"Falsos
escândalos não me farão desistir", diz Sérgio Moro ao Correio. Na berlinda
por causa das mensagens vazadas dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato
que indicam suposto direcionamento, ministro da Justiça garante que não vai
entregar o cargo, se reconhece em alguns diálogos, mas diz que ato contra a
investigação é revanchismo
"Pode ter mensagens que
tenham ocorrido. Aquela mensagem: 'Confio no ministro do Supremo'. Qual é o
problema? Problema nenhum. Mas eu não tenho esse material"
O
ministro da Justiça, Sérgio Moro, 46 anos, atribui o vazamento de mensagens da
força-tarefa da Lava-Jato a um revanchismo combinado com a tentativa de anular
condenações e impedir novas investigações. “Muita gente teve os interesses
contrariados, pessoas poderosas que se envolveram em corrupção”, disse o
ex-juiz em entrevista exclusiva ao Correio.
Mesmo na berlinda a partir das críticas de eventual direcionamento eleitoral-partidário da Lava-Jato, o ex-juiz rejeita qualquer possibilidade de deixar o cargo de ministro: “Falsos escândalos não me farão desistir dessa missão”.
Ao todo, foram 70 minutos de conversa, divididos em duas partes. A primeira ocorreu na tarde da última quinta-feira, no quarto andar do Ministério da Justiça, e levou cerca de uma hora. A segunda se deu por telefone, na sexta-feira. “As mensagens foram obtidas por hackers criminosos, podem ter sido adulteradas total ou parcialmente e não foram publicadas a partir do contexto delas.”
Questionado se não se reconhece nas gravações, Moro disse: “Podem ter mensagens que tenham ocorrido. Aquela mensagem: ‘Confio no ministro do Supremo’. Qual é o problema em falar nisso? Nenhum”, considerou. “Mas pode ter uma mexida numa palavra, na própria identificação e na atribuição dessas mensagens. Eu não tenho esse material.”
Em um dos trechos da entrevista, Moro fala sobre as denúncias envolvendo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. “A PF está apurando os fatos e deve chegar a conclusões. E à medida que estão sendo feitas as diligências, (elas) estão sendo informadas ao presidente.” Depois de entrevista de Jair Bolsonaro em que ele falava que teve acesso à investigação — que é sigilosa — uma controvérsia foi instalada. O Ministério da Justiça, em nota, garante que o que foi repassado ao presidente é de conhecimento público.
Mesmo na berlinda a partir das críticas de eventual direcionamento eleitoral-partidário da Lava-Jato, o ex-juiz rejeita qualquer possibilidade de deixar o cargo de ministro: “Falsos escândalos não me farão desistir dessa missão”.
Ao todo, foram 70 minutos de conversa, divididos em duas partes. A primeira ocorreu na tarde da última quinta-feira, no quarto andar do Ministério da Justiça, e levou cerca de uma hora. A segunda se deu por telefone, na sexta-feira. “As mensagens foram obtidas por hackers criminosos, podem ter sido adulteradas total ou parcialmente e não foram publicadas a partir do contexto delas.”
Questionado se não se reconhece nas gravações, Moro disse: “Podem ter mensagens que tenham ocorrido. Aquela mensagem: ‘Confio no ministro do Supremo’. Qual é o problema em falar nisso? Nenhum”, considerou. “Mas pode ter uma mexida numa palavra, na própria identificação e na atribuição dessas mensagens. Eu não tenho esse material.”
Em um dos trechos da entrevista, Moro fala sobre as denúncias envolvendo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. “A PF está apurando os fatos e deve chegar a conclusões. E à medida que estão sendo feitas as diligências, (elas) estão sendo informadas ao presidente.” Depois de entrevista de Jair Bolsonaro em que ele falava que teve acesso à investigação — que é sigilosa — uma controvérsia foi instalada. O Ministério da Justiça, em nota, garante que o que foi repassado ao presidente é de conhecimento público.
Super-herói: Nas
manifestações pró-governo Bolsonaro, um boneco inflável de Moro como o
Super-Homem é colocado na frente do Congresso. “Eu sempre refutei esse rótulo
de herói ou protagonista. Sempre destaquei que o mais relevante da Lava-Jato é
a verificação de um amadurecimento das instituições.” Se rejeita a comparação
com o Super-Homem, Moro cita um personagem de Star Wars ao falar sobre o futuro,
caso não se torne candidato ao Planalto ou ministro do Supremo: “Faria que nem
o Luke Skywalker. Sumiria por 20 anos e voltaria no episódio 8.” (Vídeo)
Em algum momento, o senhor pensou
em deixar o cargo depois da revelação das trocas de mensagens da força tarefa
da Lava-Jato?
