Hélio Telho, Procurador da República em Goiás
Integrantes do MP
dizem que a proposta de punição por abuso de autoridade é um duro golpe contra
o combate à corrupção. Em que ponto atrapalha?
O projeto tinha
muita coisa ruim, que havia sido aprovada na Câmara, que o Senado tirou, mas a
Câmara pode ressuscitar, como, por exemplo, criar condições para que
investigados, réus, ONGs ligadas a eles, seus advogados e até a OAB possam
processar criminalmente juízes e promotores sob alegação de que abusaram da
autoridade. Além do mais, o projeto alarga o conceito do que seja abuso de
autoridade, sem definir parâmetros objetivos. Isso permite, na prática, que a
nova lei seja utilizada como um instrumento de vingança dos réus ou para
intimidar juízes e promotores, para se protegerem contra operações como a
Lava-Jato.
E a chamada Lei da
Mordaça?
O Senado não
rejeitou tudo de ruim do projeto que veio da Câmara. Ao contrário, aprovou a
lei da mordaça, que já havia sido tentada antes sem sucesso por Paulo Maluf e
por Renan Calheiros, mas sempre rejeitada. Essa lei é um “cala a boca” para
juízes e promotores que cerceia o direito do cidadão de acesso à informação
pública e, também, prejudica a liberdade de imprensa, que não conseguirá mais
realizar entrevistas ou receber notas ou declarações dessas autoridades. Só o
advogado dos réus é que poderá falar à vontade o que quiser, sem que seja
rebatido ou contestado pelo promotor. Por exemplo, decisões como a que concedeu
férias em um cassino de Aruba para o senador que cumpre pena não poderão
mais ser criticadas publicamente por juízes e promotores, sob pena de serem
punidos criminalmente.
A aprovação agora
no Senado está relacionada ao conteúdo das conversas entre Moro e integrantes
da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba?
A publicação das
conversas atribuídas a membros do MP e do então juiz da Lava-Jato criou um
ambiente político favorável aos que haviam sido alvos da operação, que são
pessoas poderosas e influentes, que se aproveitaram da situação para convencer
o Senado. Foi um espasmo anti-Lava-Jato. Temos que reconhecer, contudo, que o
projeto aprovado pelo Senado é bem menos ruim do que quando veio da Câmara, o
que pode ser atribuído à maior renovação política que o Senado sofreu nas
últimas eleições.
Qual é a sua
opinião sobre o episódio? Moro mandava nos procuradores?
Sobre a publicação
dos fragmentos de diálogos atribuídos a procuradores e ao juiz da Lava-Jato, em
primeiro lugar, houve violação criminosa de conversas privadas. Em segundo
lugar, não há nenhuma garantia de que esses diálogos são autênticos e que não
sofreram qualquer adulteração, supressão, enxerto ou edição, em algum momento,
seja por quem acessou indevidamente as contas do Telegram, seja por quem os
repassou ao site que os divulgou, seja pela própria editoria do site, exceto a
palavra dos jornalistas que assinam as matérias. Em terceiro lugar, as
divulgações de trechos pinçados aleatoriamente, fora do seu contexto original,
permitem manipulações do real sentido do que foi dito, deturpando o que foi de
fato falado, conduzindo a conclusões divorciadas da verdade. Ou seja, não é
informação, é desinformação. Veja essa desinformação de que Moro mandava nos
procuradores. Isso é uma mentira deslavada. Pinçaram um trecho de diálogos e
publicaram fora de todo o contexto, o que conduziu a uma conclusão falsa.
Aliás, esse episódio está cheio de desinformação graças ao mau vezo de se
pinçar trechos e publicar frases fora do contexto, apenas para render escândalo
e com isso atrair audiência ou atender a interesses, sem preocupação com a
apuração dos fatos e a investigação das circunstâncias.
Acredita que houve
um vazamento do próprio MP, sem ter envolvido um hacker?
Não houve
vazamento interno. Houve invasão e furto de dados. Vazamento interno explicaria
a divulgação de mensagens havidas em grupos do Telegram. Porém, vazaram
diálogos atribuídos a conversas entre apenas duas pessoas, de modo que só uma
delas é que poderia ter vazado em prejuízo próprio. Não é verossímil.
Acha que o
presidente Jair Bolsonaro vai respeitar a lista tríplice para a PGR?
O presidente não é
obrigado a respeitar a lista. Mas, como político que é, não vai simplesmente
ignorá-la. Vai levar em consideração a vontade majoritária da classe, que, como
das outras vezes, ofereceu nomes extremamente preparados, ponderados,
experientes, com amplo conhecimento sobre as carreiras e o funcionamento do
Ministério Público e sobre o seu papel constitucional. Creio que o presidente
vai procurar conhecer cada um dos três, analisará seus currículos, suas
histórias na carreira, seus modos particulares de ver as coisas e se decidirá
por um deles, não por imposição, nem por se curvar à vontade da classe, mas por
compreender a sua importância institucional e a necessidade de dar ao país
um(a) procurador(a)-geral da República que seja reconhecido e aceito pelos seus
pares como uma verdadeira e natural liderança.
Se a
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, for reconduzida, haverá uma
reação forte na classe?
Raquel Dodge
sempre foi uma liderança respeitada e destacada do MPF. Porém, sua gestão à
frente da PGR decepcionou parte significativa da classe, que hoje não a vê mais
como a liderança de antes. E ela sabe disso, tanto que não se candidatou à
lista tríplice, embora já tivesse disputado e recebido ótimas votações em
eleições internas anteriores ao longo de sua notável carreira, tanto para o
Conselho Superior, quanto para a vaga do MP no STJ, e mesmo para a PGR. Raquel
pressentiu que teria votação decepcionante, que poderia sepultar o desejo de
ser reconduzida e preferiu correr por fora. Os membros do MP possuem garantia
de independência funcional prevista na Constituição. O PGR não dá ordens ou
instruções para os procuradores. Sua força perante seus pares não está no poder
hierárquico, que não possui, mas na liderança que exerce sobre eles, na
sua capacidade de influenciá-los. Qualquer PGR que não seja reconhecido pelos
pares como uma liderança natural a ser seguida não conseguirá promover a
unidade da instituição e terá grandes dificuldades de conduzir o Ministério
Público, o que é ruim para o país.
Ana Maria Campos – Coluna “Eixo Capital” – Correio
Braziliense
Tags
À QUEIMA-ROUPA