Edital do FAC será cancelado. Em
entrevista ao Correio, o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Adão
Cândido, confirma medida e anuncia que parte dos recursos vai para restauração
do Teatro Nacional
*Por Adriana Izel - José Carlos Vieira
Na semana em que mudou
de nomenclatura, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF viveu uma
das suas primeiras crises. O motivo foi a determinação do órgão de suspender
dois editais do Fundo de Apoio à Cultura, lançados no ano passado: o FAC Áreas Culturais,
que teria o resultado da seleção final divulgado na última quarta-feira, e o
FAC Audiovisual, que estava em fase de análise de recursos. A decisão, que foi
apontada na última quarta-feira como temporária, levou a classe artística às
ruas e às redes sociais em protesto.
Em entrevista
exclusiva ao Correio, o secretário Adão Cândido anunciou o cancelamento do
edital FAC Áreas Culturais (R$ 25 milhões) e a manutenção do FAC Audiovisual
(R$ 12 milhões). A intenção do governo é utilizar parte da verba do FAC Áreas
na linha de restauro que será usada nas reformas do Teatro Nacional Claudio
Santoro, fechado desde 2014. A primeira etapa será abrir a Sala Martins Pena,
até 2020, quando Brasília comemora 60 anos. De acordo com Cândido, o governo
tem respaldo para fazer isso, pois o edital foi lançado no governo passado, e
já contava com o orçamento de 2019, que é de, aproximadamente, R$ 68 milhões,
segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Não se pode fazer o edital
com o orçamento do (ano) seguinte e esse foi justamente o caso”, afirma.
Apesar da confirmação
da anulação, o secretário garantiu que o FAC não será extinto. Existem dois
editais em andamento: o FAC Ocupação, para uso de espaços e equipamentos
públicos com investimento de R$ 7,7 milhões, e o FAC Regionalizado, de 2018,
que incentiva a realização de ações culturais nas regiões administrativas do
DF, com 114 projetos que receberão R$ 7,9 milhões. Para ele, essa é apenas uma
mudança de prioridades no governo. E até 2022, a verba do FAC sempre contará
com uma parcela para recuperação do patrimônio cultural. “De toda forma, é uma
mudança de postura, sim. Esse governo tem outras prioridades, entre elas, o
patrimônio, no topo”, defende.
Qual é a política que o senhor
está fazendo para ser mais democrático no sistema de distribuição de verba para
a cultura?
Nos novos editais que estamos
fazendo e debatendo com a comunidade, queremos que um beneficiário, por
exemplo, só possa estar em dois projetos por orçamento e por ano. Hoje não tem
uma vedação, então, às vezes, você encontra o mesmo beneficiário, sendo em um
como produtor, em outro como proponente, em outro como diretor. Ficam as mesmas
pessoas e a ideia do fomento é que ele dê uma ajuda, como diz o nome, num
momento de início. O Estado tem que fazer o seu papel de ajudar a fomentar a
cultura, mas ele não pode virar um substituto dos próprios produtores de irem
atrás de financiamento e de outros meios de sustentação. Nós temos vários
instrumentos. Temos a Lei Rouanet, a LIC (Lei de Incentivo Cultural), o FAC
(Fundo de Apoio Cultural), emendas parlamentares e orçamento direto.
Então por que houve essa reação da
comunidade artística em relação ao FAC?
Não é em relação ao FAC em si. O
FAC está totalmente operacional, lançamos os editais, o Conexão (Cultura), que
é um programa muito bem-avaliado. Lançamos um edital (FAC Ocupação) de ocupação
dos equipamentos públicos, que é uma prioridade da nossa gestão. Nós não
podemos ter equipamentos públicos sem programação. E fizemos aqui a homologação
dos editais de 2018, os editais regionalizados (FAC Regionalizado). Isso está
funcionando plenamente. Qual é a questão que está em pauta? Existem editais que
foram feitos em agosto de 2018 com orçamento de 2019. Isso é temerário porque
era um período eleitoral e tem uma série de vedações, tanto na Lei de
Responsabilidade Fiscal, quanto na Lei Orgânica da Cultura.
E não cabe à secretaria resolver
isso?
Isso cabe ao gestor, no caso eu. É
um debate que nós temos dentro do governo com a própria (Secretaria de)
Fazenda, de como a gente melhor utiliza o dinheiro do orçamento. Como isso (os
editais) come todo o nosso orçamento, nós não temos recursos para fazer a
política pública que nós queremos fazer. Não se pode fazer o edital com o
orçamento do ano seguinte. E esse foi justamente o caso.
O dinheiro do FAC será destinado
para o Teatro Nacional?
Zerando os editais, vamos abrir
uma linha para restauro de patrimônio dentro do FAC. O FAC permite, só que
nunca foi feito, porque não era a escolha (priorizar o patrimônio). Parte do
dinheiro será destinado ao restauro e à reabertura do teatro. Essa é a
determinação, essa é a promessa do governador. Está degradado não só esse patrimônio,
mas vários outros, como o MAB (Museu de Arte de Brasília), que nós conseguimos
retomar a obra. É uma grande conquista, e vamos reinaugurá-lo para o
aniversário em 21 de abril de 2020.
Em quanto fica o corte de
orçamento para esse segmento (artístico) no FAC?
Quando eu (re)abrir o edital, uma
parte desses R$ 25 milhões será destinada para a reabertura do Teatro Nacional.
E esse valor é capaz de resolver
algo para o Teatro Nacional?
Sim, a Sala Martins Pena. Vamos
fazer fatiado. É uma determinação nossa. Até que consigamos outras fontes.