Achei que
esse revanchismo da Lava-Jato tinha se encerrado. Aqui (no ministério) tenho um
trabalho e uma missão a ser cumprida, que é consolidar os avanços sobre o
combate à corrupção e ao crime organizado. Não vai ser por causa de falsos
escândalos que vou desistir dessa missão.
Há forças tentando derrubá-lo?
Em relação ao hackeamento, o responsável tem interesse principal de impedir novas investigações e anular condenações. Não sei se o objetivo é me derrubar.
Sentiu-se agredido na Câmara? O senhor foi chamado até de ladrão.
Parece-me que há um jogo político-partidário, e alguns parlamentares se exaltam, mas é uma minoria. Aí foi um desrespeito ao decoro parlamentar. Eu sempre me reportei a todos os parlamentares de maneira respeitosa. É uma questão de educação pessoal.
Há forças tentando derrubá-lo?
Em relação ao hackeamento, o responsável tem interesse principal de impedir novas investigações e anular condenações. Não sei se o objetivo é me derrubar.
Sentiu-se agredido na Câmara? O senhor foi chamado até de ladrão.
Parece-me que há um jogo político-partidário, e alguns parlamentares se exaltam, mas é uma minoria. Aí foi um desrespeito ao decoro parlamentar. Eu sempre me reportei a todos os parlamentares de maneira respeitosa. É uma questão de educação pessoal.
Está preparado para enfrentar esse
período?
Durante a Operação Lava-Jato,
sofri muitos ataques, muitas tentativas de desqualificação do meu trabalho. É
claro que críticas são sempre possíveis, mas tinha alguns ataques pesados.
Quando aceitei o convite, a ideia era consolidar esses avanços no combate à
corrupção. Tendo deixado de exercer o trabalho na Lava-Jato, achei que essa
parte tinha ficado para trás. De certa maneira, me surpreendeu essas histórias
serem novamente revolvidas. Mas, além dos objetivos mais específicos, de anular
condenações e impedir novas investigações com esses ataques criminosos, existe
um certo nível de revanchismo, no sentido de que muita gente teve os interesses
contrariados.
Mas há críticas de atores que não
estão ligados a partidos ou mesmo a condenados…
É natural haver críticas. Quando
aceitei o convite, isso gerou uma série de incompreensões. Eu deixei muito
claro qual era o meu objetivo. Trabalhei como juiz por 22 anos. Nos últimos
quatro anos da Operação Lava-Jato, o trabalho foi muito intenso e cada dia era
uma dúvida se nós conseguiríamos realmente avançar ou se iríamos sofrer alguma
espécie de retrocesso, inclusive em nível do Legislativo. Houve tentativas
desse nível. Não quero que aconteça o que ocorreu com a Operação Mãos Limpas,
em que houve uma virada de mesa pela via Legislativa. Estando no governo, tenho
condições de atuar mais nessa área.
O senhor não se reconhece em
nenhum momento nas mensagens?
Pode ter mensagens que tenham
ocorrido. Aquela mensagem: “Confio no ministro do Supremo”. Qual é o problema
em falar nisso? Problema nenhum. Mas pode ter uma mexida numa palavra, na
própria identificação e na atribuição dessas mensagens. O que eu falei desde o
início que surgiu essa situação: apresentem a uma autoridade que possa
averiguar de maneira independente a autenticidade desse material. Nas minhas
mensagens, se não forem adulteradas, não existe qualquer espécie de
irregularidade. Tenho muita convicção do que eu fiz como juiz e sempre me
pautei com base na lei e na ética.
Uma frase é atribuída ao senhor “In
Fux, we trust”. Tem algum ministro do STF do qual o senhor diria o contrário?
De forma nenhuma. Não me cabe
opinar sobre ministros do Supremo. Certamente, se houvesse mensagem privada
criticando ou ofendendo ministro do Supremo já teria aparecido.
Como o senhor reagiu às novas
revelações dos diálogos da força-tarefa da Lava-Jato na revista Veja e no site
Intercept?
Com tranquilidade. As mensagens
foram obtidas por hackers criminosos, podem ter sido adulteradas total ou
parcialmente e não são publicadas a partir do contexto delas. Numa das
mensagens, eu teria dito a um procurador que seria necessária a manifestação
dele com urgência sobre um pedido de revogação de prisão preventiva. Isso é
absolutamente normal, se é que isso foi feito, e quando se fala nisso é do
interesse do preso, porque tem de se decidir logo, e a manifestação do MP é
necessária. Divulgar isso como se fosse algo ilícito… Para mim, isso é algo
absolutamente banal. Tem outra que supostamente eu teria pedido para incluir na
denúncia um fato ou uma prova. Se for aos autos, ao fato constante da denúncia,
foi provocada uma sentença absolvitória. Então, por que eu faria isso? Pedir
para incluir algo para depois absolver? Assim, com todo o respeito à imprensa,
além de não ter me consultado sobre as questões, sequer fez uma checagem
correta dos fatos.
