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Os nossos sotaques


Os nossos sotaques

Mariana Niederauer

As famílias brasileiras são cheias de sotaques. Cresci orgulhosa dos que a minha carrega. Acho um máximo contar a um desconhecido que, de um lado, tenho raízes nordestinas e, do outro, gaúchas. E mais legal ainda explicar que elas se encontraram justamente no Planalto Central, nesse quadrado cravado no meio do mapa do Brasil.

Brasília tem dessas coisas. Herdou tradições diversas e as transformou em algo difícil de explicar. Qual é o sotaque do brasiliense? Há quem ache inconfundível e reconheça a distância. Para mim, parece neutro. Não tem aquele “r” goiano, bem puxado, nem o ar descolado, meio malandro, dos cariocas. Tampouco carrega o “d” marcado do nordestino ou as gírias marcantes dos gaúchos. “Capaz!”

Mas aí fomos criando o nosso próprio dialeto. Começou no trânsito, com tesourinhas, agulhinhas e outras voltas desenhadas no Plano Piloto. Logo vieram camelo, véi, massa, sacou. Ressignificamos cores, números, hábitos. Nossas esquinas confundiram observadores desavisados e o potencial pré-estabelecido com o título de capital federal atraiu as gentes de todo o canto.

Brasília antropofagizou o Brasil, mas isso era pouco e, ao mesmo tempo, pretensioso. O quadradinho cresceu com os sotaques diferentes. As formas que a definiam no plano de asas simétricas se diluíram em satélites com vida própria, que alçaram voo sozinhos e se transformaram em verdadeiras cidades. Algumas carregam com firmeza as raízes de onde surgiram, bem distantes do Planalto Central.

E daí vem a beleza e o fascínio que me cercam com as minhas origens. Quando me lembro delas, sinto como se vivesse em um ninho formado de referências. É gostoso lembrar do sabor da tapioca e conhecer o ritual para se tomar um bom chimarrão. É engraçado perceber o quanto as pequenas coisas fazem grande diferença.

Passar uma semana na França ou num estado nordestino (usando como referência essa minha localização geográfica atual, claro) pode gerar o mesmo número de experiências culturais diversas. As palavras desconhecidas, mas que acham alguma semelhança nas lembranças mais distantes ou as regras de convivência diferentes nos restaurantes, nas lojas, nas praias. Viver, afinal, é danado de bom!

Crônica da Cidade - Correio Braziliense - Foto/Ilustração: Blog - Google


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