Cadastro positivo abre brecha para
consumidor limpar o nome Devedor que passar a ter as finanças em dia quando
nova lei começar a valer pode entrar no sistema como bom pagador
A aprovação do cadastro positivo automático,
que torna obrigatória a inclusão de consumidores em bancos de dados sobre pagamentos
de serviços como luz, gás e água, pode abrir uma brecha para que o brasileiro
limpe o nome e construa um histórico de bom pagador.
Isso porque, de acordo com algumas das empresas que administram essas
informações – conhecidas como birôs de crédito –, só serão coletados os
dados gerados no momento em que o texto, que foi aprovado pelo Senado neste mês
e enviado para sanção de Jair Bolsonaro, sair do papel.
A lei original, de 2011, previa o
recolhimento dos dados de inadimplência de até 15 anos antes. Esse ponto,
porém, não está explícito na lei agora aprovada pelo Senado e, além de
dividir a opinião das empresas, pode ser alvo de contestações na Justiça.
O superintendente do SPC Brasil, Nival Martins, ressalta que,
atualmente, está previsto que o texto entre em vigor quatro meses após a sanção
do presidente. Ele interpreta que as contas passadas não farão parte do
histórico dos consumidores. “Mas não vamos começar totalmente do zero, porque
já há aqueles que aderiram voluntariamente ao cadastro desde 2011”, pondera.
O presidente da Boa Vista SCPC, Dirceu Gardel, também está entre os que
interpretam que o novo texto encaminhado ao presidente prevê que sejam
coletadas apenas informações a partir da entrada da lei em vigor.
“Isso é bom, porque, em três ou quatro meses as pontuações vão melhorar.
Alguém que passou por um momento difícil e ficou com o nome sujo não vai mais
ser colocado ao lado de um inadimplente contumaz”, diz.
Para algumas empresas de crédito, no entanto, o melhor seria levantar o
passado dos consumidores, o que permitiria criar uma base mais consistente e,
assim, traçar com mais precisão o perfil de risco.
Na Serasa Experian, por exemplo, o entendimento da nova lei é que o
consumidor só poderá optar por consentir fazer parte do cadastro e não escolher
períodos de análise sobre a situação financeira. “Ao restringir o histórico,
ele poderia selecionar períodos que o beneficiassem, distorcendo a pontuação”,
afirma a empresa.
Apesar das diferentes interpretações,
o cadastro deve ajudar o
consumidor que tem condições de manter as contas em dia, mas se enrola com as
datas de vencimento, por exemplo. A medida também é defendida pelo Banco
Central (BC) como uma forma de reduzir a taxa real de juros do país.
“O cadastro tem impacto positivo nas pessoas, elas passam a saber que,
pagando as contas, podem ter acesso a um crédito mais barato”, diz Joelson
Sampaio, professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado
Disputa
de dados pode ir para Justiça
Segundo advogados, o texto de cadastro positivo aprovado no
Congresso não esclarece se as empresas poderão ou não recolher automaticamente
dados sobre o passado dos consumidores. Para Luciano Godoy, professor de
direito da FGV, o pedido de entrada no cadastro sem resgatar todo o histórico
deve gerar disputas na Justiça parecidas com as que ocorrem atualmente em
contratos de plano de saúde e de seguros. “Isso faz parte de uma tendência no
país de disputas judiciais nas relações de consumo. Vai ser criada mais uma
prateleira nesse tipo de reclamação.”
Se valer o que previa a lei anterior, em que o cadastro só é criado com
autorização explícita do cidadão, as instituições financeiras poderiam manter
dados dos últimos 15 anos, explica Godoy. Isto é, uma conta de luz atrasada em
2004 poderia pesar na pontuação de alguém hoje.
Na avaliação de Paulo Brancher, sócio do escritório Mattos Filho, a nova
regra diz que apenas a entrada no cadastro positivo será automática, mas o
resgate do histórico vai depender da autorização do consumidor. “Se o birô
adotar uma postura de querer receber o histórico, assume o risco de
judicializar a questão. A forma mais segura de agir é obter o consentimento”,
afirma o advogado.
Estadão – Agência Estado – Foto/Ilustração: Blog – Google
Tags
JUSTIÇA