Desde a origem, o Setor Placa da Mercedes burlou a
rigidez de Brasília -
Crônicas urbanas, crônicas de afeto e do viver (Conceição Freitas) -
Quem desce a BR-060 em direção ao Plano passa pelo Riacho Fundo I e, ao se aproximar do Núcleo Bandeirante, vê uma placa de endereçamento: Setor Placa da Mercedes. Meu filho, brasiliense de nascimento, ironizou: aqui em Brasília tem até um setor que vende só placa de caminhões da Mercedes-Benz? Seria estapafúrdio, porém não de todo improvável. Ou seria lugar de moradia de todas as mulheres de nome Mercedes? Na cidade segmentação urbana obsessiva, não seria impossível. Mas não é.
Crônicas urbanas, crônicas de afeto e do viver (Conceição Freitas) -
Quem desce a BR-060 em direção ao Plano passa pelo Riacho Fundo I e, ao se aproximar do Núcleo Bandeirante, vê uma placa de endereçamento: Setor Placa da Mercedes. Meu filho, brasiliense de nascimento, ironizou: aqui em Brasília tem até um setor que vende só placa de caminhões da Mercedes-Benz? Seria estapafúrdio, porém não de todo improvável. Ou seria lugar de moradia de todas as mulheres de nome Mercedes? Na cidade segmentação urbana obsessiva, não seria impossível. Mas não é.
Afinal, Brasília tem setores os mais esdrúxulos, até setor de
cavalo, o Setor Hípico. Tem setor de garagem, de abastecimento, de polícia, de
motéis, de oficinas, de recreação, de hospital, de autarquias, de bancos, de
diversões, de cultura, de armazéns. Tem até o SPP, que vem a ser o Setor
Palácio Presidencial, SPP, de fama duvidosa.
E tem outros
que a cidade apelidou para dar um pouco de malemolência à rigidez
cartesiana do urbanismo moderno: Setor Carnavalesco Sul, que muda de
lugar de acordo com a vontade dos foliões; o Setor de Perfumes Norte, aquele
conjunto horroroso de edifícios espelhados que, oficialmente, se chama Setor
Hoteleiro Norte, mas também poderia se chamar Setor da Ostentação Norte ou
Setor Miami Candanga Norte.
O Setor Placa da
Mercedes é nome oficial. Faz parte do Núcleo Bandeirante. Vem de uma ocupação
lúbrica nos tempos em que Brasília estava sendo construída. Era um
ermo que antecedia a chegada à Cidade Livre para quem vinha de Goiânia, pelo fio de terra vermelha que viria a se chamar
BR-060. O setor luxuriante em questão não vende placa do que quer que seja, nem
caminhões nem carros de luxo. Não vende nem nunca vendeu.
É desobediente o Setor Placa da Mercedes, pois não
reúne comércio de placa de carro, nem de placa-mãe de computador nem de
celular, nem placa de endereço e menos ainda placa tectônica. Se não seguiu à
risca a divisão do Plano Piloto em setores de distintos usos urbanos, é
nitidamente um setor subversivo.
É o único setor de Brasília que tem o nome da
história do lugar, do mesmo modo que Bixiga, bairro de São Paulo, vem de um
matadouro do século 18 que vendia bexigas de boi, com as quais eram feitas as
primeiras bolas de futebol. Há outras versões, menos aceitas para o topônimo,
entre elas a de que no lugar havia uma chácara que abrigava portadores de
varíola, também chamada bexiga. O Bixiga com i é por conta da pronúncia dos
migrantes italianos que ocuparam o bairro.
A história do
Setor Placa da Mercedes começou assim: uma das primeiras e mais importantes
portas de entrada de Brasília, no início da construção da
cidade, era a que vinha de Goiânia. Não havia, portanto, melhor lugar
para que a Mercedes-Benz fincasse uma placa anunciando a potência de seus
caminhões para atravessar o lamaçal, a buraqueira e o poeirão da estrada.
Era um lugar providencial para as trabalhadoras do
sexo. (Pode-se também chamá-las por qualquer um dos 109 sinônimos que o Houaiss
apresenta para o substantivo prostituta.)
Placa da Mercedes era o lugar mais famoso de
Brasília. Todos sabiam onde ficava e o que ele oferecia. A cidade cresceu, as
moças mudaram de ponto, a placa caiu, mas a cidade nunca deixou de chamar
aquele fim do Núcleo Bandeirante de Placa da Mercedes. Até se transformar em
nome oficial, Setor Placa da Mercedes, hoje um bairro que reúne empreendimentos
beneficiados pelo programa Pró-DF e pequenos apartamentos e quitinetes nas
sobrelojas.
E como tudo
em Brasília termina em sigla, o inusitado setor é também o
SPLM, que antes poderia significar algo como um Setor de Prazeres, Luxúrias e
Malícias, mas é lugar de trabalho e moradia. O Setor de Motéis Sul fica a menos
de 2 km.
Por Conceição Freitas – Metrópoles – Fotos:
Conceição Freitas
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