E em relação ao episódio do
ministro Teori em que o senhor teria omitido informações?
Nem me lembro desse
episódio. O que consta é inconsistente. O que eu levantei dos fatos, a
investigação envolvia um dos diretores da Andrade Gutierrez. Havia uma
solicitação de informações do Supremo, eu prestei as informações em 17 de
setembro, e a revista apresenta mensagens de terceiros do dia 23 de outubro e
sugere que eu teria omitido fatos, que havia uma planilha de dados disponíveis
e eu teria ocultado. O que deveria ser checado para um bom trabalho
jornalístico é quando essa planilha apareceu, quado ela foi apreendida e quando
foi colocada à minha disposição. As informações não são consistentes com os fatos.
O senhor foi contrário à delação
do Eduardo Cunha?
A colaboração do ex-deputado que
envolvia supostamente pagamentos a pessoas com foro privilegiado nunca passou
pelas minhas mãos, nunca passou pela 13ª (Vara). É atribuição do Supremo, da
PGR… Como a revista conclui que eu teria interferido se o caso nem estava sob
as minhas mãos, e sequer havia responsabilidade primária da força-tarefa de
Curitiba?
Como o senhor se sente dentro de
um governo com personagens direta ou indiretamente envolvidos por duas
denúncias graves, como o caso do laranjal do PSL e o caso Queiroz?
Posso mencionar a questão
envolvendo supostas fraudes eleitorais de assessores do ministro do Turismo,
que estão sendo investigadas pela PF. A PF tem liberdade, não estou envolvido
nas diligências. Estão apurando os fatos e devem chegar a conclusões. E à
medida que estão sendo feitas as diligências, estão sendo informadas ao
presidente.
O que o senhor diria dos
comentários feitos por alguns ministros, como Gilmar Mendes?
Não sou censor de ministro do
STF... Não cabe ficar opinando sobre quem disse isso, quem disse aquilo. A
minha impressão, desde o início quando foi feita essa divulgação (das
mensagens), é que houve sensacionalismo extremado.
O Congresso aprovou recentemente a
lei de abuso de autoridade. Como o senhor avalia essa lei que está em votação
no Congresso?
Foi um projeto de iniciativa
popular, do Ministério Público, das 10 medidas de combate à corrupção. Na
Câmara, sofreu alterações significativas. Não se pode afirmar que se trata do
mesmo projeto que entrou. Foi ao Senado e vai voltar para a Câmara. Nós vamos
analisar o texto final. Espero que se trate o tema com a devida ponderação e
oportunamente virá ao Executivo, que deverá decidir o que fazer, sanção ou
veto.
Tem algum ponto que o senhor
aponte que significa um retrocesso?
Não vi ainda o texto final
aprovado no Senado. O que me disseram é que houve uma amenização de alguns
termos, mas acho que é uma questão que precisa ser analisada muito
ponderadamente. Claro que ninguém compactua com abusos praticados por qualquer
autoridade, mas tem que se tomar muito cuidado para que uma eventual regulação
não possa servir como uma forma de intimidação a juízes, procuradores e
policiais que cumprem o seu dever.
Nas manifestações de rua, há um
boneco do senhor de Super-Homem. O senhor se considera um herói?
Não. Eu sempre refutei esse rótulo
de herói ou protagonista exclusivo ou principal da Lava-Jato. Em todas as
minhas manifestações sobre o tema, sempre destaquei que o mais relevante da
Lava-Jato é a verificação de amadurecimento das instituições. Certamente,
pessoas fazem diferente. Pessoas diferentes constroem instituições mais fortes.
Vários processos já percorreram todas as instâncias. Escrevi recentemente
um artigo num livro que envolve artigos tanto de magistrados brasileiros quando
de italianos, e um aspecto que destaquei foram algumas decisões relevantes do
Supremo: a execução de pena em segunda instância, a proibição de doações
eleitorais por parte de empresas e, mais recentemente, a limitação da extensão
do foro privilegiado. Foi uma conquista institucional. De certa maneira, também
as cortes de justiça não decidiriam dessa forma se não houvesse uma demanda da
sociedade por maior integridade, por menos corrupção.
Em relação a doação de empresas,
já tem gente no Congresso querendo o retorno dessas doações. O senhor acha que
funcionou o sistema de financiamento das eleições?
Poxa, essa é uma pergunta um pouco
difícil pra mim, porque não participei de nenhuma eleição. (Vídeo)
Mas o senhor é citado como
possível candidato à Presidência da República...
