Em fase
de teste, ônibus autônomo vai circular na Esplanada dos Ministérios. O projeto
piloto do veículo sem motorista é uma parceria entre o GDF e uma empresa do
Vale do Silício, nos Estados Unidos
*Por Renato Souza - Simone Kafruni
Há 59 anos, Brasília impressionou
o mundo com seu ambiente moderno e a ousadia do projeto. A criação de uma
cidade inteira, no meio do Planalto Central, em apenas cinco anos, desafiou os
conceitos de arquitetura e urbanismo. Agora, a cidade, mais uma vez, pretende
encarar um desafio para manter a fama de ter cenário futurístico. O governo do
DF lançou plano para fazer da capital federal a primeira cidade inteligente da
América Latina. Nos próximos meses, moradores terão a oportunidade de conhecer
e entender os benefícios da inteligência artificial. O passo revolucionário
será no transporte urbano terrestre. O GDF pretende colocar um ônibus autônomo,
ou seja, que se desloca sem a necessidade de motorista, para levar passageiros
que passam todos os dias pela Esplanada dos Ministérios.
As negociações
em torno do primeiro coletivo autônomo do DF estão em andamento. A empresa
responsável por implantar o projeto piloto está localizada no Vale do Silício,
nos Estados Unidos. A região é o berço da informática moderna, deu origem à
computação como se conhece hoje e continua inovando para transformar a
humanidade nas próximas décadas. Após o desenvolvimento dos microcomputadores,
da internet, do avanço da fibra ótica e dos softwares para usuários, as grandes
empresas de tecnologia se concentram agora na interação da rede de computadores
com outros objetos que fazem parte da vida das pessoas.
A comunicação
entre o computador, a geladeira, a televisão e as luzes de uma casa já é uma
realidade. O próximo passo é criar um sistema de transporte inteligente, que
evite acidentes, faça o fluxo de veículos fluir sem entraves e dê tempo para
que o usuário aproveite a viagem para pensar, ler e se divertir. Quando
projetou a capital, na década de 1950, o urbanista Lúcio Costa não imaginou que
as ruas largas seriam perfeitas não apenas para os próximos 60 anos, mas também
para os próximos séculos. O trecho plano, com poucas curvas e vias espaçosas da
Esplanada, é o cenário ideal para o teste do ônibus. A cidade resolveu
antecipar previsões de especialistas. Um estudo da Rethink X mostra que,
até 2030, cerca de 95% de cada quilômetro rodado será por um veículo autônomo.
O contrato com
a empresa que desenvolve o coletivo deve ser fechado nos próximos 60 dias. Em
seguida, o ônibus será trazido para Brasília. O secretário de Ciência e
Tecnologia de Brasília, Gilvan Máximo, destaca que esse será apenas o começo de
uma proposta a ser levada para todo o DF. “Os próximos encontros servirão para
conhecer a tecnologia. Será um projeto piloto para avaliar a expansão
posteriormente. O ônibus será completamente autônomo, sem a necessidade de
motorista ou qualquer outro funcionário. O software já foi desenvolvido, e o
trajeto simples da Esplanada é ideal para testá-lo”, conta.
Máximo diz que
não está autorizado a revelar o nome da empresa escolhida, até que o contrato
esteja fechado. Mas o coletivo deve começar a circular ainda neste segundo
semestre. “Não estamos medindo esforços para avançar nessa tecnologia. Vamos
ser a primeira cidade a testar a internet 5G, que é muito mais rápida do que a
comum. Câmeras inteligentes, de reconhecimento facial, serão espalhadas pela
cidade. E tudo isso estará interligado para mudar a rotina dos moradores do
DF”, frisa.
Colocar um
carro de passeio autônomo nas ruas já é um grande desafio. Ao avaliar a
situação na perspectiva de um ônibus, preparado para transportar até 100
pessoas, é possível perceber que o planejamento tem de ser ainda mais preciso.
O analista de sistemas de informação Ruan Carlos, especialista em inteligência
artificial, destaca que não pode haver falhas na tecnologia, sob o risco de
causar acidentes. “O processamento das informações colhidas no trajeto não
ficará no próprio ônibus, mas, sim, na nuvem. O acesso à internet precisa ser
muito bom. Nessa comunicação, existe um tempo de latência (tempo de transmissão
da informação), que deverá ser muito rápido”, ressalta. “Não pode ocorrer
falha. Se uma pessoa se joga na frente do ônibus, a câmera vai identificar que
existe o objeto e envia a imagem ao servidor. E o servidor precisa responder
identificando que se trata de uma pessoa. Assim, o coletivo agirá para evitar
um acidente.”
