O preço do progresso a qualquer
custo
*Por Circe Cunha
Conciliar o que chamam de
desenvolvimento econômico com preservação do meio ambiente tem sido, desde
sempre, uma grande dor de cabeça para muitos governos em muitos lugares do
planeta. Anteriormente, quando os cuidados com o patrimônio ambiental ainda eram
obra de ficção, principalmente no pós-guerra. No Brasil, quando se verificou a
necessidade de implantação de um polo industrial no Brasil, a questão da
conservação da flora e fauna, simplesmente inexistia. A ordem era expandir e
abrir fronteiras, tudo se justificava em nome do progresso.
Fôssemos obedecer às cartilhas que
defendem a conservação e o respeito ao meio ambiente, Brasília não teria saído
do papel, tamanhas foram as interferências impostas à geografia local e do
entorno para o assentamento da capital. Apenas para o preparo necessário à
acomodação do Plano Piloto, sobretudo a área central, milhões de metros cúbicos
de terras foram movimentados, rios soterrados, veredas extintas, animais
expulsos, espécies raras e desconhecidas simplesmente descartadas. Não havia
consciência científica sobre a importância dessa riqueza natural, tratada como
campos sujos. Ainda hoje, há quem diga “limpar o terreno” quando se quer
retirar as árvores.
Obviamente, o custo ambiental para
a consolidação da capital não pode ser aferido com a régua e com o conhecimento
que temos. Aprendemos com os erros e com os exageros nesses erros. O que não se
pode mais tolerar é o cometimento dos mesmos erros, tendo como justificativa
apenas o desenvolvimento econômico a qualquer preço. Bem sabemos que existem
indivíduos e poderosos grupos de pressão que enxergam no meio ambiente um
obstáculo ao desenvolvimento. Estudos sérios, realizados por especialistas
respeitados e sob a lupa da ética no ofício, apontam o caminho do meio entre a
preservação e o progresso.
Esse conhecimento precioso, somado
ao acolhimento das opiniões das comunidades locais, é capaz de dar uma
cobertura justa e legal aos empreendimentos e ao avanço inevitável do que
chamamos progresso. Assim, tendo em vista a ânsia demonstrada pelo atual
governo, em dar andamento acelerado a muitas obras de infraestrutura pelo país
afora, todo o cuidado é pouco, principalmente quando se verifica o poderio do
lobby que se escondem por trás de muitas propostas de flexibilização de regras
e leis ambientais.
Nesse sentido, chama a atenção o
Projeto de Lei nº 3 729/04, criando a Lei Geral de Licenciamento Ambiental que
vem sendo atualizada dentro do Congresso Nacional. Entre outras alterações, o
PL prevê isentar de licenciamento melhorias, modernização e ampliação em obras
preexistentes. Para alguns especialistas, essa medida poderá representar um
cheque em branco para todo o setor de infraestrutura, possibilitando não só
reformas, mas obras completas.
No texto está previsto ainda isenção
de licenciamento ambiental para as atividades rurais, bem de acordo com o
desejo da bancada ruralista. Outra preocupação muito séria é com a pretensão
demonstrada agora pelo governo Bolsonaro em reduzir mais de 60 unidades de
conservação ambiental do país, de modo a retirar o que chama de interferências
com estruturas existentes, para, segundo diz, conferir segurança jurídica para
os empreendimentos, sejam eles públicos, sejam concedidos à iniciativa privada.
O que se comenta é que o
Ministério do Meio Ambiente que, na prática, deveria lutar pela preservação do
nosso patrimônio natural, prepara um documento para fazer uma revisão geral em
todas as 334 unidades de conservação federais existentes no país, de forma a
integrá-las às novas propostas de desenvolvimento.
Nessa balança sensível em que o
meio ambiente nacional é colocado ao lado das vantagens do progresso, o que
parece pesar mais nesses atropelos burocráticos é o desejo político do governo
em cumprir uma agenda que, cada vez mais, se parece com um passado que
acreditávamos ter deixado para trás.
****
A frase que foi pronunciada
“A terra deve ser tratada com
ternura, para não lhe causar feridas, para não arruinar a obra que saiu das
mãos do Criador. Quando isso não acontece, a terra deixa de ser fonte de vida
para a família humana. E isso é o que acontece em não poucas regiões do nosso
planeta, onde a água está contaminada, o lixo se acumula, a deflorestação
avança, o ar está viciado e o solo acidificado.” (Papa Francisco)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto,
Lido, e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog -
Google
Tags
ÁGUA E MEIO AMBIENTE