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Faleceu: Pioneiro, Sigmaringa Seixas, 74, ex-deputado

Sigmaringa era visto como um político conciliador e admirado até por adversários: sepultamento será hoje, no Campo da Esperança 

Sigmaringa Seixas, 74, ex-deputado - O advogado e ex-parlamentar pelo PT não resistiu a complicações de um transplante de medula e morreu no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele deixa um legado de luta pela democracia e pelos direitos humanos

*Por » Caroline Cintra

Um dos advogados e políticos mais respeitados do Brasil, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas morreu ontem, aos 74 anos, após longa luta contra a leucemia. O ex-deputado federal pelo PT estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Há um mês, foi submetido a um transplante de medula, mas não resistiu a complicações do procedimento. O corpo chegaria a Brasília nesta madrugada. O velório está marcado para começar às 8h de hoje, no Cemitério Campo da Esperança, e o sepultamento, às 16h30. 

Nascido em Niterói (RJ), Sigmaringa se formou em direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Na carreira política, foi deputado federal do DF também pelo então PMDB e pelo PSDB. Ele contribuiu na elaboração da Constituição.

Políticos e amigos lamentaram a morte e destacaram as qualidades de Sigmaringa. O ex-deputado tinha relações pessoais com representantes de diferentes correntes políticas, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o senador José Serra (PSDB). No governo do petista, foi cotado para assumir o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mas preferiu permanecer na advocacia.
Com José Serra, Arthur Virgilio, Eduardo Azeredo e Renan Calheiros: relações pessoais com representantes de diferentes correntes políticas  

O presidente da República, Michel Temer, deu os pêsames à família do ex-parlamentar. “Lamento imensamente a morte do grande advogado e homem público Sigmaringa Seixas, um lutador pela democracia brasileira. Meus sentimentos de pesar à família e aos amigos”, afirmou nas redes sociais.

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, também mostrou pesar. Em nota, afirmou que a capital federal “chora e lamenta a morte de um dos maiores nomes de sua história”. “Sigmaringa, o querido Sig, construiu uma trajetória política ímpar na cidade, da banca de advocacia de sua família para a Câmara dos Deputados”.

Rollemberg se referiu a Sigmaringa como um defensor dos direitos humanos e destacou que o ex-deputado “se notabilizou na luta pela redemocratização do país e pelo direito do brasiliense de votar e eleger seus representantes para o governo e os parlamentares local e federal”.
Com o então deputado Luiz Inácio Lula da Silva durante partida de futebol no Parque da Cidade  

Governador eleito do DF, Ibaneis Rocha frisou que a história de Sigmaringa se confunde com a de Brasília. “Em um momento decisivo para o DF e para o Brasil, ajudou a escrever a Constituição do país e desempenhou papel importante para a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão”, disse.  

Um “homem de bem” foi como o definiu o presidente do STF, ministro Dias Toffoli. “Sigmaringa Seixas tinha compromisso com a Justiça e o bem-estar social. Deixou sua marca como homem público, deputado constituinte e advogado primoroso, sempre pronto a lutar pelos direitos humanos, pela democracia e pela liberdade em nosso país, trabalhando com humildade pelo bem comum, sem buscar os holofotes”, ressaltou. “Entre as características de sua personalidade, estavam a discrição e a vocação para o outro. Um homem de bem! Uma grande perda para o direito, a advocacia e o Brasil.”

Maria Lúcia Sigmaringa disse que o ex-deputado era um segundo pai para ela e para os outros irmãos. “Com ele e meu pai, aprendi o que era solidariedade, amor ao próximo, a importância dos direitos humanos e tantas outras virtudes difíceis de se encontrar hoje em dia”, afirmou. “Como político, foi um conciliador, admirado mesmo por seus adversários.”

Sigmaringa com Maurício Corrêa e colegas resistiram à invasão da OAB-DF por militares em 1983
Combate à ditadura
O deputado distrital Chico Vigilante (PT-DF) disse que, em 1982, foi libertado do Complexo Penitenciário da Papuda duas vezes por Sigmaringa, em função de greves que eram realizadas na época. “Ele lutou contra a ditadura opressora. Sempre que soube que alguém havia sido preso injustamente, esteve em cárceres, soltando. Homem determinado e tímido, mas muito corajoso em enfrentar as perseguições impostas aos trabalhadores e aos estudantes da Universidade de Brasília”, lembrou.

Presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann (PR) usou o Twitter para prestar homenagem ao advogado. “Com tristeza imensa acabei de saber da morte de nosso grande querido e companheiro Sigmaringa Seixas. Lutador incansável pela justiça e pela democracia em nosso país. Vai fazer muita, muita falta, Sig! ”, publicou.

