reserva da Polícia Militar Mário Souza, 64 anos, relembra os
tempos de Rocam, pois foi o primeiro comandante do grupo. Segundo ele, o
trabalho era diferente, por ser mais próximo da população. Os policiais atuavam
dialogando com porteiros, jornaleiros e comerciantes. “No começo, as pessoas
estranhavam esse contato, pois não estavam acostumadas a conversar com
policiais. Mas depois, com o reconhecimento do trabalho, elas procuravam pelas
Kombis. Uma vez, um cidadão chegou para mim e perguntou ‘Onde está a minha
Kombi?’, e eu achei engraçado”, relembra, com humor. (Vídeo)
O administrador Glauco Florentino, 44, elogia o trabalho da Rocan e
conta que uma vez foi pego com um grupo de amigos enquanto “calotavam” ônibus.
“Eu tinha 14 anos e pulava a roleta do ônibus para ir para a W3 Sul. Entrava e
descia sem pagar. Uma vez, a Rocan me pegou com mais quatro colegas fazendo
isso.” Para o brasiliense, naquele tempo, a sensação de segurança era maior.
“Eu gostava de ver as Kombis nas ruas. Os policiais sempre estavam presentes.
Não me recordo de ter sido vítima de violência quando adolescente”, destaca.
Bibabô
Bibabô
Por falar em W3 Sul, a via também guarda boas memórias. Famosa por sua
movimentação e vida ativa, foi lá que se construiu a primeira loja de
departamentos do DF: a Bibabô. Militar da Aeronáutica, Ana Maria Paes, 56,
guarda na memória os tempos de infância, quando ia ao local com a família. “Era
uma loja grande, e os produtos das melhores marcas da época. A Bibabô era
referência em artigos de cama, mesa e banho. Tínhamos um apreço tão grande que
minha mãe sempre poupava dinheiro para gastarmos lá. As compras duravam o ano
todo”, destaca. A loja, fundada em 1962 pelo grego Staikos Tzemos, tinha duas
unidades: uma na W3 Sul e outra em Taguatinga. Em 36 anos de funcionamento,
chegou a mudar de nome para Pick and Take. As atividades da Bibabô foram
encerradas em 1998. (Vídeo)
Publicitário, João Carlos Amador, 40, também gastou boa parte da sua
infância indo à loja, e salienta a importância do estabelecimento como memória
afetiva. “Aquele lugar lotava, pois não havia muitas opções de lojas. Isso era
ótimo. Todo fim de semana nós íamos à Bibabô, onde eu comprei muitos dos meus
brinquedos. Era uma loja clássica. Pena que acabou”, lamenta.
Rocan
Rock e piscina
Mas não foi só o comércio que garantiu a felicidade dos brasilienses na
segunda metade do século 20. Atividades de lazer também estavam presentes na
rotina dos que buscavam aproveitar ao máximo a vida na cidade. O publicitário
Marcos Valls, 35, era um visitante assíduo do Gran Circo Lar, centro cultural
que ficou famoso por receber as maiores atrações do rock nacional. “Aconteciam
muitos shows. Na maioria das vezes, iam entre 2 mil e 3 mil pessoas. As bandas
começavam a tocar às 14h do sábado e só paravam às 2h do domingo. Foi a melhor
época do rock”, comenta.
O espaço foi criado em 1985 e recebia eventos culturais e educativos.
Tornou-se um símbolo do rock na capital por receber nomes e bandas como Raul
Seixas, Marcelo Nova, Zeca Baleiro, Capital Inicial, Plebe Rude e Pato Fu.
Depois de desativado, deu lugar ao Complexo Cultural da República.
Marcos estava no Gran Circo Lar no último dia em que ele abriu ao
público, em 22 de agosto de 1999. Pela primeira vez, ele iria se apresentar com
uma banda de amigos. Tudo estava montado e a plateia, lotada. No entanto, a
Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros interromperam o show e interditaram o
espaço. “Foi o caos. Tínhamos recebido o sinal positivo para tocar a primeira
música, mas tivemos que parar tudo. Alegaram que o lugar não contava com um
para-raios. Até hoje eu fico frustrado, pois era um grande sonho para mim.
Mesmo assim, sempre guardarei boas lembranças desse espaço”, aponta.
Outra diversão da capital era a Piscina de Ondas do Parque da Cidade.
Inaugurada em 1978, era novidade na América Latina e fabricava ondas de
aproximadamente um metro de altura. A assistente social Marluce de Lima, 50,
costumava frequentar o espaço nos fins de semana. “Ia com amigos para fazer
churrasco. Passávamos o dia inteiro, mas quando não tinha onda ninguém queria
ficar lá dentro. Tinha um barzinho lá perto que tocava pagode; então, a gente
aproveitava.”
A piscina foi inaugurada na fundação do Parque da Cidade. Nos fins de
semana, recebia cerca de 10 mil pessoas. Apesar de desativada, há alguns anos o
espaço chegou a ser usado para uma festa temática dos anos 1980.
Marluce teve a sorte de aproveitar a piscina antes de ela fechar as
portas, em 1997. “Fomos na última vez que ela funcionou. Ninguém sabia que ela
ia fechar. Foi péssimo. Eu gostava bastante, pois Brasília não tinha tantas
opções para diversão”, afirma.
Zebrinha
Zebrinhas
Elas existem até hoje, mas já não têm o mesmo charme de antigamente.
Oficialmente chamadas de Serviço Especial de Vizinhança, por muito tempo os
Zebrinhas facilitaram a vida dos moradores das Asas Sul e Norte, que nem
precisavam deixar as suas quadras para pegar o transporte público. “Ajudavam
bastante. Eu saía do trabalho, no Setor Comercial Sul, e ia almoçar em casa.
Depois, voltava de Zebrinha. Era um ônibus muito agradável pela agilidade que tinha
e por cumprir horários. Sempre cômodo e confortável”, garante o funcionário
público Carlos Batista, 57.
Para Carlos, em uma cidade com tantos problemas de mobilidade urbana, os
Zebrinhas poderiam ser uma solução. “Eles convidavam os brasilienses a deixar o
seu carro em casa e, de fato, dava certo. Bate uma nostalgia de quando eu era
mais novo, pois quase não existiam congestionamentos nas tesourinhas. Quem
sabe, um dia, elas voltem a ser como antes?”.
Criados pelo ex-governador Aimé Lamaison, os Zebrinhas tinham o objetivo
de facilitar o trajeto entre as Asas Sul e Norte aos Setores Comerciais,
Bancários, de Autarquias e à Esplanada dos Ministérios. O nome do animal foi
escolhido por concurso popular, devido às listras brancas e vermelhas dos
veículos.
Por: Augusto Fernandes - Ester Cezar * * Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira
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