Burle
Marx está em Nova York, e podia estar muito mais em Brasília. Desprezado pelos que construíram
a nova capital do Brasil, um dos mais importantes paisagistas modernos ocupa o
Jardim Botânico de NY (Por Conceição Freitas)
Não tivesse nascido humano, Roberto Burle Marx teria nascido planta. Olhe os seus
cabelos: são folhagens alegres ao vento. A envergadura é potente como a de uma
árvore e o sorriso, uma exuberante flor. O brasileiro nascido num casarão que
até hoje resiste na Avenida Paulista é um dos mais importantes paisagistas
modernos do planeta. Tanto assim que é motivo da maior exposição já feita no
Jardim Botânico de Nova York.
Em terras brasileiras, Burle Marx está para o
paisagismo como Lúcio Costa para o urbanismo e Oscar Niemeyer para
a arquitetura. Em Brasília, está para os jardins como Athos Bulcão está para os
painéis e os azulejos. Na história da cidade, está para além desses três; para
além até de Juscelino. Burle Marx participou dos primeiros estudos para a
mudança da capital para o interior do Brasil, antes mesmo da eleição de JK.
Brasília precisava, merecia e podia ter tido muito
mais Burle Marx. Tivessem Lúcio e Oscar atentados um pouco mais
para a escala humana, em especial nos espaços monumentais, a cidade seria um
pouco menos cruel com quem anda a pé e com quem gosta de ficar ombro a ombro
com gente de todo tipo, a toda hora.
Faltou-nos o jardim tropical e sobrou o gramado nu,
imitação do estilo inglês, como atentou Leandro Tocantins, historiador paraense
(1919/2004), em estudo sobre o paisagismo de Belém do Pará, mas que casa muito
bem com o que aconteceu com Brasília.
É imperdoável, mas faltou Burle Marx na Esplanada.
O paisagista projetou um grande parque para o canteiro central desde a
Rodoviária até o Congresso. “Era dividido em cinco grandes segmentos,
representando a flora das regiões do Brasil com suas plantas mais
características. Um grande lago cortaria todo o conjunto e este, em fundação da
diferença de nível, seria dividido em pequenas barragens de onde a água
desceria, para formar um verdadeiro véu e contribuir para melhorar
sensivelmente o microclima de seu entorno”, escreveu Roberto Kamp em Burle Marx
(2005). (Fotos: Palácio do Itamaraty - TCU - Praça dos Cristais - Teatro Nacional - SQS 308)
Não se sabe exatamente a razão pela qual o projeto Parque da Esplanada foi desprezado. Burle Marx e Lúcio Costa eram amigos. O primeiro projeto do paisagista foi para uma obra do arquiteto, a Casa Schwartz, no Rio de Janeiro (1932). O jardineiro moderno trouxe o cactus da caatinga para os jardins da casa. “A sua vida – escreveu Lúcio Costa – é um permanente processo de pesquisa e criação. A obra do botânico, do jardineiro, do paisagista, se alimenta da obra do artista plástico, do desenhista e vice-versa, num contínuo vaivém”.
Não se sabe exatamente a razão pela qual o projeto Parque da Esplanada foi desprezado. Burle Marx e Lúcio Costa eram amigos. O primeiro projeto do paisagista foi para uma obra do arquiteto, a Casa Schwartz, no Rio de Janeiro (1932). O jardineiro moderno trouxe o cactus da caatinga para os jardins da casa. “A sua vida – escreveu Lúcio Costa – é um permanente processo de pesquisa e criação. A obra do botânico, do jardineiro, do paisagista, se alimenta da obra do artista plástico, do desenhista e vice-versa, num contínuo vaivém”.
O homem de cabelos de árvore tomou gosto pelas
plantas vendo a babá, Anna Piaczec, cultivando verduras, legumes e flores na
Vila Fortunata, casarão de número 1919 da Avenida Paulista. Foi lá que Roberto
nasceu, em 1909. Duna, como os seis irmãos Marx a chamavam, era também preceptora
das crianças – austríaca, falava húngaro, eslovaco e servo-croata e, no Brasil,
aprendeu alemão e português, segundo Kamp.
Burle Marx já era um paisagista consagrado quando o
marechal José Pessoa o chamou para participar da Comissão de Localização da
Futura Capital do Brasil, no governo Café Filho. Ou seja, Burle Marx pôs as
mãos em Brasília antes mesmo que Juscelino, Lúcio e Oscar. É bem verdade que
ele andou faltando às reuniões, como o marechal Pessoa registrou em Nova
metrópole do Brasil. Como ele e os arquitetos Affonso Eduardo Reidy e Stelio de
Moraes não apareciam às convocações, Pessoa os substituiu. Tudo isso antes de Juscelino
ser eleito, empossado e tomar para si a construção da nova capital.
Só três anos após a inauguração de Brasília é que
Burle Marx reaparece para fazer os jardins da sede do Banco do Brasil (aquela
do Setor Bancário Sul que foi desativada) e da SQS 308. Depois, estaria no
Itamaraty, no Teatro Nacional, no Parque da Cidade (projeto originalmente seu,
mas que por ter sido muito desvirtuado, BM o renegou. Dele mesmo ficou a Praça
das Fontes).
Burle Marx também está no Teatro Nacional, no
Tribunal de Contas da União, no Palácio da Justiça, no Jaburu e na Praça dos
Cristais, no QG do Exército, obra pouco visitada e muito bem preservada.
Um jardim, dizia Burle Marx, “é um complexo de
estética e intenções plásticas; e a planta é, para um paisagista, não só uma
planta – rara, incomum, normal ou quase em extinção – mas é também uma cor, uma
forma, um volume ou arabesco em si mesma”.
A exposição no Jardim Botânico de NY fica até
setembro. São mais de 80 espécies tropicais, espetáculos musicais e até uma
lanchonete temporária chamada Merenda. No cardápio, caipirinha, caipirosca,
muito abacaxi, banana e manga e um inesperado churrasco brasiliense, o Brasília
Wkewers, com muçarela, abacaxi e pasta de marmelo (quince paste), por cinco
dólares. O marmelo talvez seja uma homenagem à marmelada de Santa Luzia, muito
famosa no século 19 e produzida artesanalmente até hoje nos arredores de
Brasília.
Por Conceição Freitas – Fotos: Rafaela Felicciano –
Felipe Menezes – Jacqueline Lisboa - Metrópoles