Não tem
nenhuma base real.
O senhor não seria candidato?
Nem se tem que falar nesse assunto neste momento. Acabamos de sair de uma eleição presidencial. Seria uma discussão absolutamente antecipada. Meu compromisso foi assumir aqui o MJ como um técnico. É o que imagino que esteja fazendo.
Esse movimento todo em torno da Lava-Jato, esse boneco inflável do Super-Homem, aplausos na rua e essa mobilização do PT contra o senhor não o coloca como um possível candidato anti-PT?
Tem uma frase em latim: gloria mundi sic transit (toda a glória do mundo é transitória). Essas questões são efêmeras, passageiras.
Algumas pessoas interpretaram as declarações do presidente Bolsonaro falando da reeleição dele como uma tentativa de frear um certo protagonismo do senhor…
Sou aliado do presidente Bolsonaro. Aceitei um convite, e o convite foi feito com uma pauta convergente. Temos que ser duros contra a corrupção, o crime organizado e o crime violento. Não existe qualquer disputa entre nós dois.
Como o senhor avalia a relação da Lava-Jato com a economia e as críticas de quebradeira das empresas de engenharia civil?
Há um equívoco básico nessa crítica. O que comprometeu a produtividade e a eficiência da economia brasileira, além de decisões de planejamento econômico equivocadas, foi a disseminação de práticas de corrupção. Aquela avaliação pretérita, que muitos falavam, “Ah, a corrupção pode ser em países em desenvolvimento uma espécie de graxa, e não areia”, é algo absolutamente ultrapassado no cenário mundial, nos estudos sobre a corrupção. No fundo, a corrupção é claramente areia. Ela impacta a eficiência de qualquer empresa. E, num nível disseminado, pode impactar até mesmo a eficiência da nossa economia, porque gera custos mais elevados e leva os agentes econômicos a tomarem decisões equivocadas sob o ponto de vista de qual seria a melhor decisão para nós termos um avanço. De todo modo, vamos colocar assim: eu era um juiz criminal. No direito brasileiro, no processo penal, só respondem as pessoas físicas. Então, não houve nenhum processo criminal contra essas empreiteiras. Em relação à área cível, o Ministério Público e, depois, a Advocacia-Geral da União e a Controladoria Geral da União celebram diversos acordos de leniência com essas empresas. O que podia ser feito para preservar, dentro da nossa ordem jurídica, essas entidades corporativas, foi realizado. Mas vamos lembrar que essas empresas demoraram muito a reconhecer que haviam se envolvido em práticas criminosas. Talvez, fosse o caso, e isso seria relevante, de pensarmos em alguma fórmula, de colocar na nossa legislação a possibilidade de, realmente, uma transferência do controle acionário de empresas grandes que se envolvam em corrupção.
Na fase de investigações e deliberações sobre medidas cautelares, como deve ser a relação do juiz com o MP?
O procurador chega para o juiz e pede: “Quero requerer a prisão preventiva do fulano X”. Às vezes, existe uma sondagem, e o juiz pode dizer: “Para ter prisão preventiva, tem que ter uma prova forte”. No fundo, o juiz não precisa nem falar isso, está no Código, é normal. Assim como chega um advogado e diz: “Ó, doutor, quero defender a absolvição do meu cliente. Às vezes, faz uma sustentação oral, e às vezes, tem uma interlocução entre juiz e advogado. E, eventualmente, isso pode influenciar depois na argumentação que o advogado vai colocar. Isso é algo absolutamente corriqueiro. Nas supostas mensagens que foram divulgadas, não existe qualquer espécie de conluio. O que existe é um sensacionalismo, que foi colocado como se tivesse um comandante em chefe da Lava-Jato. Não existe nenhuma situação dessa espécie ali dentro dessas mensagens, aliás, os dados objetivos são no sentido de indeferimento de várias das medidas e absolvições. Agora, no caso do Brasil, o juiz da ação penal é também o que trabalha na fase de investigação. Nessa fase, existe uma dinâmica maior entre os personagens ali envolvidos, polícia, juiz e o Ministério Público. Temos essa tradição jurídica no Brasil. O que tem que ser verificado é se tem algo ali de antiético e ilegal.
Em relação à procuradora citada num dos trechos divulgados, o senhor reconhece em algum momento a crítica em relação a ela?
Essa é uma distorção que tem sido colocada. Veja, esses fatos ocorreram há três, quatro anos. Não me lembro se fiz alguma crítica. O que vejo na mensagem que foi explorada com absoluto sensacionalismo são algumas afirmações jornalísticas que eu teria solicitado a substituição. Não existe nada na mensagem nesse sentido.