Veículos
elétricos: As mudanças no trânsito do DF, neste segundo semestre, prometem
abrir espaço para um caminho sem volta rumo ao que existe de ponta na
tecnologia global. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e
o GDF fecharam uma parceria que vai disponibilizar 16 carros do modelo Twizy,
da marca Renault, para serem usados por servidores distritais. O número de
veículos pode aumentar após a implantação do projeto inicial. Ao mesmo tempo, o
DF terá 35 eletropostos, que podem abastecer qualquer veículo elétrico.
Para
incentivar o uso dessa tecnologia, que deixa para trás o combustível fóssil e o
impacto ao meio ambiente, os pontos de recarga poderão ser usados sem custo
pelos usuários. A cidade será um laboratório a céu aberto para revelar como a
tecnologia pode melhorar a mobilidade urbana. Com a troca de parte da frota, o
governo espera economizar até R$ 10 milhões por ano em manutenção e
combustível.
O presidente da ABDI, Guto
Ferreira, afirma que a cidade vai contribuir com a evolução dos meios de
transporte, além de abrir caminho para o ingresso da alta tecnologia no dia a
dia das pessoas. “É muito importante demonstrar as soluções em ambiente real,
numa cidade com características que permitam a avaliação dos resultados para a
população e para a indústria associada”, diz. “E, entre as soluções, o
compartilhamento de veículos elétricos se encontra em fase mais madura, com
testes sólidos no Parque Tecnológico e na Itaipu Binacional. A ABDI tem como
objetivo mudar o pensamento da nossa sociedade para que as novas tecnologias
tenham mais aderência. O compartilhamento de veículos elétricos é uma delas, é
o futuro da nossa mobilidade.”
Salto
tecnológico nas ferrovias: A tecnologia está transformando a forma como os
trens trafegam pelos trilhos. Sistemas de comunicação inovadores, softwares de
previsão e monitoramento, detectores de trilhos e aplicativos tornaram mais
eficazes e rápidas as avaliações e os reparos de segurança da ferrovia.
Softwares tornaram mais eficazes
reparos de segurança em ferrovias
Arnaldo Soares,
gerente-geral de Engenharia de Transportes da MRS (Malha Regional Sudeste),
ressalta o que já é realidade na ferrovia. “Locomotivas passaram a ter
eletrônica embarcada, com motores de corrente alternada. Existem detectores de
descarrilamento, para paralisar a composição quando identificado o problema. O
controle é remoto”, conta. Até o fim do ano, a empresa deve implantar automação
onde os perfis dos trilhos têm muitas rampas. “O trem é feito para terrenos
mais planos”, explica. A MRS também tem projeto de transformar a operação nos
pátios adjacentes por controle remoto.
“Parece que a
ferrovia tem baixa tecnologia agregada, mas, na verdade, estamos dando saltos.
Conseguimos passar de 40 milhões de toneladas, em 1996, para 175 milhões no ano
passado, na mesma linha de 1,6 mil quilômetros, graças à implementação
tecnológica para aumentar produtividade, processos de trabalho e segurança”,
afirma.
A MRS usa um
sistema pioneiro, chamado Comunication Basic Train Control (CBTC), um
circuito ao longo de toda a ferrovia que faz a supervisão do que está
ocorrendo. “Se o maquinista estiver fazendo errado, o sistema toma o controle”,
frisa. A companhia tem vários laboratórios. “Só inovando para conseguir
ganhos”, ressalta. Outro projeto, o Trip Optimizer, está sendo validado. “No
trajeto, o Trip opera de forma autônoma, com foco em economizar combustível,
mas precisa de ajuste.”
Redução de
ocorrências: Além da MRS, empresas como Rumo e VLI apostam em inovação. Na
Rumo, softwares de previsão e monitoramento conseguem antecipar complicações e
reduzir ocorrências em todas as malhas. A empresa inovou patenteando projetos
como o Detector de Trilhos Quebrados (DTQ) e o aplicativo Chave na Mão, que
tornaram mais eficazes e rápidos avaliações e reparos de segurança da ferrovia.
