É um
acervo da memória brasiliense. Mas é também uma história de amor
Crônicas
urbanas, crônicas de afeto e do viver (Conceição Freitas)
Milhares de fotos da construção, milhares. E, dentro delas, o precioso acervo do fotógrafo Mário Fontenelle. Centenas de cartas enviadas a Juscelino Kubitschek por brasileiros de todo o país. Há nelas pedidos dos mais diversos, a maioria deles por trabalho, lote e moradia.
Dossiês
das empreiteiras que construíram Brasília. Dezenas de filmes feitos no
canteiro de obras desde os primeiros movimentos de terra, de candangos e de
tratores. Originais da Sinfonia da Alvorada, com poema de Vinicius de
Moraes e partitura de Tom Jobim. Documentos Goyaz, coleção de registros
que foram produzidos antes da construção de Brasília. Cartografia, inventários,
processos de fazendas, jornais, publicações sobre a pré-história do DF. Trinta
acervos públicos e particulares cederam cópia de suas peças para o
ARPDF. Depoimentos de 101 candangos, de arquitetos a peão de obra, de
empreiteiro a lavadeira, sobre a construção da cidade. Entre eles, Lucio Costa
e Oscar Niemeyer. É o Programa de História Oral, desenvolvido entre os anos
1980/1990. Toda a coleção da Revista Brasília, publicação da Novacap que
registrou com imagens e textos toda a construção da capital. Diários de
viagens da Missão Cruls, a Comissão Exploradora do Planalto Central que, em
fins do século 19, trouxe cientistas de várias áreas do conhecimento para
escanear miúda e intensamente, com a melhor tecnologia da época, a região onde
se instalaria a nova capital do Brasil.
É um acervo da memória brasiliense. Mas é também uma história
de amor
Nesses
diários, há uma desesperada história de amor registrada em seis cadernetas pelo
engenheiro militar Hastimphilo de Moura, integrante da Missão Cruls.
Hastimphilo mandava cartas do sertão goiano para a mulher amada, que morava no
Rio de Janeiro. Os manuscritos saíam de Pirenópolis, Cidade de Goiás, Corumbá,
Formosa e Planaltina, em lombo de boi, até chegar às mãos de Clarinda, ou
Lilinda, como o marido a chamava.
É um acervo da memória
brasiliense. Mas é também uma história de amor
Quatro meses depois de se enfurnar no Planalto Central, Hastimphilo anotou: “Ultimamente muito tenho sofrido, porque quero ir para junto dela e não posso. É um verdadeiro desespero!”.
O engenheiro apaixonado adoeceu e teve
medo de morrer. Louco de amor, pediu à amada: “Se conservares sempre vivo na
imaginação o nosso amor, se não esqueceres o teu Timphinho, se fores fiel aos
juramentos dados, se compreenderes bem a vida, poderás te conservar viúva e
honesta e virtuosa a vida toda, e feliz, embora pobre.”
Crônica em solidariedade aos
apaixonados, especializados e bem preparados servidores do Arquivo Público que
protestam contra a nomeação de pessoal sem qualificação e sem conhecimento do
acervo e do ofício de arquivista para cuidar e guardar deste bem tão valioso
para a formação da cidadania brasiliense e brasileira.
Por
Conceição Freitas - Fotos: Mário Fontenelle/Arquivo Público do DF
Metrópoles