Adeus ao homem que amou Brasília. Ex-diretor executivo da Fundação Assis
Chateaubriand, Márcio Cotrim morreu, ontem, aos 80 anos e deixa um legado de
luta pela cultura da capital. Escritor, era um artesão da palavra, lapidada em
cada crônica que escrevia
Movido pelas palavras, o Usina de Ideias estava a todo o vapor. A mente
sã, por nenhum momento deixou a criatividade escapar. A idade, no entanto,
bateu a porta e, na tarde de ontem, Brasília perdeu um de seus maiores
cronistas e escritores. Aos 80 anos recém-completados, Márcio Cotrim morreu, na
tarde de ontem, na residência onde viveu por mais de três décadas, no Lago Sul.
Estava ao lado da mulher, Eliana Cotrim. Deixa duas filhas, Flávia e Mônica; e
cinco netos: Gustavo, Rodrigo, Thiago, Guilherme e Alexandre. O velório será
hoje, das 11h às 16h, na Capela 6 do Campo da Esperança, na Asa Sul. O enterro
está marcado para as 16h.
A procura incessante pelo saber e o planejamento de inúmeros projetos
visando valorizar as raízes e a cultura brasileira fazem jus ao apelido
recebido de amigos e admiradores de Cotrim. “Uma locomotiva de ideias, presença
inspiradora. Não importava se o tempo estava bom ou ruim, o olhar dele era
sempre para frente”, traduz Luiz Marcelo Pinheiro Chaves, genro do pioneiro e
escritor.
Nascido no Rio de Janeiro, em 14 de março de 1939, Cotrim se formou em
direito, mas foi usando o poder da comunicação que se destacou
profissionalmente. Chegou a Brasília em 1972, onde atuou como assessor de
propaganda e promoções do Banco do Brasil e, posteriormente, assumiu a
Secretaria de Cultura e Esporte do DF, sendo o responsável pela criação do
Conselho de Cultura e do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
Em 1992, entrou para o grupo dos Diários Associados, construindo um
legado de informação e cultura. Por quatro anos, respondeu pela direção de
marketing do Correio Braziliense e, depois, assumiu o cargo de diretor
executivo da Fundação Assis Chateaubriand. Nos corredores do prédio, era visto
com frequência. Ficou conhecido também pelas famosas colunas que escrevia
semanalmente para o jornal.
Amante da língua portuguesa, achou na riqueza do vocabulário brasileiro
a inspiração para escrever O pulo do gato, livro em que explica a origem de
mais de 200 palavras e expressões populares. O tema rendeu pelo menos mais
cinco volumes, que entraram para o rol de publicações do escritor. Foram mais
de 15 livros, além dos incontáveis artigos para o jornal.
Dentre os temas preferidos que abordava nas crônicas estava a favorita
Brasília. Em uma de suas últimas publicações, Cotrim valoriza a maneira com que
nasceu a capital, “que se construía freneticamente numa saga poucas vezes
igualada na história da humanidade”. E pela cidade, o pioneiro também fez
história. “Márcio era um cronista que nos instruía e divertia. Que descanse em
paz”, manifestou o geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília
(UnB) Aldo Paviani.
Consolidou inúmeros projetos culturais, não só para a Fundação Assis
Chateaubriand, como também para toda a cidade. Foi dele a iniciativa de criar
prefeituras nas quadras do Plano Piloto, sendo ele o primeiro a assumir a
função, na SQS 303. “Cada quadra é uma cidadezinha de 3 mil habitantes”,
costumava definir Cotrim. Atualmente, a capital conta com mais de 100
prefeituras de quadras.
Trajetória
Em reconhecimento às ações que implementou na cidade, Cotrim chegou ser
homenageado, em vida, ao dar nome a um dos prédios da construtora Paulo
Octávio. O comunicador e o empresário eram amigos. “Márcio teve uma brilhante
trajetória, enaltecendo a epopeia de Brasília, seus pioneiros e o legado de JK,
com muita sabedoria, inteligência e bom humor. A cidade perde um de seus mais
valorosos heróis. A saudade do amigo será imensa”, homenageou Paulo Octávio.
Pelas contribuições também recebeu o título de cidadão honorário de
Brasília. Como figura de grande relevância para a língua portuguesa, conquistou
o Prêmio Carlos de Laet, da Academia Brasileira de Letras. Ele ocupava, ainda,
a cadeira de número 30 da Academia Brasiliense de Letras, cujo patrono é
Monteiro Lobato, uma das grandes inspirações e referências que Cotrim tinha
como escritor. “Ele se orgulhava muito disso e a ocupou com louvor. Era um
cronista primoroso, de texto irretocável. Um amigo cordial, elegante e
generoso, com uma gargalhada maravilhosa. Apaixonado pelas palavras, pela
cultura, pela família e, não posso deixar de mencionar, pelo Fluminense”,
relembra o amigo e presidente da Academia Brasiliense de Letras, Fábio
Coutinho.
Devido a problemas de saúde, Cotrim passou boa parte dos últimos
momentos em casa e aproveitando os almoços em família. “Ele era uma pessoa
atenciosa, caseira e sempre muito ligado a área de cultura, em geral”, conta o
genro Luiz Marcelo. A fragilidade do corpo não impediu, no entanto, que a
energia para a escrita se apagasse. “Só o corpo envelheceu, porque a mente
estava a mil”, conta Celeste Antunes, funcionária administrativa que trabalhava
diretamente com o comunicador.
Parece que o grande curioso e desvendador de significados sabia, mesmo
antes de partir, do legado forte e eterno que deixaria para somar. Como ele
mesmo dizia: “Esse é um filão que nunca se esgotará, porque as palavras nunca
terminarão.”
Por Bruna Lima – Foto: Zuleika de Souza/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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