O comandante da construção de Brasília
Brasília ainda era um descampado de
terra e mato no coração do Planalto Central, quando um grupo de japoneses chegou
à região, no final de 1956, com a pretensão de desenvolver no lugar, granjas e
pomares. Conhecidos pela habilidade no manejo da terra e especialistas em
assuntos agrários, os orientais olharam tudo e ficaram preocupados com a
aspereza e baixa fertilidade do solo. Um jornalista que acompanhava a turma
levou a questão a Israel Pinheiro – o primeiro presidente da Novacap e, também,
o primeiro prefeito de Brasília – que fulminou:
– Uai! Se fosse boa,
pra que japonês?!
Pouco tempo depois,
em agosto de 1957, o primeiro núcleo de imigrantes japoneses se instalaria no
DF. O episódio, exemplar, dá a medida certa da personalidade de um homem
prático e enérgico que foi determinante na realização do sonho de JK de
construir a nova capital do país. A ponto de todos aqueles que conhecem de
perto essa grande epopeia do Brasil moderno serem unânimes em dizer: sem Israel
Pinheiro, Brasília não existiria.
“Ele brigou com Lucio
Costa, com Oscar Niemeyer, com Bernardo Sayão, com tudo e todos, para cumprir a
promessa de inaugurar Brasília em 21 de abril de 1960”, lembra a jornalista
Conceição Freitas. Autora do livro “Bravos Candangos” e grande entusiasta da história
de nossa cidade, ela destaca o estilo severo e íntegro do pioneiro. “Foi o
feitor, o comandante, o manda-chuva, o executivo. Era duro, até onde se sabe
honesto, não gostava de jornalista e menos ainda dos muitos pedidos de
benevolências”, conta.
Honesto era mesmo.
Certa vez, um empresário da construção civil, bastante empolgado por ter
ganhado concorrência de uma obra na cidade, tentou lhe agradar com um
“presentinho”, ao que foi severamente repreendido. “O senhor me sai daqui e
leve esse embrulho para casa senão vai perder a concorrência”, esbravejou.
Pioneiro madrugador
Mineiro de Caeté, nascido no final do século 19, Israel Pinheiro era o braço direito de JK, “cabra” de confiança do presidente para assuntos de obras e política. Formado em engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto, com especialização em siderurgia, acalentava, junto com o chefe, o desejo de transferir a capital do país para o interior. Aliás, quando ambos eram deputados federais por Minas Gerais, nos anos 40 e 50, queriam e brigaram para vê-la cravada no Triângulo Mineiro. A ideia não vingou.
Mineiro de Caeté, nascido no final do século 19, Israel Pinheiro era o braço direito de JK, “cabra” de confiança do presidente para assuntos de obras e política. Formado em engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto, com especialização em siderurgia, acalentava, junto com o chefe, o desejo de transferir a capital do país para o interior. Aliás, quando ambos eram deputados federais por Minas Gerais, nos anos 40 e 50, queriam e brigaram para vê-la cravada no Triângulo Mineiro. A ideia não vingou.
“Meu filho, que sorte
nós tivemos, eu ter perdido aquela luta na Constituinte, que aqui é muito
melhor do que o Triângulo Mineiro”, confidenciaria, algum tempo depois, ao
filho, assim como o pai, também Israel Pinheiro.
Por sina, competência
ou espírito voluntário, antes e depois da construção da nova capital, Israel
Pinheiro habituou-se, na vida pública, a ser pioneiro em tudo. No início dos
anos 40, por exemplo, designado por Getúlio Vargas a constituir a Companhia Vale
do Rio Doce, seria o primeiro presidente da empresa.
Em Brasília, foi o
número um na construção da cidade e dos primeiros que aqui chegaram, fazendo
questão de pilotar, para cima e para baixo, uma Rural Willys que trazia
estampada em destaque, no para-brisa, papel colado com o algarismo 1. Natural
que fosse, dada às circunstâncias, o primeiro presidente da Novacap e, também,
o primeiro prefeito de Brasília.
