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Sudoeste insustentável


Sudoeste insustentável

Por Severino Francisco

A cidade vive mais um capítulo na novela kafkiana da construção da Quadra 500 do Sudoeste, próximo ao Parque Ecológico das Sucupiras. O drama se estende desde 2006, com a resistência de moradores e do Ministério Público. Mas, agora, parece que foi dado o golpe final: O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) liberou a licença para o empreendimento de 22 prédios residenciais e seis comerciais na região.

É uma decisão que, com certeza, terá forte impacto na qualidade de vida do bairro e de todo o Plano Piloto. Ela vai na contramão dos princípios urbanísticos e ambientais de Brasília, com graves consequências: “Desde 2015, são juntados relatórios técnicos nos autos que apontam o comprometimento ambiental, inclusive de escassez hídrica”, disse ao Correio, no ano passado, a procuradora Selma Leão Godoy, assessora da Procuradoria-Geral de Justiça do MPDFT.

Não é necessário ser especialista para saber que o Sudoeste está no limite de abrigar novos habitantes. É só aparecer por lá para constatar que o bairro sofre com um terrível fluxo de carros, principalmente nos horários de pico, no início da manhã, na hora do almoço e no fim da tarde. Se o projeto das quadras 500 for edificado, serão mais de 3 mil veículos circulando pela região, segundo o cálculo de especialistas.

A licença ambiental foi concedida há mais de 10 anos. O regime das chuvas, o movimento de carros e os efeitos no clima precisam ser reavaliados por novos estudos. Além disso, o processo de drenagem da região é complicado e tende a se agravar. Aquela é uma das raras áreas preservadas de vegetação nativa no centro da cidade. Ainda alivia muito as agruras do período de estio quando Brasília se crispa e assume uma aridez de deserto.

Se nos tempos de seca, já sofremos calcinados pela radiação solar, pelo calor e pela umidade próxima aos níveis do Saara, o que será da cidade se esse projeto for levado adiante? Com todos os problemas acumulados, o Sudoeste ainda é um bairro agradável, onde se pode caminhar longas distâncias com uma temperatura amena.

A construção de uma nova quadra fere os princípios da escala bucólica que nortearam a criação do Plano Piloto, cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Onde está o Iphan, que deu aval a proposta tão insustentável e insensata?

Em 2014, depois de uma deliberação favorável do Tribunal de Contas do DF, sob o falacioso argumento de que estaria supostamente fundamentada em Brasília Revisitada, documento elaborado por Lucio Costa, o urbanista criador de Brasília, resolvi perguntar a arquiteta Maria Elisa Costa, se seu pai fazia alguma menção à Quadra 500 do Sudoeste: “Imagine!!!”, respondeu ela. “Como é que alguém pode achar que o autor do Plano Piloto, em sã consciência, fosse cometer o suicídio de colar a Asa Sul no Eixo Monumental, ou seja, de impedir para sempre que ‘seu avião’ levantasse voo???”

Como diz o ator brasiliense Mateus Solano, sobre o filme Amor à vida, as cidades não são mais projetadas para o bem-estar dos cidadãos: “Cidades, hoje em dia, são criadas para prédios e carros”. Seria interessante se a comunidade do Sudoeste defendesse a qualidade de vida da região, pois ela está gravemente ameaçada.

(*) Severino Francisco – Correio Braziliense - Foto/Ilustração: Blog - Google


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