Hora de evitar o plástico - O Distrito Federal tem
leis contra o uso de canudos, copos, sacolas e outras embalagens prejudiciais
ao meio ambiente, mas falta regulamentação. Mesmo assim, alguns comerciantes e
clientes adotam práticas sustentáveis
João usa apenas bolsas feitas de
pano: Há muitos anos, ouvi uma frase que me marcou. Ela diz que não herdamos a
Terra dos nossos pais; pegamos ela emprestada dos nossos filhos
De 100 a 400 anos. Esse é o tempo que uma sacola
plástica — como as entregues em supermercados e lojas — leva para se decompor
na natureza. Cerca de 1,5 milhão delas são distribuídas por hora no Brasil, de
acordo com o Ministério do Meio Ambiente. Os danos causados ao ecossistema
começam desde a fase de produção, com o consumo de petróleo ou gás natural, e
terminam com o descarte incorreto. Jogadas em locais inadequados, elas entopem
bueiros e bocas de lobo, causam enchentes, sufocam animais e, em aterros,
atrapalham a decomposição do material orgânico.
Uma lei distrital sancionada recentemente proíbe o
uso de canudos e copos de plástico na capital do país. Ainda que se trate de um
avanço, a distribuição das sacolas permanece sem fiscalização. Enquanto não há
regulamentação para a única norma existente sobre o tema, há quem se adiante.
Vegano há 37 anos, o empresário João Vicente Costa,
54 anos, usa só bolsas feitas de pano (as ecobags). Preocupado com questões
ambientais, ele conta que começou a tomar consciência quando era universitário.
“O futuro é sombrio demais. Há muitos anos, ouvi uma frase que me marcou. Ela
diz que não herdamos a Terra dos nossos pais; pegamos ela emprestada dos nossos
filhos”, pontua.
Quando não usa bolsas retornáveis, João Vicente
opta por caixas de papelão. Na família, os hábitos se espalharam. Há 10 anos,
ele e a esposa, a psicóloga Tatiana Castro, 38, fazem compras na Central de
Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa-DF), onde são conhecidos pelos
produtores como “casal ecológico”. “A gente se conscientiza aos poucos e, por
isso, existe a importância do debate”, reforça o empresário.
Daniela dos Santos, 37, também anda preparada.
“Antigamente, acumulava muita sacola lá em casa. Você vai usando, mas, às
vezes, nem tem o que fazer”. Como vai às compras semanalmente, a bancária
sempre deixa ecobags no carro. Quando precisa de algo, não há problema: uma
sacolinha fica na bolsa. “Tenho uma de TNT, então é só dobrar e guardar. Ela
não ocupa espaço e eu evito as sacolas plásticas”, pontua.
Anita em sua loja de grãos, à
qual os clientes levam vidros para acondicionar os produtos vendidos a granel
Ajustes
Enquanto bares e restaurantes se adaptam ao fim dos
copos e canudos de plásticos, alguns lojistas buscam formas sustentáveis de
evitar sacolas desse material. É o caso da empresária gaúcha Anita Capeletto,
32, dona de uma loja de grãos na 108 Norte. A equipe do estabelecimento vende
produtos a granel, e a ideia é que os clientes levem o próprio vidro na hora de
escolher as castanhas, grãos e farinhas.
A iniciativa favorece a conservação dos alimentos e
evita o uso de sacolas. Além disso, consumidores que não levam vidros são
questionados se preferem sacos plásticos ou de papel. Anita garante que a
pergunta é capaz de mudar hábitos dos consumidores. “Se você só oferece a
sacola plástica, ninguém tem dúvida. Mas, se você pergunta, o cliente para e
pensa. Talvez, nem precise daquilo”, observa a lojista. “Minha intenção era não
trabalhar com nada de plástico, mas, como as pessoas ainda pedem, preciso que o
mercado amadureça um pouco mais para eliminá-las por completo”, acrescenta.
A empresária conta que sempre quis trabalhar de
maneira sustentável, mas reconhece que não estaria pronta para a substituição
de imediato. “Isso exige uma transição, e ela é sempre difícil. Acho que tem de
haver um período para o mercado de fornecedores se adaptar. Ao menos 60 dias
para a cadeia inteira”, explica.
Presidente de uma cooperativa de
catadores de recicláveis, Mara diz que nem todas sacolas são reaproveitáveis
Reciclagem
Apesar de o plástico das sacolas ser reciclável, o
material não é dos mais lucrativos. A presidente da cooperativa Plasferro, Mara
Maria de Jesus, explica que nem todas podem ser reaproveitadas. As
reutilizadas, isto é, que foram recicladas uma vez, não podem passar novamente
pelo processo. “A seda (sacolinha) dá uma renda boa. Separamos por cor e cada
uma tem um valor. No caso da mista (colorida), o quilo sai em torno de R$ 0,50.
A cada 15 dias, vendemos em tornos de 8 kg”, conta.
