GDF declara estado de emergência na Saúde. Diante da grave situação da
área, diagnosticada pela equipe de transição, o governador Ibaneis Rocha
aproveitará o dia do lançamento do programa SOS Saúde para assinar decreto que
autoriza conjunto de ações urgentes para o setor
*Por Ana Maria Campos - Jéssica Eufrásio - Thiago Melo
Pacientes esperam atendimento no Hospital Regional da Asa Norte:
falta de infraestrutura, de pessoal e de insumos são problemas comuns a todas
as unidades da rede pública
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), vai assinar hoje
decreto em que declara situação de emergência na saúde pública do Distrito
Federal. O anúncio ocorrerá nesta manhã, durante o lançamento do programa SOS
Saúde, no Instituto Hospital de Base. O diagnóstico feito pela equipe do novo
chefe do Buriti é de uma situação grave e provoca risco de aumento no número de
mortes no DF. A emergência autoriza o governo a adquirir medicamentos e insumos
sem licitação, convocar concursados, contratar servidores e estender cargas
horárias de trabalho.
Entre os problemas detectados estão o desabastecimento da rede de saúde
de estoque de medicamentos, de materiais e de insumos hospitalares (leia Sem
remédio); pendências de pagamentos de fornecedores; suspensão ou interrupção de
contratos; deficit de pessoal; e fechamento de diversos leitos em unidades de
terapia intensiva (UTIs), inclusive neonatais. Segundo o levantamento da nova
gestão, a situação é muito mais séria do que a equipe de transição apontou.
Apenas com hospitais particulares, a dívida ultrapassa R$ 350 milhões.
No parecer técnico que embasou a decisão de decretar a situação de
emergência, há relatos como a existência de 3,4 mil notificações de dengue e
mil casos confirmados, redução média de cobertura vacinal nos últimos cinco
anos, média mensal de 2.832 servidores de saúde em gozo de licença médica e
previsão de deficit orçamentário para 2019 de R$ 2,6 bilhões, com mais de R$
400 milhões de restos a pagar a fornecedores. Segundo o relatório, houve o
ajuizamento de 2.640 processos em 2018 por falta de atendimento pela Secretaria
de Saúde de demandas diversas.
"Aqui, disseram que só haverá médico à noite. Como posso ficar com
minha mãe nesse estado se não irão nos atender?" - (Joseni Silva, que
levou a mãe ao Hran)
Revolta
Na última semana, o Correio esteve em hospitais para identificar as
principais demandas da população. As unidades têm carências parecidas: falta de
infraestrutura, de pessoal e de insumos. “É um grande desrespeito com a gente”,
criticou Joseni Silva, 46 anos. Moradora de Águas Lindas (GO), ela deixou a
cidade para levar a mãe, Luiza Josefa da Silva, 83, ao pronto-socorro do Hran.
A paciente apresentava sangramentos em diferentes regiões do corpo. Sem
atendimento no hospital do município goiano, que só terá médicos a partir de 15
de janeiro, Joseni desistiu de esperar. A tentativa em Brasília também não teve
sucesso. “Aqui, disseram que só haverá médico à noite. Como posso ficar com
minha mãe nesse estado se não irão nos atender?”, questionou.
No Hospital Regional do Gama (HRG), quem aguardava na fila reclamava da
falta de triagem para distribuição de senhas. Além disso, mais uma vez, a baixa
quantidade de profissionais deixava pacientes em espera por horas. “Fiz uma
cirurgia para retirada da vesícula e ainda estou com os pontos. A área está
doendo muito. Vim uma vez e não tinha clínico geral. Mandaram-me para o
Hospital de Santa Maria. Lá, disseram que meu caso só seria tratado aqui, mas,
até agora, nada”, relatou Fernanda Alves, 36, moradora do Gama.
Descentralização
Presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços
de Saúde de Brasília (SindSaúde), Marli Rodrigues critica o cenário aos quais
pacientes e funcionários do setor precisam se submeter. “Necessitamos de uma
estrutura hospitalar mais moderna, que ofereça mais agilidade no atendimento, e
de uma rede totalmente interligada. Como mudar isso? Com uma gestão competente,
moderna, transparente, comprometida e participativa”, ressaltou.
