Como a
ganância pode destruir o Parque das Sucupiras de Brasília
Crônicas
urbanas, crônicas de afeto e do viver - (Conceição Freitas)
Cobras, sapos, corujas, lagartos, gambás, periquitos, mariposas, bicho
que rasteja, que pula, que voa, que canta. Bichos que habitam a margem sul
do Eixo Monumental, entre uma igreja de Niemeyer e um bairro
chique de Brasília. Vivem entre pés de cajuzinho do cerrado,
araticum, mangaba, pequi, embiruçu, murici, canela de ema.
É uma ilha verde que ainda revela, 60 anos depois,
como era o Plano Piloto quando se chamava somente Cerrado e nada
mais nele havia a não ser árvore torta, arbusto emaranhado, florezinhas coloridas e, entre centenas de espécies
animais, bichos voadores, como a maria-cavaleira-de-rabo-enferrujado, que só
sai da solidão para se acasalar e, sofisticada, faz ninho com pelo de mamífero
e muda de pele de serpente.
É um pedaço quase insignificante de Cerrado
razoavelmente intacto que sobreviveu à voracidade do mercado imobiliário,
graças à admirável tenacidade de um pequeno grupo de brasilienses, liderados
pelo ilustrador Fernando Lopes, que há mais de 10 anos faz barricadas de
cidadania para tentar impedir a expansão do Sudoeste. Insignificante na escala monumental, mas imprescindível para a vida dos
humanos, dos bichos e da Terra.
Lá, onde
quem tem muito dinheiro quer muito mais dinheiro ainda, quer se lambuzar de
dinheiro para esconder o imenso vazio miserável que arrasta dentro de si, lá
naquele pedaço de paraíso cerratense vivem, pelo menos, 60 espécies de aves,
10, de mamíferos, seis, de répteis, três, de anfíbios.
Cupinzeiros
gigantes, seriemas delgadas, codornas inquietas, corujas olhudas, seres mais
que perfeitos da natureza, ameaçados por mais uma insanidade, não dos pobres
humanos, mas dos ricos que acreditam que escapam da morte se empanturrando de
dinheiro e poder.
Como a ganância pode destruir o Parque das Sucupiras de Brasília
O chão
que sustenta as mais de 10 mil espécies de árvores do Cerrado está a
1.000/1.200 metros acima do nível do mar, quase no topo do Planalto Central. É
uma terra que vai do amarelo-avermelhado ao vermelho-ferrugem, uma cor que
sangra se não estiver protegida pela savana mais bela e mais surpreendente do
mundo.
O Cerrado
é o mais importante monumento de Brasília, tombado pelos deuses da natureza e
da vida em estado absoluto. Vida em forma de árvore, paineira-do-cerrado,
pimenta-de-macaco, sucupira branca, vassoura-de-bruxa, ou em forma de bicho,
jacarezinho do cerrado, inhambu-chororó, periquito-de-encontro-amarelo ou aves
migratórias que subindo ou descendo o redondo da Terra pousam no parque.
Fim-fim é uma das espécies de aves que habitam o Parque das Sucupiras. É também
chamado de Vim-Vim e Vem-Vem – machos e fêmeas chamam-se no meio da mata para
que nunca se esqueçam um do outro. Nenhum caminhão de dinheiro que se quer
ganhar com as 500 dá conta de comprar o amor de um Vim-Vim por sua Vem-Vem.
Como são
pobres de vida esses ricos de ganância.
Por
Conceição Freitas – Metrópoles
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CRÔNICA