Rastro de pobreza do Lixão. Fechado há mais de um
ano, o aterro era fonte de renda de dezenas de famílias da Chácara Santa Luzia,
que seguem com dificuldades para sobreviver no bairro de estrutura precária.
Projeto da Codhab prevê construção de conjunto habitacional em 2020
Mãe de nove filhos, Eliete Dias
sobrevivia do lixão e está desempregada: "Sonho de ter minha própria
casa"
A cada dois dias, Edimilson Gomes
Nascimento, 54 anos, pedala mais de 2km em busca de água para a família.
Morador da Chácara Santa Luzia, na Estrutural, ele, a mulher e os cinco filhos
vivem sem saneamento básico em um barraco de madeira, no fim de uma rua
estreita de chão batido. O sol castiga, mas o homem não desiste de equilibrar
os 30 litros de água na bicicleta maltratada. “Essa é só para fazer comida. A
gente tem cisterna para tomar banho. Busco água na torneira do galpão, já que
aqui não tem”, desabafa.
Ex-catador, Edimilson está
desempregado desde janeiro de 2018, quando o Aterro do Jóquei, mais conhecido
como Lixão da Estrutural, fechou. “Espero conseguir trabalhar e ver meus filhos
se formarem.” A história dele é mais uma na comunidade que se mantinha pelo
maior depósito de lixo a céu aberto da América Latina.
Na Chácara Santa Luzia, as ruas,
de terra batida, acumulam poeira na época da seca e viram rios de lama em
tempos de chuva. Por estar em uma área de proteção ambiental, próxima ao Parque
Nacional de Brasília, a cidade não conta com distribuição legal de água,
energia ou saneamento básico. Na maioria das residências, há fossas para
escoamento do esgoto, e os outros recursos são adquiridos por ligações
irregulares. O transporte público não entra na região. Não há unidades de
saúde, batalhões de polícia ou escolas. Apesar disso, o crescimento desordenado
da população continua.
A Companhia de Desenvolvimento
Habitacional do Distrito Federal (Codhab) estima que 11 mil pessoas vivam nas
invasões do local. Mais de 90% das habitações estão em áreas irregulares. Muitos
dos moradores vieram de outras unidades da Federação procurar no Lixão uma
oportunidade de vida. Após o fechamento, muitos reclamam do desemprego. Alguns
migraram para cooperativas de lixo, porém, reclamam dos baixos salários. “No
Lixão, eu conseguia tirar até R$ 1 mil por semana. Nem almoçava. Fui trabalhar
em uma cooperativa e tirava menos de R$ 200 semanalmente. Hoje, vivo de bicos”,
relata Edimilson.
No início de 2018, 2 mil catadores
viviam do Lixão da Estrutural. Após o fechamento, cinco galpões de triagem de
lixo foram inaugurados para encaminhar esses trabalhadores, que, aos poucos,
começaram a assumir o emprego, apesar de reclamarem da redução de remuneração.
Hoje, dezenas de cooperativas
abriram as portas na Estrutural e em outras regiões administrativas. A Lei dos
Grandes Geradores impulsionou esse tipo de mercado na cidade. No entanto,
muitos catadores ainda vagam pelas ruas da capital em busca de material
reciclável. É o caso de Eliete Dias Soares, 45, moradora da Estrutural há 22
anos. Desempregada, ela conta que, na época do Lixão, conseguia R$ 500 por
semana. Atualmente, mãe de nove filhos, ela sobrevive de doações. A
piauiense, que era empregada doméstica, não teve a oportunidade de
estudar e acabou fugindo do emprego por conta de uma série de agressões. Morou
na rua, se casou, mas foi expulsa do lar pelo marido. No segundo casamento,
sofreu violência doméstica e uma tentativa de feminicídio.
Eliete mora com quatro filhos em
um barraco alugado por R$ 150 ao mês. “Tenho o sonho de ter minha própria casa,
para criar meus filhos e nunca mais morar de aluguel. Um trabalho também, para
eu dar uma vida digna a eles”, conta, emocionada, olhando para a filha caçula.
Novas habitações
Os moradores da Chácara Santa
Luzia poderão ser realocados nos próximos anos. Projeto criado pela Codhab,
batizado de Orla Santa Luzia, prevê a criação de 13,2km de casas lajeadas. A
ideia é construir 13 conjuntos, com 2.384 unidades habitacionais planejadas de
acordo com o tamanho das famílias. A média é de 45 metros quadrados por
apartamento.
O programa foi pensado na gestão
passada e a companhia garante que ele terá continuidade. O projeto contará com
sete unidades públicas, como postos de saúde e escolas. Tudo está orçado em R$
90 milhões, e as obras devem começar no primeiro semestre de 2020. A Codhab
adianta que os moradores passarão por filtro socioeconômico para avaliar quem
será beneficiado.
Professor do curso de arquitetura
da UnB, o pós-doutor em estruturas ambientais urbanas Luiz Alberto de Campos
Gouvêa discorda do projeto urbanístico proposto pelo governo. Segundo o
especialista, a região de Santa Luzia sempre teve dois grandes problemas: o
Lixão da Estrutural e a proximidade com as nascentes do Parque Nacional. “A
falta de saneamento básico e de descarte adequado do lixo produzido pela
comunidade pode afetar mananciais de água do parque, que abastecem grande parte
da população de Brasília. Existe um risco ambiental verdadeiro”, explica.
O administrador da Estrutural,
Germano Guedes, afirma que, desde o início da gestão, busca discutir com
diversos órgãos do GDF iniciativas para melhorar a vida dos habitantes de Santa
Luzia. Uma das propostas dos líderes da comunidade é adicionar chafarizes ou
até mesmo tambores para serem abastecidos com água potável do caminhão-pipa.
“No entanto, as ruas estreitas de Santa Luzia dificultam a passagem dos
caminhões”, afirma.
A Companhia de Saneamento
Ambiental do DF (Caesb) informa que aguarda a realocação dos moradores de Santa
Luzia ou a regularização da área para projetar e implementar as redes de água e
de esgotos na região, assim como a Companhia Energética de Brasília (CEB). A
Secretaria de Saúde esclarece que a Estrutural tem 100% de cobertura de
Estratégia de Saúde da Família, e o atendimento na atenção primária é feito nas
unidades básicas de saúde da região.
A Secretaria de Educação afirma
não ter dados específicos da região de Santa Luzia, mas reforça que a
Estrutural conta com seis unidades escolares da rede pública de ensino, que
atendem 5.817 estudantes do ensino regular. Além disso, duas creches, geridas
por instituições parceiras, atendem 275 crianças de 0 a 3 anos. Em relação ao
transporte, o DFTrans respondeu que lançou, na última quinta-feira, uma nova
linha de ônibus para os moradores da região, que tem como destino final a
Rodoviária do Plano Piloto.
Responsabilidade pelo próprio lixo
Aprovada em 2016, a
legislação prevê que comércios, restaurantes, terminais rodoviários e
aeroportuários, além de órgãos públicos, façam destinação final do próprio
lixo. Desde o início de 2018, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) parou de
recolher os resíduos de quem produzisse mais de 120 litros por dia. Com a
medida, cooperativas focadas no transporte dos rejeitos passaram a crescer e
fazer o recolhimento.
Por Fernanda Bastos* – * (Estagiária sob supervisão de Mariana
Niederauer)- Walder Galvão - Fotos: C.B/D.A.Press – Blog
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