“O DTQ é uma tecnologia inédita no Brasil. O aparelho é instalado em trechos de
até 8km. Quando o trem passa pelos locais monitorados, as condições dos trilhos
são repassadas para o Centro de Monitoramento de Redes. Se for identificada uma
anomalia no trilho, o maquinista é informado em tempo real, eliminando o risco
de descarrilamento”, informa a Rumo.
A VLI, por sua
vez, tem um plano estruturado de transformação digital com mais de 100
iniciativas em desenvolvimento. “Temos sistemas de alta complexidade, dinâmicos
e com um volume crescente de variáveis em tempo real. Ao empregar novas
tecnologias, como o uso de inteligência artificial e machine learning,
conseguimos processar dados com agilidade e tomar decisões baseadas em
evidências e em cenários melhores”, explica.
Obstáculos aos
avanços no Brasil: As pesquisas na área de veículos autônomos não são
novas, mas a aplicação prática para os projetos ganharem escala comercial ainda
encontra obstáculos no Brasil. O caos do trânsito e a legislação vigente
emperram o avanço de carros, ônibus e caminhões autômatos. Na visão de
especialistas, é questão de tempo para tomarem as ruas. Mas a revolução que a
inteligência artificial provoca nos transportes não se limita ao modal
rodoviário e às alternativas de mobilidade. A inovação também está sobre
trilhos, entre as nuvens, flutuando nas águas e atracada nos portos.
As pesquisas
na área são desenvolvidas há mais de 20 anos. Países como Estados Unidos,
França, Japão e Alemanha investem pesado para reduzir o número de acidentes e
tornar o fluxo no trânsito mais eficiente. O professor André Monteiro,
especialista em desenvolvimento de soluções em inteligência artificial do
Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI), afirma que a tecnologia
é cada vez mais popular em termos globais. “No Brasil, tem a questão
legislativa, por isso a demora”, justifica. “Além disso, a computação é
complexa para o veículo tomar a decisão acertada no trânsito, e tudo passa pela
conectividade. Os equipamentos têm cada vez mais capacidade para coletar dados,
mas a rede disponível ainda não é ideal. A conexão tem de ser muito eficaz”,
acrescenta.
Apesar de
parecer coisa do futuro, o desenvolvimento na tecnologia de carros autônomos
começou em 2007 no Brasil. Dois anos depois, o Laboratório de Computação de
Alto Desempenho (LCAD) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) começou
o projeto Iara (Intelligent Autonomous Robotic Automobile), liderado pelo
professor Alberto Ferreira de Souza. Inicialmente, eram estudos de visão
computacional e robótica móvel em ambientes simulados e dados de sensores
reais, em tarefas de mapeamento, localização, detecção e reconhecimento por
meio de imagens de câmeras.
Em 2012, um
carro Ford Escape Hybrid foi adaptado para permitir o controle do sistema de
acionamento de volante, acelerador, freios, entre outros dispositivos do
veículo, por meio de sistemas computadorizados desenvolvidos pelo projeto Iara.
Desde então, as pesquisas avançaram bastante, e Iara está cada vez mais
completo.
O professor
explica que a aplicação prática esbarra no Código de Trânsito Brasileiro, que
determina que o motorista precisa estar com as duas mãos no volante.
O pesquisador
também está desenvolvendo projeto para BRT autônomo, ônibus que usa pista
exclusiva. “O grande gargalo é o caminhão, mas a tecnologia está pronta. Até o
fim de 2020, estará operando um caminhão autônomo para a Vale usar em local
interno”, antecipa.
Projeto: O
Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo
(ICMC-USP), câmpus São Carlos, também tem projetos de veículos autônomos
coordenados pelos professores Denis Wolf e Fernando Osório, ambos do
Laboratório de Robótica Móvel do ICMC. O projeto Carina (Carro Robótico
Inteligente para Navegação Autônoma) foi desenvolvido para navegar em ambientes
urbanos sem a necessidade de um condutor humano. Em 2013, houve uma
demonstração pública de navegação autônoma nas ruas de São Carlos.
“Para que a
autonomia funcione, é necessário que os algoritmos desenvolvidos sejam rápidos
o suficiente a fim de o computador tomar decisões corretas em curto intervalo
de tempo”, explicam os pesquisadores. A universidade também desenvolveu, em
parceria com a Scania, um protótipo de caminhão autônomo, fruto de convênio de
cooperação tecnológica firmado em 2013 entre a montadora sueca e o ICMC. Ao
todo, foi destinado ao projeto R$ 1,2 milhão, e a Scania disponibilizou dois
caminhões para a realização da pesquisa.