Então, mesmo naquele trecho, o senhor acha natural?
Se for autêntico, não tem nada de ilegal ou antiético.
É possível um juiz ser totalmente imparcial, dentro de uma caixinha, sem ser contaminado por convicções pessoais, culturais, família, amigos?
O que define a imparcialidade é o juiz decidir conforme aquilo que se encontra nos autos, com base na prova e na lei. Um juiz nunca pode se despir da condição de ser humano e dos valores que ele carrega. Mas ele sempre vai decidir com base na lei e nas provas. Essa é a questão da imparcialidade. Evidentemente, o juiz vai formando a sua convicção com o tempo, no decorrer do processo. Ele não é um ser estranho que vai chegar somente no momento da sentença. O que define a imparcialidade é o juiz estar sempre disposto a mudar de opinião até o final do processo, porque novas provas e novos argumentos podem ser apresentados. Então, assim, ele nunca é um super-humano. Carrega seus valores, mas tem que estar vinculado à prova, à lei, e, até proferir a sentença, à possibilidade de mudar de opinião em relação ao que viu antes. Isso foi feito no processo muito claramente, até pelo percentual, um número de mais de 20% de absolvições. E aqui temos que acrescentar o fato de que são decisões que já passaram por várias instâncias e, normalmente, têm sido mantidas.
Em que momento o senhor ficou convencido de que o ex-presidente Lula recebeu o apartamento no Guarujá como propina?
Não vou comentar sobre casos específicos. Em geral, o juiz finaliza a sua convicção no momento da sentença. Ainda que ele tenha prévios entendimentos em relação à matéria, a hora de sentar, colocar no papel, escrever, argumentar é o momento de construção racional. É o momento em que o juiz faz uma reconstrução das provas e faz uma avaliação: “Essas provas são ou não são suficientes para uma condenação criminal? Ou vai absolver? O juiz pode até ter uma ideia, mas que só se confirma ou não no momento da sentença.
O senhor não seria candidato?
Nem se tem que falar nesse assunto neste momento. Acabamos de sair de uma eleição presidencial. Seria uma discussão absolutamente antecipada. Meu compromisso foi assumir aqui o MJ como um técnico. É o que imagino que esteja fazendo.
Esse movimento todo em torno da Lava-Jato, esse boneco inflável do Super-Homem, aplausos na rua e essa mobilização do PT contra o senhor não o coloca como um possível candidato anti-PT?
Tem uma frase em latim: gloria mundi sic transit (toda a glória do mundo é transitória). Essas questões são efêmeras, passageiras.
Algumas pessoas interpretaram as declarações do presidente Bolsonaro falando da reeleição dele como uma tentativa de frear um certo protagonismo do senhor…
Sou aliado do presidente Bolsonaro. Aceitei um convite, e o convite foi feito com uma pauta convergente. Temos que ser duros contra a corrupção, o crime organizado e o crime violento. Não existe qualquer disputa entre nós dois.
Como o senhor avalia a relação da Lava-Jato com a economia e as críticas de quebradeira das empresas de engenharia civil?
Há um equívoco básico nessa crítica. O que comprometeu a produtividade e a eficiência da economia brasileira, além de decisões de planejamento econômico equivocadas, foi a disseminação de práticas de corrupção. Aquela avaliação pretérita, que muitos falavam, “Ah, a corrupção pode ser em países em desenvolvimento uma espécie de graxa, e não areia”, é algo absolutamente ultrapassado no cenário mundial, nos estudos sobre a corrupção. No fundo, a corrupção é claramente areia. Ela impacta a eficiência de qualquer empresa. E, num nível disseminado, pode impactar até mesmo a eficiência da nossa economia, porque gera custos mais elevados e leva os agentes econômicos a tomarem decisões equivocadas sob o ponto de vista de qual seria a melhor decisão para nós termos um avanço. De todo modo, vamos colocar assim: eu era um juiz criminal. No direito brasileiro, no processo penal, só respondem as pessoas físicas. Então, não houve nenhum processo criminal contra essas empreiteiras. Em relação à área cível, o Ministério Público e, depois, a Advocacia-Geral da União e a Controladoria Geral da União celebram diversos acordos de leniência com essas empresas. O que podia ser feito para preservar, dentro da nossa ordem jurídica, essas entidades corporativas, foi realizado. Mas vamos lembrar que essas empresas demoraram muito a reconhecer que haviam se envolvido em práticas criminosas. Talvez, fosse o caso, e isso seria relevante, de pensarmos em alguma fórmula, de colocar na nossa legislação a possibilidade de, realmente, uma transferência do controle acionário de empresas grandes que se envolvam em corrupção.
Na fase de investigações e deliberações sobre medidas cautelares, como deve ser a relação do juiz com o MP?
