A Esplanada exige demais das
multidões. Não era pra ser assim
Crônicas urbanas, crônicas de
afeto e do viver (Conceição Freitas)
Sol das 11h de um começo de seca.
Penduradas na plataforma superior da Rodoviária, observando a manifestação lá embaixo, a moça ao lado me pergunta: É
difícil chegar lá, né? — É. Você tem de descer duas
escadas rolantes, atravessar toda a Rodoviária e o Eixo
Monumental. Ou pode ir aqui reto, até o Touring, e descer a escada em
caracol, mas não sei como andam as coisas por lá. Em Brasília, até o protesto
exige de nós um fôlego de habitante do deserto.
Na Esplanada dos Ministérios,
somos todos náufragos no mar. Muito chão a vencer, nenhuma árvore para nos
proteger. É um deserto urbano monumental.
Espaço cerimonial destinado às
manifestações democráticas vindas de todo o país, a Esplanada não facilita o ir
e vir urbano nem o exercício democrático das manifestações. A multidão aqui tem
que ser muito mais multidão. O pedestre, muito mais pedestre.
A via mais importante da capital
do país tem 300 metros de largura (a Champs-Élysées tem 70 m e o Mall de
Washington, 80 m). O Eixo Monumental já apareceu no Guinness Book como a
avenida mais larga do mundo, considerando-se que ela seja uma avenida. Só o canteiro
central tem 200 metros de largura.
São apenas 2 km entre a Rodoviária
e a Praça dos Três Poderes. Parecem 10, dadas a extensão e a aridez. É bela,
mas é cruel. Não seria assim se Lucio Costa tivesse
aceito o projeto de paisagismo feito por Burle Marx. O paisagista
moderno, das praças geométricas e da flora brasileira, pensou num canteiro
central com espelhos-d’água e jardins com vegetação que representasse os biomas
brasileiros – Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia, Caatinga, Pampa, Pantanal. O
arquiteto teve receio de que tanto mato tirasse o efeito de remanso monumental
que se tem da Esplanada a partir da plataforma superior da Rodoviária.
A arquitetura
comunista de Niemeyer, no Conjunto Cultural da República, dificulta ainda mais a vida urbana, que já não é fácil. Uma
vastidão em concreto sem um pé de pau, com apenas duas fileiras de bancos
também de concreto e um espelho-d’água desolado. É o que contorna a cúpula que
o arquiteto repetiu em várias cidades brasileiras, Goiânia e São Paulo entre elas.
Estrutura pesadona (a crítica de
arte Graça Ramos a compara a um mausoléu), foi inaugurada em 2006, mas
inspirada nos anos 1950. Sorte de Niemeyer é que o brasiliense ama o Museu – o
cuscuz, como dizem os nordestinos. Ama e inventa usos, como criança que gosta
de brincar com caixa de papelão.
O professor Frederico de Holanda,
da FAU/UnB, gosta de comparar a Esplanada à Avenida dos Mortos, em Teotihuacan,
centro urbano pré-colombiano a 48 km da Cidade do México. Imensa, cerimoniosa,
soberana. Um céu deitado na Terra, como a Esplanada dos Ministérios.
Nesse 15 de maio, a sede de viver
e de saber de estudantes, professores, pesquisadores,
cientistas ressuscitou a Esplanada (e muito mais que ela) mais uma
vez. Como em tantas outras em seus 59 anos de existência. Surtos de vida
que estremecem a via mais solene do Brasil. E nos fortalecem
como brasileiros.
Por Conceição Freitas – Fotos:
Rafaela Fellicciano – André Borges - Metrópoles