Sobre o FAC, existia uma expectativa de direito, mas como o resultado não foi
nem divulgado, como é que a pessoa saberia se passou ou não no edital? Mas, de
toda forma, é uma mudança de postura, sim. Esse governo tem outras prioridades,
entre elas, o patrimônio, no topo. Nós somos o maior bem tombado do mundo, só
no Plano Piloto são 173 quilômetros quadrados.
Mas não teriam outras alternativas
de captação de recursos para o teatro?
Hoje não, porque a (Lei) Rouanet,
que era um desenho da gestão passada, está sendo muito questionada pelo próprio
governo federal, o que espanta os patrocinadores. E hoje nós não temos um clima
favorável à captação via Lei Rouanet. O próprio governo (federal) cessou todos
os patrocínios, inclusive, o que a gente tinha avançado com a Caixa. Estamos
buscando investidores, PPPs (parcerias público-privadas), estamos
conversando... Como é um projeto grande, muita gente nos visita, mas ainda não
tivemos nenhuma proposta forte, firme e boa, que nos encorajasse a fazer uma
conversa séria.
Como conciliar a conservação de
patrimônio com os artistas que certamente vão trabalhar dentro desse
patrimônio? E como dialogar com esses artistas, que fazem parte da economia
local?
Trocamos a nomenclatura da
secretaria. Saiu na terça-feira o decreto porque nós temos essa visão e agora
se chama Secretaria de Cultura e Economia Criativa, porque, de fato, nós
queremos que a cultura seja vista como um elemento gerador de emprego, renda,
desenvolvimento e inovação.
Mas quando se corta um orçamento
de R$ 25 milhões que circularia na cidade...
Mas vai voltar a circular. Vai
voltar a virar edital de novo. Uma parte vai para o restauro, mas a outra parte
volta para os editais (com a manutenção do FAC Audiovisual). Então, não há um
impacto e nós temos muitas outras fontes, nós temos emendas, a LIC, o próprio
FAC. Não estamos fazendo uma medida que colapse com o financiamento. Ao
contrário, estamos fazendo uma medida estratégica, tomando uma decisão agora.
Mas que, a médio prazo, nos devolve o principal palco da cidade (o Teatro
Nacional). É uma visão estratégica e uma decisão que a gente tem de colocar o
patrimônio em primeiro lugar, sabendo que ele é a plataforma física para que a
economia da cultura aconteça. Como a gente tem essa obrigação e esse problema
para resolver, a gente alinhou as duas coisas. Não estamos fazendo
desmerecimento com os produtores culturais. Estamos só dizendo que uma parte
dos R$ 68 milhões vai para patrimônio. Vai em 2020, 2021 e 2022, porque agora
patrimônio passa a fazer parte, não só da nossa responsabilidade.
Com esses recursos quando a Sala
Martins Pena fica pronta?
No ano que vem, e o MAB fica
pronto para o 21 de abril.
Como o senhor vai tratar esse
desgaste político?
Temos feito o diálogo, temos feito
a pontuação, temos o FAC. Conseguimos uma parte do superavit, temos lutado com
a (Secretaria de) Fazenda para manter o FAC dentro da vinculação orçamentária.
Mas nós somos um governo com prioridades diferentes. Também tem que ter uma
compreensão por parte dos produtores que esse governo vai resolver alguns
problemas que estavam colocando há anos, passando de dois a três governos.
Precisamos ter compreensão de todas as partes.
Não houve um debate antes dessa
decisão do FAC?
Teve uma audiência pública na
Câmara e reuniões dentro dos conselhos, onde foi levantada essa dúvida. O
pessoal chama vulgarmente de pedalada (gastos para o orçamento do próximo ano).
Todo mundo já sabia da pedalada. A questão é: nós não temos gordura orçamentária
para ignorar a pedalada e simplesmente pagar. E é isso que estamos fazendo.
Poderíamos fazer isso, mas eu não aceito a pedalada. Vou reabrir os editais e
uma parte desse valor vai ter outro destino e, a outra que sobrar, vai
continuar.
Qual será a forma que o governo
vai encontrar para acabar com esse desgaste com a categoria artística?
Primeiro, a transparência do que
estamos fazendo. Precisamos explicar o seguinte: houve uma árvore envenenada,
que gerou dois frutos, que são legalmente questionáveis e estamos encerrando
isso aqui. É um ato administrativo normal, cancelar edital.
A que, então, se deve essa reação
forte da comunidade?
Porque se tinha uma expectativa de
muita gente que apresenta os projetos e achava que estava contemplada. O que é
natural. Mas, não há, do ponto de vista geral, um cancelamento da política e
nem um desvio da verba. Ela simplesmente vai rodar e nós vamos, inclusive, no
próximo edital, criar novos filtros, exatamente para não ter uma concentração,
para que haja um espraiamento, formando para que as pessoas passem pelas
barreiras. Nós entendemos a importância do FAC para a comunidade cultural, mas
as novas gestões, como em qualquer governo, vão deixar a sua marca e o legado e
vão estabelecer seus pontos de prioridades. No caso, a nossa é patrimônio,
porque está muito defasado. Se não tivesse tanto problema, poderia ter outro
clima. Então não posso ter um FAC rico e equipamentos caindo aos pedaços. Nos
60 anos da cidade, é inadmissível para o governador apresentar a cidade com a
principal casa de espetáculo da cidade fechada. Não entra na cabeça dele, nem
na minha, nem na de ninguém.
(*) Adriana Izel - José Carlos
Vieira – Foto: Zé Carlos Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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