Marli citou um relatório elaborado pela entidade com dados da Secretaria
de Saúde indicando que, em 2016 e 2017, 1.260 pacientes morreram por não
conseguirem vaga em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). “O governo
anterior se pautou muito na questão básica da Saúde da Família, mas se esqueceu
de que o atendimento de emergência e a hospitalização precisam continuar. Mudar
toda a saúde pública é como trocar o pneu de um carro andando”, comparou Marli.
Para Carla Pintas Marques, professora do curso de saúde coletiva da
Universidade de Brasília (UnB), o problema vai além. Ela afirmou que o
investimento na atenção primária foi fundamental e precisa ser mantido pelo
novo governo. “Voltar atrás é retornar a um modelo de inoperância. Temos de
contar muito com a atenção básica. Isso é importante, fora as outras áreas, como
a atenção ambulatorial especializada”, avaliou.
A especialista ressaltou a necessidade de descentralizar os recursos da
saúde e de reorganizar a gestão dos hospitais. No que diz respeito ao primeiro,
ela explicou que o modelo atual de concentração dos pedidos de insumos e
distribuição para toda a rede não funciona. “É importante que cada unidade de
saúde conheça as próprias necessidades para fazer a compra de acordo com o que
for preciso. Não vejo isso há muito tempo. Essa centralização dificulta. As necessidades
de Brazlândia não são as mesmas de Ceilândia, do Itapoã”, pontuou Carla.
O problema da gestão, por sua vez, requer uma avaliação do número de
profissionais da Secretaria de Saúde, da distribuição e dos horários de
trabalho deles. “Temos um quantitativo grande de funcionários, mas não sabemos
em que medida, onde e em que horários estão alocados. Não adianta contratar em
concursos públicos e eles não irem para a ponta”, afirmou Carla. Ela considerou
como “populista” a decisão de gratificar médicos aposentados que voltarem à
atividade, conforme anunciado por Ibaneis no primeiro dia de trabalho. “É
preciso redimensionar a força de trabalho que temos. Há um conjunto de coisas
que não serão resolvidas por um profissional aposentado”, completou a especialista.
Problema sem fim
O ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB) também decretou situação de
emergência na saúde pública no primeiro ano de governo. O decreto vigorou
durante 30 meses, até julho de 2017.
Em busca de modernização
O secretário de Saúde, Osnei Okumoto, avalia que o principal gargalo no
setor é o acesso a consultas, exames e medicamentos e que garantir isso será
uma das missões do novo governo. Ele reconhece a necessidade de reforma em
cinco hospitais que estão em estado grave (Base e regionais de Ceilândia,
Planaltina, Taguatinga e do Gama) e pretende focar nos reparos para
disponibilização de leitos de internação, de UTI e salas cirúrgicas.
Em relação ao modelo anterior de gestão, Okumoto pretende modernizá-lo e
pensa em mudanças. “No Hospital de Base, faremos modificações importantes e que
acharmos oportunas. O caráter jurídico entendemos que é bom, mas questões de
compras e contratação serão observadas”, reforçou.
Osnei acredita que o Distrito Federal conta com unidades de saúde suficientes,
mas ainda há percalços em relação à infraestrutura. Ele afirmou que entre as
primeiras ações está a abertura de leitos. “Abrir e fechar leitos é algo muito
dinâmico. Não temos uma quantidade precisa dos que estão abertos, mas
acreditamos que, em um breve espaço de tempo, disponibilizaremos mais 300. Não
construindo, mas liberando aqueles bloqueados”, finalizou.
Sem remédio
Situação dos medicamentos na Farmácia Ambulatorial Especializada (antiga
Farmácia de Alto Custo) em 4 de janeiro:
Ceilândia: 35 medicamentos em falta, 4 em baixa quantidade no estoque - Gama: 31 medicamentos em falta. 10 em
baixa quantidade no estoque - Asa Sul: 29 medicamentos em
falta, 20 em baixa quantidade no estoque
(*) Por Ana Maria Campos - Jéssica Eufrásio - Thiago Melo -
Fotos: Blog/Google - Vinicius Cardoso Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense