Os ipês
estão para Brasília como as cerejeiras, para o Japão. As incandescências rosas,
roxas, amarelas e brancas são uma conquista de heróis anônimos: os jardineiros
que arborizaram o deserto vermelho. (Por Conceição Freitas)
Os ipês estão para Brasília como
as estrelas estão para a noite e as cerejeiras, para o Japão. Só que nós, os
brasilienses, temos uma vantagem sobre os japoneses: aqui, o esplendor se
prolonga em cores subseqüentes: rosa, roxo, amarelo e branco.
Seriam estrelas, não fossem cometas. A floração do ipê-rosa dura cinco dias, que se estendem um
pouco mais dada a lentidão com que as pétalas dos buquês vão caindo e o vagar
com que as folhas vão brotando nas árvores tão belas quanto indolentes. No ipê,
a folha cai para que a flor floresça.
A madeira é das mais resistentes. Com ela, já se fabricaram dormentes, postes, peças torneadas e
instrumentos musicais. A casa é grossa para se proteger do fogo e o fruto,
preto e seco, é tão discreto quanto potente: contém potássio, cálcio, ferro,
iodo, bário, estrôncio e substâncias antibióticas.
(Em Washington-D.C, também há um parque cheio de cerejeiras)O ipê não é privilégio do Cerrado. É espécie nativa da América do Sul. Mas aqui eles encontraram um
território livre e vasto, a 1.100 metros acima do nível do mar, onde tudo surge
como um sonho vívido. É a arquitetura da natureza projetada numa escala onírica
e ao mesmo tempo fulgurante e tangível – tão real quanto o concreto armado de
Oscar.
Se o projeto nasceu pronto, criado por uma
divindade à qual se dá muitos nomes, foram necessários muitos jardineiros para
que da terra ácida do Cerrado florissem as estrelas róseas dos ipês.
A arborização do Plano Piloto, tal qual se vê hoje,
em plena maturidade, foi uma conquista complicada, cheia de erros, de algumas
tragédias e do trabalho anônimo de paisagistas, botânicos e
jardineiros da Novacap. Ozanan Coelho (1943/2016) é o nome mais lembrado
desses heróis esquecidos.
Construído em campo aberto e Cerrado ralo, extensa
savana em altiplano, o Plano Piloto deixou uma ferida vermelha, seca e ácida.
Do solo devastado só brotavam redemoinhos de poeira grudenta e invasiva. Com o
extermínio das árvores nativas, não ficou um passarinho para amenizar a mudez
do deserto. “Brasília era uma cidade muda”, me disse, há muitos anos, Ozanan
Coelho.
Os modernos que aqui chegaram desconheciam o
Cerrado e por ele tinham certo estranhamento (Lucio Costa disse que as obras de
Niemeyer eram a paisagem de Brasília). A primeira população de árvores adultas
plantada pelo Departamento de Parques e Jardins morreu de uma só vez, entre os
anos de 1975 e 1976. As espécies exóticas não se adaptaram ao solo ácido e
pobre em nutrientes. Um desastre ecológico que fortaleceu o ânimo dos que
queriam levar a capital de volta para o Rio (‘aqui nem árvore vinga’).
Decidiu-se, então, pelas árvores frutíferas,
jaqueiras, mangueiras, abacateiros, jambeiros, sapotizeiros, tamarindeiros, que
transformaram Brasília num pomar gigantesco, de 900 mil pés. (Conta-se que
havia na Novacap quem considerasse um absurdo plantar pé de fruta no Plano
Piloto porque ‘esse negócio de colher fruta na rua é coisa de pobre’).
Ao mesmo tempo, os jardineiros da cidade moderna
tiveram de reverenciar o Cerrado, aprender com ele, e a desenvolver tecnologia
própria de criação de mudas para arborização urbana em solo ácido. Dada a
extensão da cidade, derramada em vazios monumentais, foi necessária uma
quantidade imensurável de mudas para criar áreas de sombreamento – até hoje
ralas, exceto nas superquadras.
Como tudo em Brasília, no Plano Piloto é uma coisa,
nas cidades-satélites, outra bem diferente. Salvo nas mais antigas, é rarefeita
a arborização nas regiões administrativas. Mas os ipês, mesmo que poucos,
suspensos em chapadões, florescem com a mesma incandescência tanto aqui quanto
lá.
Por
Conceição Freitas – Fotos: Daniel Ferreira – Felipe Menezes – Igo Estrela
- Andre Borges – Mark F. Sypher - Metrópoles