A Plasferro faz a coleta seletiva de todo tipo de
material no Centro de Triagem de Ceilândia. Hoje, há 70 cooperados vivendo
exclusivamente disso. Segundo Mara, a coleta mais lucrativa é dos “materiais finos”:
cobre, latinhas e garrafas pet. “A seda gera em torno de R$ 800 a R$ 900 por
semana, enquanto o material fino gera até R$ 5 mil no mesmo período”, relata.
Também no galpão em Ceilândia, fica a cooperativa
Cataguar. Há 16 anos, o trabalho deles é voltado para a coleta de plástico, e
as sacolinhas são alguns dos itens mais recolhidos. A presidente da entidade,
Graça da Silva, estima que, por mês, até 24 mil kg de sacolas prensadas são
recolhidos. “A gente vende por carrada. Fechamos o compactado de sacos, cada um
com 350kg, e colocamos na carreta. Cada caminhão sai daqui com 7 a 12 toneladas
e, às vezes, fazemos duas vendas”, detalha.
As remessas vão para indústrias, onde são
transformadas em mangueiras ou em novas sacolas. O quilo vendido pela Cataguar
sai por R$ 0,50. Apesar de serem uma das fontes de renda dos cerca de 75
cooperados, Graça é a favor de uma lei que regularize a distribuição das
sacolinhas. “Temos de pensar em nossos filhos e netos. A sacola causa um grande
desastre. Está certo que é uma fonte de renda, mas de que adianta trabalhar com
um material que é uma bênção para nós e um risco para o planeta? A humanidade
tem de fazer a diferença”, pondera.
"Está na moda falar dos canudinhos, mas e a
lei das sacolas? Uma coisa tem totalmente a ver com a outra. E imagino que
usemos mais sacolas que canudos” .(Rômulo Nagib, presidente da Comissão de Direito
Ambiental e Sustentabilidade da OAB-DF)
"Tanto a lei dos canudos quanto a das sacolas
foram feitas para grandes geradores, mas não há nenhum lugar específico que dê
instruções normativas. Mais uma vez, fica esse buraco” .(Gabriela Pontes, advogada nas áreas cível e de
direito ambiental)
Apesar de sancionadas, leis não têm valor
Antes de virar a Lei nº 6.266/2019, o projeto de
autoria do deputado distrital Cristiano Araújo tramitava desde 2016 na Câmara
Legislativa (CLDF) e, depois de aprovado, em 2018, foi sancionado pelo
governador Ibaneis Rocha (MDB), em 30 de janeiro. Com a norma, as organizações
públicas e privadas ficaram proibidas de fornecer canudos e copos plásticos aos
consumidores. A publicação no Diário Oficial do DF ocorreu em 7 de fevereiro e
determinou efeito imediato, além de multa de R$ 1 mil até R$ 5 mil para os
estabelecimentos que descumprirem a norma. No entanto, a norma não é
obrigatória, pois depende de regulamentação, o que não tem prazo para ocorrer.
Antes, em 2011, Cristiano Araújo apresentou projeto
de lei para vetar a distribuição de sacos para empacotamento, armazenamento ou
transporte de resíduos e produtos comercializados. O PL, no entanto, sofreu
alterações e foi aprovado parcialmente. A Lei nº 4.765/2012 vigora atualmente.
Ela dispõe sobre a substituição de sacos plásticos por sacolas ecológicas para
o acondicionamento de lixo.
A norma, contudo, só estabelece regras e
penalidades para estabelecimentos comerciais, industriais e para entidades e
órgãos da administração pública direta e indireta. A lei previa a regulamentação
por parte do Executivo em até 90 dias, mas, desde fevereiro de 2012 — quando
foi sancionada —, isso não aconteceu. Assim, não ficaram definidos os órgãos
responsáveis pela fiscalização nem mais detalhes sobre o tema.
Para o presidente da Comissão de Direito Ambiental
e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal
(OAB-DF), Rômulo Nagib, a norma entrou no “rol de leis esquecidas” que não
vingaram. “Algumas leis são feitas e não trazem nenhum comando de sanção. Ela
precisa de regulamentação por lei de decreto. Ela conta com um artigo que fala
que seria regulamentada em 90 dias. Agora, a bola está com o (Palácio do)
Buriti”, comenta. “Está na moda falar dos canudinhos, mas e a lei das sacolas?
Uma coisa tem totalmente a ver com a outra. E imagino que usemos mais sacolas
que canudos”, acrescenta Rômulo.
Advogada nas áreas cível e de direito ambiental,
Gabriela Pontes explica que a lei das sacolas também não definiu os tipos de
matrizes que devem compor aquelas que substituirão as derivadas do petróleo.
“Tanto a lei dos canudos quanto a das sacolas foram feitas para grandes
geradores, mas não há nenhum lugar específico que dê instruções normativas.
Mais uma vez, fica esse buraco. Se não estabelecem quem vai cobrar ou fiscalizar,
é uma lei fadada ao fracasso, que nasce para morrer”, reforça.
(*) Jéssica Eufrásio – Mariana Machado – Fotos:
Ana Rayssa/CB/D.A.Press – Minervino Junior – Correio Braziliense