Quinto constitucional: até quando?
*Por » Magid Nauef Láuar
A
Anamages, em cumprimento à decisão da sua Diretoria e Conselhos, inaugurou no
ano passado a luta pela extinção do quinto constitucional, por entender que a
presença do desembargador classista nos tribunais em absolutamente nada
contribui com a melhoria da prestação jurisdicional. Também o fez para
exteriorizar o pensamento e a vontade da esmagadora maioria dos magistrados
brasileiros. Se poucas coisas são unânimes (ou quase unânimes) no Poder
Judiciário, a extinção do quinto constitucional é uma delas.
Quando a Anamages iniciou a campanha, inúmeros
integrantes do quinto constitucional se indignaram com o posicionamento, posto
que se sentiram ofendidos. Alguns, inclusive, se retiraram da associação como
forma de protesto. Outros atuaram em prejuízo de integrantes da diretoria da
Anamages, no que diz respeito a promoções. Houve ainda aqueles que penalizaram
sordidamente pessoas ligadas à instituição. Amizades de décadas foram
transformadas em inimizades.
Vale aqui um esclarecimento: a Anamages em nenhum
momento defendeu ou defende a aposentadoria compulsória e imediata dos atuais
integrantes do quinto, que ocupam 350 vagas nos tribunais de Justiça e nos
tribunais regionais federais. Porém, aqueles que se sentiram ofendidos e
praticaram atos menores e vingativos, vale dizer, não são merecedores do cargo
que ocupam, pois lhes faltam o elemento principal na formação do magistrado:
isenção. E esta não permite que sentimentos pessoais abracem decisões. É este o
requisito número um para expressar-se como verdadeiro magistrado.
Agora, vemos mais um escândalo envolvendo
desembargadores classistas. Recentemente, um ex-governador de um dos estados
mais importantes do Brasil, confessou participação em negociatas para a
nomeação de integrantes do quinto constitucional no Tribunal de Justiça do seu
estado. O ex-governador referido disse com todas as letras o que integrava as
negociações para nomeação do quinto constitucional, tendo ocorrido até mesmo,
segundo ele, pagamento de propina. Se é verdade ou não, as investigações o
dirão. Fato é que o espaço para tanto existe — e pode (e deve) deixar de
existir.
Em outro estado, há investigações da Polícia
Federal também no sentido de apurar falcatruas e negociatas com o então
governador envolvendo nomeação de integrante do quinto constitucional. Em um
terceiro, o desembargador classista é acusado de negociar cargos para parentes
em troca sabe-se lá de quê, pois, como dizem os americanos, não há almoço
grátis. Ou ainda em outro estado em que o nomeado havia sido reprovado em
diversos concursos públicos.
Os atuais magistrados classistas merecem o nosso
respeito, posto que a Constituição Republicana garante a legalidade de suas
atribuições. Porém, respeitá-los não significa se calar diante de práticas das
quais discordamos. Tampouco implica submeter eternamente o Poder Judiciário e a
sociedade brasileira a tais situações, mesmo porque, se o constituinte
originário assim o pretendesse, teria estabelecido cláusula pétrea para tal
assunto.
A Anamages levará à alta e criteriosa apreciação do
parlamento nacional as justificativas para exclusão do artigo 94 da
Constituição Federal. E os argumentos primários são, entre inúmeros outros: a
presença do quinto constitucional fere os princípios republicanos — por
tratar-se de reminiscência monárquica para premiar os amigos do rei — e também
lacera mortalmente as prerrogativas para aquisição do poder — eleição e
concurso público.
Sob outro aspecto, a presença do desembargador
classista tem facilitado a ocorrência de falcatruas e aberto espaço para um
nefasto comprometimento com o débito político. E, como é sabido, a conta vem.
É extremamente constrangedor assistir a um
ex-governador confessar negociatas envolvendo nomeações para um Tribunal de
Justiça. Como também é cacofônico ver integrantes do “quinto” pedirem emprego
para parentes.
Há de se perguntar, desde já: a extinção do quinto
resolverá os problemas do Poder Judiciário? Com certeza, não todos, mas
contribuirá para que alguns — que ferem mortalmente a integridade do Poder
Judiciário — deixem de existir. É necessário que a sociedade brasileira medite
sobre tal tema, para que aos poucos possamos construir um Poder Judiciário mais
próximo dos superiores interesses públicos.
É imprescindível que se evite que as nomeações do
quinto sejam objeto de negociações espúrias, ou seja, que o detentor do poder
negocie em proveito próprio o direito alheio e obtenha como resultado a
nomeação de alguém comprometido e devedor. Essa situação não pode mais ocorrer!
Temos que nos unir para contribuir com um verdadeiro basta a esse estado de
coisas.
Um ex-governador, um governador atual, um
presidente de Tribunal de Justiça não podem ser detentores de nomeações que
coloquem em risco a integridade do Poder Judiciário. E ao que temos assistido,
até não mais poder, é a nomeação de integrantes do quinto que colocam em risco
a verdadeira e honesta prestação jurisdicional. Enfim, devemos retornar à ideia
norteadora da República: Quer ser juiz, faça concurso!
(*) Magid Nauef Láuar - Juiz de direito, presidente da Associação
Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages)