Barroso prevê crise se Supremo revisar prisão após 2º grau. Ministro vê
risco de a Corte perder legitimidade caso altere posicionamento sobre execução
de pena
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que o Supremo Tribunal Federal
(STF) pode perder sua legitimidade e provocar “uma crise institucional” caso a
Corte “repetidamente” não consiga “corresponder aos sentimentos da sociedade”.
A afirmação foi feita quando o ministro defendeu já existir decisão definitiva
e vinculante no tribunal sobre a prisão de réus após condenação em 2.ª
instância. As informações foram publicadas no Blog
Fausto Macedo nessa segunda-feira (1º/4).
“Acho que nós precisamos ter isso em conta porque as instituições são os
pilares da democracia. Portanto, não podemos destruir as instituições nem as
instituições podem se autodestruir”, afirmou. O STF deve voltar a analisar a
matéria no dia 10 de abril. Réus, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, condenado em 2.ª instância e preso pela Lava Jato, serão soltos caso o
tribunal mude a orientação que vigora desde 2016.
“Você pode, eventualmente, ser contramajoritário,
mas se repetidamente o Supremo não consegue corresponder aos sentimentos da
sociedade, vai viver problema de deslegitimação e uma crise institucional”,
disse Barroso nesta segunda, no evento Estadão Discute Corrupção. Realizado na
sede do Estado, em parceria com o Centro de Debates de Políticas Públicas
(CDPP), ele discutiu as operações Lava Jato e Mãos Limpas, na Itália.
O ministro reforçou sua posição com números. Disse que o Supremo reforma
apenas 0,4% das decisões dos tribunais inferiores e o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) só faz isso em 1,2% dos casos. Assim, não faria sentido, por
menos de 2% dos processos, mudar a decisão do STF sobre a prisão após a 2.ª instância.
“Estamos falando de optar por um sistema que funciona ou um sistema que não
funciona.”
Autora de uma das ações no STF que discutem a prisão após 2.ª instância,
a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu nesta segunda que a Corte adie o
julgamento do processo. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, foi o
responsável pela definição da data de julgamento. Além da OAB, os ministros
julgarão as ações apresentadas pelo PCdoB e pelo antigo PEN sobre o tema.
A decisão do STF sobre o tema pode ocorrer só depois de o STJ julgar o
caso de Lula. Assim, a decisão do Supremo não mais o atingiria. Lula tenta na
Corte superior derrubar a condenação a 12 anos de prisão no processo do triplex
do Guarujá. Ministros do STJ acreditam que o recurso do petista deve ser
analisado até a próxima semana pela 5.ª Turma do STJ, sob relatoria do ministro
Felix Fischer.
A expectativa também é cultivada no Supremo, que vê o julgamento como
uma forma de retirar a tensão da Corte quando forem analisadas as ações sobre
prisão após condenação em 2.ª instância – o Supremo pode passar a permitir
prisão só após análise do STJ, uma 3.ª instância.
Além de questionar a prisão em 2.ª instância, a defesa de Lula quer que
o STJ mande o caso do triplex para a Justiça Eleitoral. Isso porque, em
julgamento recente, o STF decidiu que a Justiça Eleitoral é quem deve julgar a
corrupção quando há relação com crime eleitoral.
A reportagem procurou a defesa de Lula, que não se manifestou. O
julgamento do ex-presidente no STJ pode acontecer nas próximas sessões de
quinta-feira (dia 4) e terça-feira (dia 9). A previsão é de que o processo seja
levado em mesa por Fischer sem aviso prévio.
O procurador da República e coordenador da força-tarefa da Operação Lava
Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, disse no evento, recear que a decisão do
STF sobre a Justiça Eleitoral sirva para “inocular um vírus” nos processos da
operação para matá-los.
Já Barroso, citando o prefeito Odorico Paraguaçu, personagem de O Bem
Amado, afirmou que a decisão sobre a Justiça Eleitoral deve valer só para o
“pratrasmente”, o que excluiria novas análises da Justiça sobre casos já
julgados da Lava Jato – são 50 só em Curitiba, entre os quais, dois de Lula.
Moro
Deltan e Barroso participaram do evento ao lado do ministro da Justiça,
Sérgio Moro. Este contou que, por decisão do governo de Jair Bolsonaro, a
Advocacia-Geral da União modificou o parecer que havia sido entregue ao STF
contra a prisão após a condenação em 2.ª instância. Para ele, era importante o
governo mostrar a sua posição.
O ministro da Justiça afirmou ainda que pôs a PF à disposição do STF
para apurar as ameaças a integrantes da Corte. Aberto por Dias Toffoli, o
inquérito investigaria ainda notícias falsas contra o Supremo. “Agressões e
ameaças não fazem parte do direito de crítica”, afirmou Moro.
Para Barroso, a crítica pode ser “a mais severa possível”, mas não pode
chegar “à ameaça de morte.” Ele disse esperar que o inquérito não atinja
procuradores que criticaram o STF. “Eu, sinceramente, espero que não.”
Arrepender
Por fim, Barroso fez uma defesa da Lava Jato. Disse que, com base em
princípios da Constituição, nunca se viu diante da necessidade de produzir uma
decisão injusta. Afirmou enxergar um certo ressentimento da elite do País
contra a operação, pois todo mundo tem algum conhecido envolvido.
“Ninguém se arrepende de coisa alguma. Todo mundo diz que está sendo
perseguido. Não aconteceu corrupção no Brasil. Esta é uma das coisas que mais me
impressionam. É fotografado, filmado. E diz que está sendo perseguido, é uma
conspiração. A despeito disso, penso que o trem já saiu da estação. A Lava Jato
deixou de ser operação, passou a ser uma atitude, um símbolo que representa a
não aceitação do inaceitável. Estamos do lado certo da História.”
Para advogados, reclusão em 2.ª instância afronta lei - Advogados de réus da Lava Jato que acompanharam o evento Estadão Discute
Corrupção, realizado nesta segunda, criticaram a declaração de Barroso sobre a
execução do decreto de prisão em 2.ª instância.
Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que defende Joesley Batista, do
Grupo J&F, “a vedação da prisão antes do final do processo está prevista
expressamente na Constituição e na lei”. “A discussão sobre a funcionalidade da
lei é legítima, mas o local para esse debate é o Legislativo, não o
Judiciário.”
Também presente no seminário, Theodomiro Dias Neto afirmou que seria
importante um uso mais “moderado” da prisão. “Estou de acordo com prisão
preventiva em muitos casos, mas não pode deixar de ser um recurso em última
instância no sistema penal”, disse ele, que coordenou o processo de negociação
da Odebrecht com o Ministério Público Federal.
Dias também criticou o que chamou de “lado ruim” da Lava Jato. “Houve
abusos, houve desmandos, é importante estar atento a isso. Em alguns momentos
acho que houve excesso, um certo espalhafato no uso da comunicação”, afirmou.
Ele cobrou que os agentes públicos sejam mais “serenos” ao comentar
publicamente fatos relacionados a processos, para evitar tensão entre as
instituições, principalmente entre Judiciário e Procuradoria da República.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que não esteve no
evento, também repercutiu a fala da Barroso. “A Constituição Federal é
absolutamente clara quando diz sobre a presunção de inocência: ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A
hipótese desta flexibilização abre possibilidades graves.”
Estadão – Agência Estado - Foto: Michael Melo - Metrópoles
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