O procurador chega para o juiz e pede: “Quero requerer a prisão preventiva do fulano X”. Às vezes, existe uma sondagem, e o juiz pode dizer: “Para ter prisão preventiva, tem que ter uma prova forte”. No fundo, o juiz não precisa nem falar isso, está no Código, é normal. Assim como chega um advogado e diz: “Ó, doutor, quero defender a absolvição do meu cliente. Às vezes, faz uma sustentação oral, e às vezes, tem uma interlocução entre juiz e advogado. E, eventualmente, isso pode influenciar depois na argumentação que o advogado vai colocar. Isso é algo absolutamente corriqueiro. Nas supostas mensagens que foram divulgadas, não existe qualquer espécie de conluio. O que existe é um sensacionalismo, que foi colocado como se tivesse um comandante em chefe da Lava-Jato. Não existe nenhuma situação dessa espécie ali dentro dessas mensagens, aliás, os dados objetivos são no sentido de indeferimento de várias das medidas e absolvições. Agora, no caso do Brasil, o juiz da ação penal é também o que trabalha na fase de investigação. Nessa fase, existe uma dinâmica maior entre os personagens ali envolvidos, polícia, juiz e o Ministério Público. Temos essa tradição jurídica no Brasil. O que tem que ser verificado é se tem algo ali de antiético e ilegal.
Em relação à procuradora citada num dos trechos divulgados, o senhor reconhece em algum momento a crítica em relação a ela?
Essa é uma distorção que tem sido colocada. Veja, esses fatos ocorreram há três, quatro anos. Não me lembro se fiz alguma crítica. O que vejo na mensagem que foi explorada com absoluto sensacionalismo são algumas afirmações jornalísticas que eu teria solicitado a substituição. Não existe nada na mensagem nesse sentido.
Então, mesmo naquele trecho, o senhor acha natural?
Se for autêntico, não tem nada de ilegal ou antiético.
É possível um juiz ser totalmente imparcial, dentro de uma caixinha, sem ser contaminado por convicções pessoais, culturais, família, amigos?
O que define a imparcialidade é o juiz decidir conforme aquilo que se encontra nos autos, com base na prova e na lei. Um juiz nunca pode se despir da condição de ser humano e dos valores que ele carrega. Mas ele sempre vai decidir com base na lei e nas provas. Essa é a questão da imparcialidade. Evidentemente, o juiz vai formando a sua convicção com o tempo, no decorrer do processo. Ele não é um ser estranho que vai chegar somente no momento da sentença. O que define a imparcialidade é o juiz estar sempre disposto a mudar de opinião até o final do processo, porque novas provas e novos argumentos podem ser apresentados. Então, assim, ele nunca é um super-humano. Carrega seus valores, mas tem que estar vinculado à prova, à lei, e, até proferir a sentença, à possibilidade de mudar de opinião em relação ao que viu antes. Isso foi feito no processo muito claramente, até pelo percentual, um número de mais de 20% de absolvições. E aqui temos que acrescentar o fato de que são decisões que já passaram por várias instâncias e, normalmente, têm sido mantidas.
Em que momento o senhor ficou convencido de que o ex-presidente Lula recebeu o apartamento no Guarujá como propina?
Não vou comentar sobre casos específicos. Em geral, o juiz finaliza a sua convicção no momento da sentença. Ainda que ele tenha prévios entendimentos em relação à matéria, a hora de sentar, colocar no papel, escrever, argumentar é o momento de construção racional. É o momento em que o juiz faz uma reconstrução das provas e faz uma avaliação: “Essas provas são ou não são suficientes para uma condenação criminal? Ou vai absolver? O juiz pode até ter uma ideia, mas que só se confirma ou não no momento da sentença.
O ex-ministro do Supremo Carlos
Velloso, em entrevista ao Correio, diz que é preciso descobrir quem tinha
interesse em afastar o senhor. Quem seria?
Foi instaurada uma investigação
pela Polícia Federal. A minha impressão, vendo todo esse episódio, é que
iniciou com ataques aos procuradores. Depois, sucedido por uma tentativa de
intrusão no meu aparelho celular. Tendo começado o ataque pelos aparelhos dos
procuradores, me parece mais um ato, realmente, contra a operação Lava-Jato, do
que necessariamente contra a minha pessoa. Claro que, no caminho, as coisas
podem se alterar, a depender do peso que se dá a uma coisa ou outra. Considerando
essa cronologia, me parece que foi um ataque à Lava-Jato. Nessa perspectiva tem
duas opções: anulação de condenações já exaradas, de pessoas que praticaram
crimes de corrupção, ou, que talvez seja até pior, impedir a continuidade das
investigações. Eventualmente, o responsável pode ser algum investigado que não
foi ainda atingido por uma decisão judicial, de condenação ou prisão, que
esteja querendo obstruir a ação da Justiça e do MP.
