O colapso da Rodoviária
*Por Severino Francisco
Como se sabe, eu sou um usuário. Não disso que
vocês estão pensando, mas do transporte público de Brasília. Quase todos os
dias, passo pela Rodoviária. Assisti a muitos acontecimentos engraçados,
dramáticos e insólitos. Vi performances de palhaços que são verdadeiros
artistas dentro dos ônibus: “Eu te conheço de algum lugar. Ah, já sei, é da
penitenciária. É do tempo em que passei na Papuda”.
Certa vez, me deparei com 10 sujeitos espancando um
e chamei a polícia. Em outra, quando pensava que Brasília não tinha carnaval,
ao descer do ônibus, trombei com um grupo que tocava os clássicos da folia. O
trombone dizia: “Ô abre-alas ,que eu quero passar”. E a clarineta respondeu:
“Eu sou da Lira não posso negar”.
Mas, depois do desabamento do viaduto próximo à Feira
dos Estados, do susto com a Ponte JK e dos relatórios sobre a vulnerabilidade
de outros equipamentos públicos do Plano Piloto, o alerta foi ligado. Não é
preciso ser engenheiro ou técnico para saber que os equipamentos públicos do
Plano Piloto estão com prazo de validade vencido.
Por isso, não surpreende que os técnicos da Novacap
tenham detectado infiltração, corrosão e fissuras que poderiam provocar o
colapso estrutural no espaço onde passa um fluxo de 700 mil pessoas. Se isso
ocorresse, a tragédia seria de grandes proporções.
O descaso com a estrutura física é sinal de um
desapreço maior com toda a região central do Plano Piloto. Aquele setor,
concebido com muito desvelo por Lucio Costa, encontra-se totalmente depreciado.
O Conic sobrevive apenas pela garra e tenacidade dos alunos da Faculdade
Dulcina, que se mobilizaram, promoveram um movimento e fizeram uma ocupação
cultural do espaço.
A Rodoviária passa por um processo de degradação há
muito tempo. Com o descaso, se viu ameaçada pela criminalidade e tornou-se um
lugar muito inseguro, principalmente à noite. A Rodoviária merecia um
tratamento digno de sua relevância. É, ao lado da Torre de TV, o único projeto
arquitetônico do criador de Brasília, Lucio Costa.
No livro O risco — Lucio Costa e a utopia moderna,
que reúne depoimentos do filme de Geraldo Motta Filho, sobre Lucio Costa, o
arquiteto Ciro Pirondi afirma que o vazio de Diamantina foi a grande inspiração
do urbanista criador de Brasília. E a Rodoviária seria a concretização desse
pensamento. “É um exemplar único, maravilhoso. Ali, ele fez o que todo
arquiteto deseja fazer: o não edifício”.
Pirondi comenta: é uma aula de como realizar um
edifício resolvendo toda a articulação da cidade: ora some, ora aparece, e você
chega sem saber que chegou: “Assim é a rodoviária, por isso ele fez tanta
questão de desenhá-la - é um projeto seu. Não queria uma obra que fosse 'o
edifício', competindo com as edificações belas ali ao lado — a Catedral, o
Teatro Nacional, ou o próprio Eixo Monumental, que faz a linha transversal e
longitudinal da cidade. Ela é uma permanente fonte de inspiração para nós”.
(*) Severino Francisco – Colunista do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google
(*) Severino Francisco – Colunista do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google
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