Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Saiba quem fez o que nesta
linda cidade
- Crônicas urbanas, crônicas de
afeto e do viver (Conceição Freitas) - Vira e mexe
alguém diz ou escreve que Oscar Niemeyer é o criador de Brasília. Essa confusão já foi maior, mas ainda há quem nem
saiba quem foi Lucio Costa. No máximo, é o nome de um bairro do Guará.
Lucio é cinco anos mais velho que Oscar. Nasceu
em 1902; Oscar, em 1907. Embora tenha nascido em Toulouse, na França, numa
viagem do pai a trabalho, Lucio e família sempre moraram no Rio de Janeiro.
Oscar também.
Oscar foi estagiário de Lucio. Chegou ao escritório
do já consagrado arquiteto e pediu para trabalhar de graça. Não demorou para
Lucio perceber o extraordinário talento do novo ajudante.
Lucio era reservado, cerimonioso. Oscar, insolente. Adorava um palavrão.
Juscelino queria que Oscar fosse o inventor da nova capital do Brasil.
Oscar preferiu fazer os palácios e sugeriu um concurso para brasileiros com
júri composto de estrangeiros e brasileiros.
Lucio fez o projeto do Plano Piloto, escolhido num concurso com 26
participantes.
Lucio veio apenas uma vez ao canteiro de obras de Brasília, dias depois
de ser anunciado o vencedor do concurso. Veio com Juscelino. O encontro ficou
registrado numa única foto dos dois, escorados numa placa onde se lê “Avenida
Monumental”.
Oscar fechou o escritório para se dedicar inteiramente à construção da
capital. Como tinha medo de avião, fez dezenas de viagens de carro ao Rio. Numa
delas, sofreu acidente e teve que ficar parado durante algum tempo.
Lucio indicou o engenheiro Augusto Magalhães Filho para ser o seu
representante nas obras da capital.
Oscar coordenou a equipe de jurados e pode-se dizer que deixou
transparecer o desejo de que Lucio fosse o vencedor.
Oscar fez o Palácio da Alvorada antes mesmo de
se saber quem venceria o concurso do Plano Piloto.
Os palácios e o Congresso são de Oscar; a Rodoviária, a Torre de TV
e a Universidade de Brasília (UnB) são de Lucio (mas as edificações são de
variados arquitetos).
A Catedral, o Teatro Nacional, a Igrejinha, os ministérios são de Oscar.
A localização e o volume do Conjunto Nacional e do Conic são ideias de Lucio,
incluídas no projeto do Plano Piloto.
As superquadras, de Lucio. A Praça dos Três Poderes também.
A Praça do QG do Exército é de Oscar.
Oscar era filiado ao Partido Comunista Brasileiro, amigo de Luis Carlos
Prestes, fundador do PCB.
Oscar foi intimidado pela ditadura militar de 1964. Sua revista, a
Módulo, especializada em arquitetura, foi empastelada, e ele se exilou em Paris
por algum tempo.
Lucio se considerava humanista. Quando seu genro foi preso pela ditadura
militar de 1964, veio a Brasília, discretamente, para tentar libertar o então
marido de Maria Elisa Costa.
Os ministérios são de Oscar; a Esplanada é de Lucio.
Lucio e Oscar eram servidores da Novacap, a empresa estatal criada para
construir a capital.
Lucio deixou em conta bancária o prêmio do concurso e, quando foi
resgatá-lo, valia muito pouco.
Oscar não aceitou receber da Novacap nada além do salário devido.
Nem Lucio nem Oscar vieram para a inauguração de Brasília. Oscar alegou
que não gostava da pompa das grandes cerimônias. Lucio disse que não viria sem
a mulher, Leleta, morta seis anos antes em acidente de carro. Lucio estava ao
volante.
Lucio ganhou lotes no Lago Sul, onde queria construir casas para as duas
filhas, Maria Elisa e Helena. As Casas de Brasília nunca saíram do projeto.
Oscar morou numa das casas da W3 Sul, unidades que ele projetou. E
depois morou numa casa no Park Way, também obra dele. A casa hoje pertence à
UnB.
Clarice Lispector, sobre Lucio e Oscar:
“Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles
ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma
compreensão, é um novo mistério.”
Conceição Freitas – Fotos: Arquivo Pessoal – Metrópoles