"Lamento imensamente a morte do grande advogado e homem público Sigmaringa Seixas, um lutador pela democracia brasileira” - (Michel Temer, presidente)

"Sigmaringa, o querido Sig, construiu uma trajetória política ímpar na cidade, da banca de advocacia de sua família para a Câmara dos Deputados”  - (Rodrigo Rollemberg, governador do DF)

"Em um momento decisivo para o Distrito Federal e para o Brasil, ajudou a escrever a Constituição do país e desempenhou papel importante para a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão” - (Ibaneis Rocha, governador eleito do DF)

Análise da notícia

*Por » Denise Rothenburg

Uma ponte que ruiu

O advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas fez história sem aparecer. Participou ativamente dos bastidores de todos os momentos importantes do país nos últimos 40 anos, como uma ponte reforçada e confiável entre os extremos. Dos anos 1960 para cá, o então jovem advogado, que lutou em favor dos direitos humanos no período da Ditadura Militar, atuou nos mais diversos campos, sempre a favor do diálogo, sem tirar os olhos do futuro do país. Foi constituinte parceiro de Nelson Jobim na Comissão de Sistematização, ainda nos anos 1980. Um político atuante do PSDB, que ajudou a evitar que o partido seguisse para o governo Fernando Collor, em 1992. Um investigador na CPI do Orçamento, aquela que desvendou o desvio de recursos orçamentários pelo grupo parlamentar que ficou famoso como os “anões”. Em cada missão, agregava amigos que, mais tarde, ajudaria a juntar, de forma a evitar o caos na política e, por tabela, no Brasil.

Quando sua luta contra o câncer ainda estava no início, Sig, como os amigos o chamavam, e Jobim jantaram com Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros em busca de uma frente democrática que pudesse servir de base para evitar a pulverização das candidaturas de centro-esquerda e, com elas, a vitória de Jair Bolsonaro. A estratégia, de união dos extremos, especialidade de Sig, dessa vez, falhou. Ao longo da sua história, porém, houve muitos lances bem-sucedidos.

No governo Fernando Henrique Cardoso, não foram raras as vezes em que Sigmaringa, já fora do PSDB por questões locais (o partido ficou nas mãos de José Roberto Arruda), fez a ponte entre sua nova legenda, o PT, e o PSDB. Ajudou a amortecer petistas mais aguerridos no “fora FHC”. Fez o mesmo em sentido inverso, quando Lula assumiu o poder. Dos políticos dos mais diversos matizes com quem conviveu, Lula, José Serra, Nelson Jobim e o ex-deputado Paulo Delgado eram vistos como os mais próximos. O ex-ministro José Eduardo Cardozo se juntaria a esse seleto time mais tarde.

Na seara jurídica, não eram raras as conversas com Sepúlveda Pertence, que chegou a atuar na defesa do ex-presidente Lula depois da prisão; José Gerardo Grossi, já falecido; o advogado Eduardo Ferrão; e o ministro do STF Gilmar Mendes. Aliás, Sig não foi ministro da Corte porque não quis. Recusou o convite por duas vezes. A primeira, foi para a vaga hoje ocupada por Dias Toffoli. A segunda, de Edson Fachin. A ausência de ambição política lhe dava a condição de conversar mais à vontade com seus amigos dos mais diversos matizes e, inclusive, ajudar presidentes a escolher ministros do STF, especialmente, Lula e Dilma.  Hoje, seu velório voltará a reunir personalidades dos governos passados e juristas das mais diversas tendências. Justamente neste momento em que o país precisa de pontes, uma ruiu. Nos resta rezar para que seu exemplo de diálogo seja seguido por todos.
Depoimento

“Defendeu a todos”
“Seu primeiro sonho foi ser jogador de futebol. Jogava bem, adorava jogar e jogou até quando a doença o contundiu. Mas a vida tinha outros planos para ele. Sig pai o batizou de Luiz Carlos em homenagem ao Cavaleiro da Esperança. Cedo, entrou na militância política, seguindo o exemplo do pai e dos avós. Tinha 19 anos quando houve o Golpe Militar de 64. Resistiu. Primeiro, no movimento estudantil. Estava lá na passeata dos 100 mil. Terminou o curso na Faculdade de Direito de Niterói e veio para Brasília, onde sua família já estava morando.

Desde o início da carreira, se dedicou à defesa de presos políticos. Não selecionava nem discriminava os clientes. Simpatizante do Partidão, defendeu a todos os perseguidos pela Ditadura Militar, independentemente do matiz ideológico ou posição política. Defendeu a todos. Sempre de graça. Atuou intensamente na luta pela resistência democrática, participando dos movimentos pela anistia, organizando o Centro Brasil Democrático (Cebrad) e pela representação política para Brasília. Prestava assistência jurídica a movimentos sociais, como os Incansáveis Moradores da Ceilândia, e a sindicatos.

A luta pela redemocratização do país o levou a se tornar deputado já na primeira eleição em que o DF elegeu parlamentares. Sua atuação no Congresso foi reconhecida pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), como deputado nota 10. Constituinte, foi membro da Comissão de Sistematização da Constituição Cidadã. Foi reeleito duas vezes. Atuava sempre na retaguarda, dedicando-se à superação das divergências para alcançar o entendimento, sempre se mantendo discreto. Gostava de ajudar a todos. Passou pelo antigo MDB; depois, PSDB e, por último, PT. Era íntimo dos donos do poder, mas nunca usou essa proximidade em benefício próprio. Em tempos de delações, corrupções, prisões justas e injustas, ele não foi sequer citado em inquéritos e investigações.

Morreu de complicações decorrentes de um transplante de medula óssea para curar a mielodisplasia, uma pré-leucemia. Dizem que a angústia conta muito para o surgimento da doença. Acho que foi isso que o derrubou. Ele não conseguiu resistir às injustiças e às traições que presenciou.

Vai, Sig, continue sendo gauche, doce, amigo e solidário! Por enquanto, estamos aqui. A luta continua, até que a morte nos reúna.” - (José Carlos Sigmaringa, irmão do ex-parlamentar)  


(*) Correio Braziliense - Fotos: José Varella/CB/D.A.Press - Luís Tajes/CB/D.A.Press  

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