O senhor estava nos EUA conhecendo
a experiência de combate ao tráfico nas fronteiras quando ocorreu o episódio do
transporte de 39kg de cocaína num avião da FAB. Causou constrangimento?
Não existe qualquer vínculo desse
ato criminoso com qualquer agente político. O que tem que ser feito, e é o que
está sendo feito, é uma investigação capitaneada pela própria Justiça Militar,
já que foi praticado por um militar, e identificar se há outros responsáveis
por esse fato. Se tem, são todos criminosos. Foi um incidente infeliz, pelas
circunstâncias, mas as consequências estão sendo extraídas. Esse indivíduo está
preso na Espanha. Provavelmente, será condenado a uma pena elevada, e se vai
realizar uma investigação para verificar se tem uma quadrilha de criminosos
envolvida.
Carlos Bolsonaro tem
responsabilizado o general Heleno por falhas na segurança. Preocupa ver o filho
do presidente numa guerra com o chefe do GSI?
O general Heleno não tem nada a
ver com esse episódio. Ocorrido o episódio, lamenta-se, mas tem que apurar as
responsabilidades, e isso não afeta qualquer agente político do governo.
Já é possível afirmar se havia
outras pessoas envolvidas?
Sobre investigações em andamento
não cabe comentário. Tem aquela famosa frase: Sherlock Holmes não consegue
descobrir o crime se Moriarty ficar atrás dele o tempo todo, sabendo o que ele
está fazendo.
Como o senhor avalia ficar
vinculado a um grupo político, mesmo como ministro da Justiça?
Aceitei o convite para compor o
ministério com um plano específico. E compartilhamos as decisões do ministério,
as políticas públicas com o presidente Bolsonaro. Evidentemente, temos uma
proximidade e não existe nada errado. Sou ministro escolhido pelo presidente
Jair Bolsonaro.
O senhor esteve em partida de
futebol com o presidente no Mané Garrincha. Chegou a temer vaias?
Poderíamos ter sofrido vaias. Na
verdade, o que ocorreu foi uma manifestação de aprovação. O que eu considero
realmente importante são as minhas ações de agir com correção. A minha
avaliação, me parece que é a avaliação geral, é a de que eu agi com base na lei
e na ética. Então, nessas circunstâncias a aprovação é natural.
O tribunal das redes sociais o
incomoda?
Nas redes sociais há um certo
consenso que muitas vezes as pessoas se excedem. Afirmações que não fariam
diretamente, pessoalmente em outros contextos acabam sendo realizadas. Mas,
sinceramente, não me preocupo com essas questões. Tenho atualizado o Twitter,
relutei, mas tenho usado como uma forma de transmissão de informações das
políticas públicas que estão sendo realizadas no ministério. As redes são
importantes, mas não afasta o papel da imprensa. É claro que a gente tem de
olhar as redes sociais, porque são pessoas se manifestando, mas não significa
que o que ocorre ali é determinante.
A investigação sobre a divulgação
dos diálogos é vista por alguns como um ataque à imprensa...
De forma nenhuma, nós respeitamos
a liberdade de imprensa. Não houve qualquer tentativa de censura. Fiquei com a
impressão de que, na primeira semana, o site em questão queria que fosse feita
uma busca e apreensão para evocar o malvado governo Bolsonaro, o malvado
governo Moro, numa ação para intimidar a imprensa, mas não houve nada disso. Ao
contrário, a manifestação foi: “Olha, eu tenho absoluta correção no meu
procedimento e, se tem essas mensagens, e elas não foram adulteradas, divulguem
tudo. Mas sem sensacionalismo.
A Lava-Jato foi sensacionalista?
Não, a Lava-Jato foi embasada em
fatos e provas de um sistema de corrupção que comprometeu a integridade das
nossas principais empresas. O que é sensacional é a dimensão que a corrupção
atingiu, mas ali os fatos falam por si. Não houve da parte dos agentes públicos
envolvidos uma colocação dos fatos de uma forma diferente do que eram na
realidade.
O protagonismo e a exposição de
procuradores chegaram a ser criticados inclusive por ministros do STF. Não
houve exageros?
Não os vislumbro com facilidade.
Temos de lembrar que falamos de uma investigação que dura mais de cinco anos. E
sempre que aparecia uma operação ou algo parecido, havia uma grande demanda da
imprensa por informação. E o que eu via os agentes públicos fazendo era
basicamente prestar essas informações.
O que é preciso aprimorar para o
combate à corrupção mais efetivo?
