Brasília não é apenas uma cidade. É uma crença no ser humano - Crônicas urbanas, crônicas de afeto e do viver. (Conceição Freitas)
Nunca na história humana uma cidade surgiu do nada e foi construída em tão curto espaço de tempo. (Alberto Xavier, arquiteto, em Antologia Crítica, CosacNaif)
Brasília não é tão somente uma cidade construída do nada, o que não seria pouco (sobre esse nada, tratarei no pé desta crônica). Também não é só o mito fundador de um país a procura de si mesmo. Ou, no dizer dos adversários, um gesto faraônico que inventou o casamento pernicioso das empreiteiras com o Estado e, de quebra, a inflação. Também é, mas ainda é muito pouco.
Brasília não é só uma das cidades mais desiguais e segregadoras do mundo. É mais do que o maior sítio da arquitetura moderna no planeta; e bem mais do que patrimônio da humanidade. Brasília é o último respiro megalomaníaco do urbanismo moderno, mas isso é uma pequena parte do que ela é.
Brasília é lírica, bucólica e muito pouco funcional, mas isso não diz muito.
É telúrica, cósmica, é urbana e é rural, é brasileira com filiação francesa, inglesa, norte-americana e até mesmo chinesa (os terraplenos que Lúcio Costa admirava em fotos antigas).
Brasília foi construída ao custo de muitas mortes, a dos candangos que caíam dos andaimes, dos elevadores de obra, das estruturas metálicas. Dos que morriam de saudade, dos que enlouqueciam diante de tamanha densidade de sentidos. Era tudo ao mesmo tempo agora. Como se o mundo estivesse sendo inventado e todos aqueles dele participassem. É tudo o que foi dito aqui, mas não é apenas o que foi dito aqui.
A se contar do dia em que foi aprovada a lei que criou a Companhia Urbanizadora da Nova Capital, a Novacap, até 21 de abril de 1960, Brasília foi construída em três anos e três meses.
Brasília alumbrou o mundo em 1.185 dias.
Os Diários de Brasília registravam as visitas ao canteiro de obras desde as primeiras notícias de que o Brasil iria construir uma nova capital no meio do nada (planaltinenses, formosenses, luzianenses, calma, calma, calma). Publicado pela Presidência da República em 1960, Brasília e a opinião estrangeira reproduzem notícias e artigos de jornalistas, arquitetos, escritores, cineastas, intelectuais de 48 países, dos cinco continentes.
Quando Brasília começou a ser construída, o mundo ainda tentava se recuperar da desilusão. Fazia 11 anos que a 2ª Guerra havia terminado e a Guerra Fria estava começando e com potencial de destruir o mundo com um só apertar de botão.
A ideia de uma nova cidade numa selva (era o que se imaginava lá fora) reacendia o desejo de que um Eldorado nos salvaria de nossa miséria humana. Era uma chance de sonhar, depois de tanto padecer.
A Europa estava em frangalhos, mas numa cidade alemã de nome Dusselfort, um adolescente chamado Wilhelm Ernest Wenders foi tomado pelas fotos da espantosa cidade que estava sendo construída nas profundezas do Brasil. “Na parede do meu quarto, tinha todas as informações e imagens que podia ter sobre Brasília”, contou o cineasta Wim Wenders à Folha de S. Paulo, em agosto de 2008.
A Brasília de Wim Wenders é da parede de seu quarto de adolescente. É essa a Brasília universal, que dá conta de todas as demais, que contém em si o sonho humano de transpor nossas misérias para inventar a morada coletiva onde caiba tudo, nossas mesquinharias e nossas grandezas, nossas contradições e nossos quereres.
Muitos foram os ilustres e os famosos do planeta que estiveram aqui. Até o mítico Yuri Gagarin, que, à época, percorria o mundo contando a aventura de ser o primeiro homem a sair da órbita da Terra. Vieram também, entre tantos: John dos Passos, Frank Capra, André, Malraux, o príncipe japonês Takahito Mikasa, Bruno Zevi (que detestou Brasília), Raymond Cartier, Fidel Castro, Margot Fonteyn, Aldous Huxley, Georges Mathieu.
Georges Mathieu: “Vi Brasília de avião, de automóvel, andando a pé e em helicóptero. E fiquei fascinado (…). Nunca o mundo teve tantas razões de esperanças como convosco, brasileiros”.
Brasília deu esperanças ao mundo.
(Brasília não nasceu do nada. Aqui havia uma população de 6 mil habitantes de três municípios goianos. O nada é uma metáfora do que viria)
Por Conceição Freitas - Foto: Giovanna Bembom - Metrópoles
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