Saiba o que são as escalas que definem a identidade urbana de Brasília,
tem as quatro escalas urbanas: a escala monumental, a residencial, a gregária e
a bucólica. Nelas não se pode mexer - (Por Conceição Freitas)
É outra a medida das coisas e dos corpos nesta cidade que nos abriga. É uma medida
cristalizada em volumes e vazios que não podem ser alterados, a menos que um
maluco – e eles estão à solta – decida desobedecer às leis que protegem o
tombamento do Plano Piloto.
Se o Rio
tem o mar e as montanhas, Brasília tem as
quatro escalas urbanas, os quatro modos de ocupar o espaço acima do chão e
abaixo do céu. São elas: a escala monumental, a residencial, a gregária e a
bucólica. Nelas não se pode mexer, caso se queira respeitar a lei e a condição
de patrimônio da humanidade.
(Quando
da conquista do título, a Unesco considerou Brasília um dos maiores feitos da
história do urbanismo).
Para
começar do começo e de um modo bem simplificado, em urbanismo/arquitetura
escala é a proporção do corpo humano em relação ao espaço, seja ele construído
ou não. É uma medida objetiva, mensurável, mas não apenas. Ela é influenciada
pela cultura, pelo modo como o ser humano lida com a natureza, as divindades e
as cidades de seu tempo.
Lucio
Costa diz
isso muito bem: “[…] a chamada escala humana é coisa relativa. Um italiano da
Renascença, por exemplo, se sentiria diminuído se a porta de sua casa tivesse
menos de cinco metros de altura”. A citação é do arquiteto Matheus Gorovitz em
Brasília, uma questão de escala, página 53.
A palavra
“escala”, tão presente no vocabulário brasiliense-apaixonado, não aparece no
Memorial Descritivo do plano-piloto de Brasília, (plano-piloto em caixa baixa e
com hífen, porque àquela altura não era nome de um bairro, era um substantivo
comum).
É como se
o criador só nomeasse as partes substantivas da criação depois de tê-las
criado. Elas estavam lá, existiam como realidade, mas não haviam sido nomeadas.
Então, eram a alma ainda não revelada de Brasília.
Até onde
se sabe, Lucio Costa só deu nome à coisa em 1961, numa preciosa entrevista ao
repórter Omar Abbud, do Jornal do Brasil, publicada em 8 de novembro.
Lá, ele diz: “É o jogo das
três escalas que vai caracterizar e dar sentido a Brasília. A escala
residencial ou cotidiana; a dita escala monumental, em que o homem adquire
dimensão coletiva, a expressão urbanística desse novo conceito de nobreza.
Finalmente, a escala gregária, onde as dimensões e o espaço são deliberadamente
reduzidos e concentrados a fim de criar clima propício ao agrupamento.
Poderemos ainda acrescentar mais uma quarta escala, a escala bucólica das áreas
abertas destinadas a fins de semana lacustres ou campestres.”
Estava
nomeada a alma da cidade: quatro escalas que compõem um só corpo.
A escala
monumental e a residencial são fáceis de identificar: a Esplanada dos
Ministérios e as superquadras, respectivamente. As outras duas, a gregária e a
bucólica, são as que nos juntam numa convivência coletiva (ou pelo menos
deveriam fazê-lo).
A
gregária: o setores Comercial, Bancário, de Autarquias, Hospitalar e a
Rodoviária, mistura de arquitetura e urbanismo, de estrada e edifício, de
comércio e rua. É ela, a Rodô do Plano, que faz a ponte
Plano-Piloto/cidades-satélites.
A
bucólica: os parques, as áreas verdes, o lago, os gramados, o espraiamento às
vezes telúrico, não poucas vezes divino, e muitas vezes desumano. Extensos
vazios que nos proíbem de ter contato mais próximo com gente de todo o tipo, a
toda hora, em qualquer lugar.
Quando
Lucio Costa nomeou e distinguiu as quatro escalas, deu a deixa que seria
fundamental para que Brasília conquistasse o título de patrimônio da
humanidade. Era a primeira cidade moderna a ser tombada – e como tombar uma
cidade, que é um corpo essencialmente vívido, mutante, que vai se sedimentando
no tempo? Era o mesmo que a transformar numa ruína sem destroços. Decidiu-se,
então, tombar as escalas, ou seja, proteger o volume dos edifícios, a proporção
entre eles, os espaços vazios, a alma da identidade urbana brasiliense.
A alma de Brasília está no corpo de Brasília.
Por Conceição Freitas – Arte: Cristiano Gomes -
Metrópoles