Temos de nos preocupar com as
tentativas de retrocesso. Porque o enfrentamento da grande corrupção contraria
o interesse de poderosos. É uma ilusão pensar que não vão ocorrer essas
tentativas. Temos de assegurar que o navio não volte ao porto. Por exemplo, a
própria questão da segunda instância. É fundamental a decisão do STF que no
fundo representa colocar o ponto final de um processo num prazo razoável, não
se tornar aquele processo que se eterniza, mas chegam a um término dentro de um
prazo razoável. Mas a gente não pode estar satisfeito em apenas evitar
retrocessos. E isso inclusive foi um dos propósitos que me levaram a aceitar
virar ministro. Temos de pensar em avanços. Temos o pacote anticrime. Nós
acreditamos nesse projeto e achamos que a aprovação dele seria um salto
relevante no enfrentamento do crime organizado.
Esse projeto está demorando?
É uma questão do tempo do
Congresso, mas acredito que será aprovado num tempo breve, logo depois da reforma
da Previdência.
Qual foi a decisão mais difícil
envolvendo o ex-presidente Lula?
A Lava-Jato não se identifica com
um processo contra um criminoso específico. No fundo o que foi identificado foi
um sistema de corrupção, e havia muitas pessoas envolvidas, como os vários
diretores da Petrobras presos. Isso não havia ocorrido antes no país, embora
sempre existissem suspeitas de malversação. Houve também os empresários que
pagavam sistematicamente vantagens indevidas em contratos públicos. O caso do ex-governador
do Rio (Sérgio Cabral), embora seja um caso repartido com a Justiça Federal do
Rio, nós também tivemos a prisão e condenação dele em Curitiba. O mais
relevante para mim foi a revelação desse sistema de corrupção, foi mostrar que
a impunidade da grande corrupção tem solução, que é a aplicação da lei. Às
vezes, há alguma confusão. Quem decretou a prisão do ex-presidente foi o TRF 4,
não fui eu. Eu cumpri a decisão. Como juiz executor da ordem, apenas concedi a
ele, porque achava razoável, dada a complexidade em executar aquela medida, um
prazo de 24h para ele se apresentar.
O MP, ao tentar barrar a
entrevista da Folha de S.Paulo com o ex-presidente Lula, não tentava interferir
diretamente na eleição presidencial?
Não participei daquelas conversas,
não sei se são autênticas. O que eu particularmente penso é que qualquer direito
para ser reconhecido pode ser levado para todas as pessoas universalmente na
mesma condição? Então, por exemplo, nós temos aqui recolhido no presídio
federal de Brasília o líder do PCC. Claro, há uma distância muito grande entre
o ex-presidente e o líder do PCC. Mas ele tem direito de dar entrevista também?
Mas Marcola já deu entrevista,
inclusive ao Correio em 2001…
Acho errado. Quando eu era juiz de
execução no presídio federal de Catanduvas (PR), teve pedidos de entrevistas de
alguns presos extremamente perigosos, líderes do Comando Vermelho, eu neguei,
porque acho inapropriado.
O sonho do senhor sempre foi o
Supremo?
Não. Primeiro não tem vaga no
Supremo. Sempre vai haver vaga, porque os ministros se retiram, agora, acho
inapropriado discutir vagas no STF quando não há vaga.
Mas o próprio presidente citou
essa questão...
Hoje eu sou ministro da Justiça e
da Segurança Pública, e o meu foco é realizar esse trabalho. Surgindo essa
vaga, não sei se serei convidado, e caso convidado, não sei se aceitarei,
porque serão outras circunstâncias. Agora, é uma posição ambicionada por muitas
pessoas, até porque é instituição muito admirada. O próprio presidente
esclareceu. Eu nunca estabeleci condição para vir ao ministério e assumir uma
vaga no Supremo. Não seria sequer apropriado. Eu falei isso no passado, o
presidente talvez se sinta com esse compromisso e externou dessa forma, mas eu
posso assegurar com absoluta veracidade que nunca houve uma condição dessa
espécie.
Se a segunda turma do STF anular a
condenação do ex-presidente Lula, o senhor acredita que poderá desacreditar a
Lava-Jato?
Acho que o Supremo tem de decidir
conforme as provas e a lei. O STF foi chamado sobre isso antes do recesso, e a
maioria decidiu que não havia plausibilidade. Agora, as decisões do STF só
cabem ao STF.
Não sendo candidato a presidente
ou ministro do Supremo, o senhor vai advogar?
Faria que nem o Luke Skywalker
(personagem da série cinematográfica Star Wars). Sumiria por 20 anos e voltaria
no episódio 8.
Ana Dubeux - Ana Maria Campos - Denise Rothemburg - Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Correio Braziliense
Tags
ENTREVISTA