Uma cidade precocemente envelhecida
*Por Circe Cunha
Ao percorrer algumas áreas da parte central de Brasília, um turista
acidental, do tipo que conheceu a capital ali pelos anos setenta, ou uma década
após sua inauguração, constata, sem esforço, que a cidade idealizada por um dos
maiores urbanistas do planeta envelheceu precoce e severamente em pouco mais de
algumas décadas.
A decadência de áreas como as W2 e W3 Sul e Norte, das quadras 700, dos
setores bancários, do setor comercial e principalmente de todo o perímetro em
volta da Rodoviária do Plano Piloto, deixa claro que esses endereços, outrora
chiques e disputados pela valorização local, hoje se apresentam como lugares
perigosos, sujos, mal iluminados, tomados pelo mato, com calçadas quebradas e
lixo, muito lixo, espalhado por onde quer que a vista alcance.
O Plano Piloto, ou seja, o coração da capital, com suas belezas
arquitetônicas, seus espaços bucólicos, arborização, sua setorização arrumada,
vai, pouco a pouco, desaparecendo ante o descaso, a falta de preservação
adequada e outras atitudes de seguidos governos.
Não bastasse esse desmazelo com a capital de todos os brasileiros,
circular por esses locais e mesmo em meio as Superquadras é se deparar a todo
momento com menores abandonados, homens, crianças e idosos cheirando derivados
de petróleo, usando entorpecentes à luz do dia. A poluição visual, com
letreiros ocupando cada centímetro do espaço livre, as pichações e depredações
dos móveis urbanos, fornecem os indícios de que essa é uma cidade sem lei ou,
ao menos, sem fiscais da lei.
Difícil é andar nesses locais sem ser abordado por todo o tipo de
pedinte, alguns ameaçadores. O descaso com a cidade, a falta de ação por parte
das autoridades e mesmo de moradores, com muitas exceções, e comerciantes,
parecem decretar o fim dos espaços públicos ou ao menos o respeito pelos
espaços que são de todos. A noção errada de que nossa cidade termina onde
começa a porta de nossas casas precisa ser reaprendida, sob pena de ficarmos
ilhados e fechados dentro de quatro paredes.
Com isso, nossas ruas vão se transformando em áreas hostis, sem
policiamento, escuras e malcheirosas, tal qual uma cidade abandonada à própria
sorte. O desrespeito pelas normas urbanas está por todo lugar. Invasões,
barracos de lata de comércio precário, puxadinhos dos comércios locais sem
cerimônia. Vão se espraiando por áreas verdes, ocupando calçadas, canteiros,
com cada um fazendo o que bem quer sob o olhar indiferente das autoridades.
A fragilidade de uma cidade planejada ou seu Tendão de Aquiles está
justamente no comportamento sem urbanidade de seus cidadãos e dos seus
responsáveis. A obediência aos códigos de postura, de edificações e ao que
delimitam as leis é condição fundamental para a continuidade de toda e qualquer
cidade. No caso de Brasília, considerada por muitos uma joia do modernismo e do
empreendedorismo de uma nação, o descaso e o abandono continuado de suas áreas
centrais, poderá, dentro do que ensina a Teoria das Janelas Quebradas, conduzir
a capital para um estágio tal de desestruturação de seus espaços, que torne
impossível a recuperação da beleza e harmonia originária, condenando a cidade e
entrar para o rol das muitas capitais brasileiras depredadas e abandonadas pelo
poder público.
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A frase que foi pronunciada: “Deste Planalto Central, desta
solidão que em breve se transformará em cérebro das mais altas decisões
nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo
esta alvorada, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande
destino.” (Juscelino Kubitschek)
BSB, meu amor! Por falar em Brasília, nas comemorações dos 59 anos
da capital, as fundadoras do movimento Mexeu com Brasília, Mexeu Comigo –
lançaram a primeira edição do Prêmio Olhar Brasília de Fotografia. O projeto
tem curadoria do fotojornalista Alan Marques. As jornalistas convidam os
brasilienses para se inscreverem até o dia 21 de abril com fotos que mostrem o
amor pela cidade. (Vídeos)
Arte: Até o dia 25 de
maio, mais de 30 artistas participam da exposição Entre Cores e Utopias, que
mostra os grafites da cidade. Renata Almendra, com fotografias de Juliana
Torres, apresenta o movimento de Brasília nas mãos dos grafiteiros. Suas
propostas, crenças e protestos. Veja o vídeo sobre o lançamento do livro de
Almendra sobre o assunto.
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha
- Fotos: chiquinhodornas.blogspot.com - doc.brazilia.jor.br - Cartaz:
facebook.com/olharbrasilia - facebook.com/entrecoreseutopias – Correio
Braziliense