Daniel Alves, capitão do time e
eleito o melhor jogador do torneio, ergue a taça e agradece à torcida: Eles se
conectaram com a gente. A gente só queria construir algo com eles
*Por
Marcos Paulo Lima
A nona sinfonia de
Bach(i). Mesmo com partitura desafinada nos seis concertos durante a
competição, maestro Tite brinda o Brasil com o título em dia de peripécias do
spalla: Gabriel Jesus tem noite de Mané, Fenômeno e (quase) vilão
Rio de Janeiro — O Brasil tem nove sinfonias na história da Copa América. A nona partitura foi escrita ontem por um treinador que tem sobrenome parecido com o de um compositor alemão famoso — Adenor Leonardo Bachi —, com um futebol desafinado ao longo das seis apresentações, mas suficientemente ajustado para derrotar o Peru por 3 x 1. A obra foi finalizada com um jogador a menos desde os 24 minutos do segundo tempo no Maracanã e os gritos de “O campeão voltou”, de uma plateia de 69.906 torcedores presentes no ex-maior do mundo, o Maracanã.
O spalla de
Tite no último concerto do nono título (o quinto em cinco disputas no Brasil)
curiosamente veste a camisa 9. Aos 22 anos, Gabriel Fernando de Jesus fez de
tudo um pouco no primeiro título da Seleção sem Neymar, desde que o jogador
cortado da Copa América por uma lesão no tornozelo estreou com a amarelinha, em
2010. Da tribuna de honra, o camisa 10 viu Jesus operar milagres.
No primeiro
tempo, incorporou aquele Mané Garrincha: humilhou dois marcadores e cruzou na
medida para Everton “Cebolinha” abrir o placar. O drible desconcertante
implodiu o sistema defensivo da seleção do Peru, bem mais organizado do que na
derrota por 5 x 0 na Arena Corinthians, pela última rodada da fase de grupos.
Pilhado,
Gabriel Jesus não quis saber de perder dividida. Acertou uma solada em Yotún e
recebeu cartão amarelo. Enquanto isso, do outro lado, Paolo Guerrero desafiava
o brasileiro a uma prova dos nove. Flores cruzou a bola para a área e ela tocou
no braço do zagueiro Thiago Silva. O árbitro chileno Roberto Tobar revisou o
lance com o auxílio do VAR, mas manteve a decisão original. Guerrero bateu no
canto esquerdo e deslocou Alisson. O primeiro gol sofrido pela Seleção impediu
o time de Tite de igualar o recorde do Uruguai (1917 e 1987) e da Colômbia
(2001), campeões do torneio continental sem sofrer gol.
Jesus voltou à
cena no último lance da etapa inicial. Roberto Firmino agiu como carregador de
piano. Roubou a bola e acionou o versátil Arthur. O volante deu assistência
para o camisa 9 na meia lua. Foi a vez de Jesus incorporar o Fenômeno. Com a
tranquilidade de Ronaldo, arrematou no canto direito do carrasco Gallese — que
havia defendido pênalti cobrado pelo camisa 9 nos 5 x 0 do Itaquerão.
O outro lado
O questionado
9 de Tite reinventado como ponta-direita era o nome do jogo. Depois de passar
em branco nos cinco jogos do Mundial da Rússia e em quatro partidas desta Copa
América no tempo normal, o menino Jesus finalmente atingia a maioridade. Depois
de assumir a responsabilidade contra a Argentina, fazia o mesmo contra o Peru
no estádio em que ele se sente bem. Em 2016, conquistou a inédita medalha de
ouro nos Jogos Olímpicos do Rio-2016 brilhando na semifinal contra Honduras.
Mas Bachi
injetou adrenalina demais no spalla. Gabriel Jesus recebeu cartão vermelho ao
cometer falta dura em Tapia. Saiu de campo gesticulando que o árbitro estava
“roubando” o Brasil e pode ser punido severamente pela Conmebol para o início
das Eliminatórias da Copa-2022. Quando caiu em si, desabou a chorar nos degraus
do vestiário. Sentiu o peso do erro. Depois, pediu desculpas. “Agora, com a
cabeça mais fria, espero que entenda, acabei extrapolando um pouco. Foi um
momento em que teve muitos sentimentos.”