Inovações nos portos: A velocidade nas operações de embarque e desembarque
de cargas nos navios é fundamental, por isso, reduzir o tempo que as
embarcações ficam paradas nos portos é alvo de pesquisas contínuas. Em
Cingapura, já existe um porto totalmente automatizado. No Brasil, isso ainda
não é realidade, mas a tecnologia avançou muito, tanto nos navios quanto nos
terminais, explica Murillo Barbosa, presidente da Associação dos Terminais
Portuários Privados (ATP).
A inteligência
artificial e navios autônomos passam por fase de experiência para redução de
gás carbono e economia de combustível. “Já estão em teste na Alemanha. No
Brasil, ainda não estamos tão evoluídos, mas existem inovações importantes”,
diz. A Portonave, que opera em Navegantes (SC), substituiu todos os guindastes
que fazem a movimentação nos pátios, antes a diesel, por veículos elétricos.
Segundo a
empresa, com a implantação do sistema Busbar System (barramento de transporte
de energia), 18 equipamentos passaram a ser alimentados com energia elétrica,
com investimentos de R$ 25 milhões. “Com o projeto, foi observada uma redução
anual em torno de 87% das emissões dos gases de efeito estufa (GEE).”
A cabotagem de
madeira realizada na região sul da Bahia, pela Suzano Celulose, opera com
sistema pioneiro. Desde 2018, a operação conta com guindastes gigantes,
substituindo máquinas carregadeiras de pequeno porte que precisavam entrar na
barcaça. Foram investidos mais de R$ 60 milhões. O novo modelo é responsável
por dobrar de 25% para 50% a participação no abastecimento de madeira da
fábrica de celulose em Aracruz. “São contribuições importantes para o setor”,
assinala Murillo Barbosa.
Aeronaves futuristas. Embraer trabalha para que o eVTOL faça parte do dia
a dia da população
Da indústria
aeronáutica saem as tecnologias mais modernas, que resultam em aplicações
presentes no cotidiano. No Brasil, a Embraer é responsável pelos projetos mais
inovadores. A EmbraerX, subsidiária para negócios disruptivos da companhia,
foca esforços colaborativos para ativar e acelerar a mobilidade urbana.
A empresa
apoia o desenvolvimento de um ecossistema colaborativo permitindo que as
pessoas imaginem um mundo em que os veículos elétricos de decolagem e pouso
vertical (eVTOL) farão parte do dia a dia. Em parceria com dezenas de
controladores de tráfego aéreo, acadêmicos, pilotos e especialistas do setor, a
empresa publicou o “FlightPlan 2030”. O projeto propõe uma visão baseada em
procedimentos para um novo paradigma de gerenciamento de tráfego aéreo com
vistas ao futuro da indústria de mobilidade aérea urbana.
“A mobilidade
aérea urbana evoluirá para se tornar um meio de transporte significativo na
próxima década e exigirá um ecossistema verdadeiramente colaborativo”, ressalta
Antonio Campello, presidente da EmbraerX. “Nosso conceito de Gerenciamento de
Tráfego Aéreo Urbano (UATM, na sigla em inglês) garante acesso equitativo e
seguro ao espaço aéreo urbano para um amplo espectro de aeronaves, incluindo
helicópteros convencionais, aeronaves de asa fixa e eVTOLs. O FlightPlan 2030
apresenta o que acreditamos serem os primeiros passos necessários em direção às
capacidades autônomas.”
O novo
conceito foi apresentado durante o Uber Elevate Summit 2019, em Washington, nos
Estados Unidos, em junho deste ano. O evento reuniu uma comunidade global de
fabricantes, investidores e representantes governamentais com o objetivo de
tornar realidade a mobilidade aérea urbana compartilhada.
A companhia
também anunciou uma parceria entre Embraer e WEG, duas das maiores exportadoras
de produtos manufaturados de alta tecnologia do Brasil. Elas divulgaram acordo
de cooperação científica e tecnológica para desenvolvimento de soluções capazes
de viabilizar propulsão elétrica em aeronaves. O objetivo é aumentar a
eficiência energética desses veículos a partir da integração de motores
elétricos.
(*) Renato
Souza - Simone Kafruni - Fotos: Cb/D.A Press - MRS/Reprodução - Embraer/Divulgação –
Correio Braziliense