“Dr. Israel foi um
dos primeiros a chegar a Brasília, se hospedando num dos quartos do Catetinho
com a (mulher) D. Coracy. Depois eles foram para a Granja do Ipê. Era muito
religioso e caseiro”, recorda o cearense Adirson Vasconcelos, que aqui chegou
em maio de 1957, com a missão de cobrir o início das obras da capital,
simbolizada pela Missa Campal, então realizada na Praça do Cruzeiro. Veio e
ficou. “Não era um homem fácil de lidar, de pouca conversa, quem nos salvava
era o Dr. Chagas, seu chefe de gabinete, um sujeito muito diplomático”, conta.
Incansável: Madrugador incansável, todos os dias, das 6h da manhã, às 20h da noite, era
visto correndo os canteiros de obras, dando ordens, checando, delegando serviço
aos milhares de trabalhadores que, em novembro de 1956, formavam um pequeno
batalhão de 232 homens, chegando a cerca de 3 mil operários, em 1957, com mais
de 200 máquinas correndo em ritmo frenético. Era temido e respeitado pela
“peaõzada”. Se existia uma coisa que Israel Pinheiro odiava era burocracia.
“Ele não parava. A
coisa mais rara de se ver era ele no escritório da Novacap, que na época, ficava
na Candangolândia”, volta no tempo, o jornalista pioneiro Adirson Vasconcelos.
Uma imagem clássica
dos primeiros dias de vida de Brasília, registradas pelo francês Jean Manzon,
que corre o mundo, é a de Israel Pinheiro e Juscelino Kubistchek perambulando
juntos por entre os primeiros prédios da Esplanada. Era uma prova, mais do que
concreta, de que Brasília estava acontecendo, o sonho se tornava realidade.
Devoto de Dom Bosco,
queria porque queria que o religioso, protagonista de uma das lendas mais famosas
em torno da criação da cidade, fosse o padroeiro de Brasília. Mas acontece que
Juscelino Kubistchek, outro religioso empedernido, tinha planos para Nossa
Senhora Aparecida. De qualquer forma, ergueu um santuário ao seu protetor,
onde, volta e meia, aparecia para lhe dar broncas.
“Quem me contou isso
foi o seu motorista. Um dia eles estavam na Ermida Dom Bosco e o escutou
ralhando duramente com o santo porque ele não tinha ajudado com o asfalto ou a
entrega de determinada obra. Coisas de Dr. Israel”, diverte-se Adirson
Vasconcelos.
Pioneiro subestimado: Mas há quem disse e diga que a história foi injusta com Israel Pinheiro,
relegando o grande comandante da construção de Brasília a mero papel de
coadjuvante entre os principais pioneiros dessa cidade modernista e
inspiradora. Oscar Niemeyer mesmo, “que vestiu as áreas e escalas traçadas por
Lucio Costa com sua arquitetura”, foi um dos que reclamaram o reconhecimento
devido ao amigo.
“Às vezes eu acho que
se fala pouco sobre o Israel Pinheiro. Ele foi importantíssimo. Sem ele,
Brasília não seria feita. Era um sujeito empreendedor, ativo, que se dedicou à
Brasília, inteiramente, honesto. Foi fantástico”, disse o arquiteto numa
entrevista à TV Senado.
O polêmico dramaturgo
e cronista Nelson Rodrigues também atesta a importância de Israel Pinheiro.
“Desde Brasília, foi talvez o homem público mais caluniado deste país. E o
dramático é que ele era, a um só tempo, célebre e desconhecido”, constatou numa
crônica publicada no jornal O Globo, um dia depois da morte de Israel Pinheiro,
em julho de 1973.
Reconhecido ou não,
lembrado ou esquecido, uma coisa Brasília e seus moradores, pioneiros ou
contemporâneos, jamais poderão e conseguirão fazer. Apagar da poeira vermelha
do cerrado os rastros deixados pelo homem que era sinônimo de trabalho e tanto
fez pela cidade.
Pioneiro de primeira ordem, Israel
Pinheiro, na condição de braço direito de JK, foi o primeiro presidente da
Novacap e primeiro prefeito da cidade.
Fotos: Arquivo Público