Para sorte
dele, Tite acionou um “pombo” para devolver a paz a Jesus. Endiabrado, Everton
“Cebolinha” não quis saber se o Brasil estava com 10 jogadores, peitou a defesa
do Peru e sofreu pênalti. Richarlison — que deixou o time por causa de uma
caxumba, sarou e voltou para a final — aguardou o juiz revisar o lance. O
jogador do Everton, da Inglaterra, bateu com segurança e derrubou Gallese. O
goleiro havia defendido cobranças de Gabriel Jesus, Luis Suárez e Vargas.
A nona
sinfonia de Adenor Leonardo Bachi estava consumada. Crucificado em duas
competições oficiais, Jesus escapou do terceiro calvário. Daniel Alves, eleito
o melhor jogador da Copa América, ergueu a taça. Coadjuvantes do capitão e
camisa 13 — número da sorte do velho Lobo Zagallo —, Alisson e Everton
ganharam, respectivamente, os prêmios de melhor goleiro e artilheiro.
Messi
Tite, na
coletiva, entrou com a mulher, filhos, noras e dois netos. Falou da importância
da família, do time, da arbitragem e até de Lionel Messi — que criticou
árbitros e a organização da Copa América. “Aquele que reputei como
extraterrestre depois da vitória sobre a Argentina precisa ter um pouco mais de
respeito e aceitar quando é vencido. Ele botou pressão muito grande pela
grandeza que tem”, discursou o treinador. “Ele sofreu três faltas contra nós.
Jogamos limpo. Eu quero entender como exceção. Messi não deveria ter sido
expulso. Tivemos que passar por cima da arbitragem contra o Peru”, concluiu.
Da amnésia ao
desabafo
Rio de Janeiro
— Autor do terceiro gol da vitória do Brasil sobre o Peru na conquista da Copa
América, Richarlison, o “Pombo”, roubou a cena na zona mista ao revelar a quem
dedicava a cobrança que decretou o triunfo verde-amarelo por 3 x 1 no Maracanã.
Isolado do elenco depois de pegar caxumba, o atacante saiu do banco de reservas
com uma ideia fixa.
“Se eu fizesse
um gol, iria dedicar à minha bisavó, que está com 87 anos. Um beijo para minha
bisavó, que Deus a ilumine. Ela perdeu meu bisavô há pouco tempo. Quero mandar
um beijo para a minha família e para todo mundo de Espírito Santo”, celebrou.
Convidado a informar o nome da bisavó, Richarlison surpreendeu. “Acabei esquecendo.
É muita emoção. O importante é fazer o gol para ela”, respondeu em entrevista
ao SporTV.
Bicampeão da
Copa América (2007 e 2019), Daniel Alves atingiu a marca de 40 títulos na
carreira — o quarto com a amarelinha. Além de duas Copas América, conquistou
duas Copas das Confederações, em 2009 e 2013. Marcado pelas eliminações no
Mundial em 2010, 2014 e 2018, o “Capitão América” desabafou. “Quero agradecer
aos torcedores. Eles se conectaram com a gente. É muito especial. A gente só
queria construir algo com eles. É muito bom dar um grande presente pra eles, e
a gente deu para eles”, comemorou ainda no gramado.
Memória
- Maestros do enea (9)
1919 — Haroldo
Domingues
1922 — Arthur
Antunes de
Moraes “Laís”
1949 — Flávio
Costa
1989 —
Sebastião Lazaroni
1997 — Zagallo
1999 —
Vanderlei Luxemburgo
2004 — Carlos
Alberto Parreira
2007 — Dunga
2019 — Adenor
Leonardo Bachi (Tite)
Análise da notícia
- Futebol de resultado
Um ano e um
dia depois da eliminação contra a Bélgica nas quartas de final do Mundial da
Rússia, o título alivia, mas não tira o peso daquele fracasso. O futebol da
Seleção piorou na Copa América. O título chega com empate diante da Venezuela,
classificação nos pênaltis contra o Paraguai, triunfo sofrido contra uma
desmantelada Argentina que só jogou bem contra o Brasil e o Chile nesta Copa
América e sustos, muitos sustos diante do Peru. Se há algo positivo, é a
conquista do título sem Neymar. Gabriel Jesus deu sinais de amadurecimento.
Roberto Firmino, como sempre, jogou para o time. Everton “Cebolinha” é a
descoberta do torneio e Alex Sandro pavimentou o caminho para ser o dono da
camisa 6 no Catar em 2022. A outra certeza é de que temos goleiro. Se não fosse
Alisson contra o Paraguai e a Argentina... (MPL)
(*) Marcos Paulo Lima – Fotos: Ed
Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense