Vista geral da Esplanada dos
Ministérios: segundo especialistas, ainda não existe risco de Brasília perder o
título de patrimônio mundial
*Por
Helena Mader
Cautela internacional na área
tombada. Relatório sobre o estado de preservação de Brasília será debatido
nesta semana durante encontro do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, no
Azerbaijão. A capital é a única no Brasil a receber questionamentos da entidade
O Comitê do Patrimônio Mundial da
Unesco pediu ao governo brasileiro um relatório sobre o estado de conservação
de Brasília, tombada desde 1987. O documento será debatido nesta semana em
Baku, no Azerbaijão, onde é realizada a 43ª reunião da entidade. Neste ano, a
capital foi a única entre todos os bens brasileiros inscritos na lista do
patrimônio cultural a sofrer questionamentos por causa de mudanças recentes na
legislação. Especialistas avaliam que não há risco de a cidade perder o título
ou entrar na lista de patrimônio ameaçado, mas o debate sobre a conservação na
reunião da Unesco mostra que a capital está sob vigilância internacional. Em
2019, há apenas um sítio brasileiro inscrito como patrimônio natural que sofreu
questionamentos: a Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
O relatório apresentado ao Comitê
do Patrimônio Mundial da Unesco esclarece mudanças recentes na Portaria nº
166/2016, editada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan). No documento, o órgão do governo brasileiro explicou à Unesco que a
norma “é o principal instrumento para a preservação do Conjunto Urbanístico de
Brasília”. O texto definiu os parâmetros e os critérios para preservar o
projeto da capital federal. No ano passado, o Iphan baixou a Portaria nº
421/2018, que mudou trechos da anterior, com adaptações de redação ou com
adequações à realidade.
O texto de 2016 definia, por
exemplo, que os prédios dos anexos da Esplanada dos Ministérios devem ter, no
máximo, quatro andares. Mas muitos edifícios foram construídos com cinco
pavimentos. A nova portaria também proíbe a construção de estacionamento
subterrâneo no Eixo Monumental e endurece os critérios para ocupação do lote do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no Sudoeste.
Em nota, o Iphan detalhou “que os
relatórios sobre o estado de conservação dos bens são solicitados pelo Centro
do Patrimônio Mundial aos países como informações complementares”. Isso
acontece, segundo o instituto, “quando há alguma alteração ou questão que, do
ponto de vista da gestão desses bens, possa apresentar impactos significativos
dos valores que justificam sua excepcionalidade para a humanidade”. Ainda em
nota, o Iphan informou que “o relatório apresentado foi satisfatório e atendeu
às solicitações de informações quanto à gestão do bem”. “Acrescentamos ainda
que não há nenhum risco sobre o sítio de Brasília”, finaliza o texto enviado à
reportagem.
Constante
Para Daniel Mangabeira, presidente
do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF, os questionamentos da Unesco
sobre a conservação de Brasília “reforçam a constatação de que a preservação
deve ser uma constante”. “Não podemos ter apenas ações pontuais. Essa deve ser
uma política pública dos governos federal e do Distrito Federal”, argumentou.
Para ele, os mecanismos de proteção estão bem definidos e há hoje uma boa
relação entre o Iphan e os órgãos distritais.
Mas Daniel lembra que,
historicamente, há uma omissão governamental com relação a alguns temas, como a
preservação do patrimônio. “Temas culturais não são priorizados em nenhum governo,
e isso é uma pena. Preservar o patrimônio é uma questão cultural, histórica, de
sociedade. A arquitetura é um bem cultural e, quando os governos perceberem
isso, daremos um grande salto rumo à civilidade”, acrescentou o presidente do
conselho.
A secretária adjunta de
Desenvolvimento Urbano e Habitação, Giselle Moll, diz que o constante holofote
internacional sobre o tombamento é importante para a preservação. “É excelente
que todos estejam preocupados. Afinal, Brasília é uma joia da arquitetura moderna
e do urbanismo e um exemplo de qualidade de vida que a gente quer preservar”,
argumenta. Giselle elogia a atuação conjunta com o governo federal e a
participação de entidades da sociedade civil. “Nunca houve uma integração de
gestão tão grande como nos últimos tempos, e estamos dando continuidade a
isso.”
Giselle Moll lembra que, às
vésperas de completar 60 anos, Brasília enfrenta o desafio da preservação. “A
área tombada tem 112 quilômetros quadrados. São muitos problemas e desafios que
temos de superar, como a manutenção das estruturas. O concreto envelhece muito
mal, e a gente precisa cuidar disso”, alerta. Segundo ela, a expectativa do GDF
é enviar até o fim do ano o projeto de lei do Plano de Preservação do Conjunto
Urbanístico de Brasília (PPCub) à Câmara Legislativa. A minuta está no Iphan
desde agosto do ano passado. “Vamos incorporar as recomendações do Iphan e
daremos continuidade às discussões públicas”, reforça a secretária adjunta de
Desenvolvimento Urbano e Habitação.
Incêndio
No caso da Chapada dos
Veadeiros, o relatório elaborado pelo governo brasileiro presta contas sobre a
expansão da área do parque de 65 mil para 240 mil hectares, realizada em 2017.
O documento também detalha o caso do incêndio de 2017, o maior da história da
região, e as medidas implementadas para recuperação da área.
Novo sítio
Neste ano, há uma
candidatura brasileira para inscrição na lista de patrimônios mundiais. Paraty
e Ilha Grande, no Rio de Janeiro, devem entrar na lista como patrimônio misto,
ou seja, cultural e natural. A discussão sobre a inclusão das cidades deve ocorrer
até sábado, no encontro do Azerbaijão. O Brasil tem hoje 21 sítios
classificados pela Unesco como patrimônio mundial — 14 culturais e sete
naturais. O primeiro a entrar na lista foi a cidade de Ouro Preto, Minas
Gerais, em 1980. Brasília ganhou o título sete anos depois.
Aval do Iphan: A
Portaria nº 166/2016 define quais alterações na área tombada devem ser
submetidas previamente ao Iphan pelo GDF. Confira quais são: » Alteração
de usos e classes de atividades » Mudança de parâmetros urbanísticos referentes
a altura, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento e afastamentos »
Alteração do sistema viário principal na área tombada » Criação,
desmembramento, remembramento e reparcelamento de lotes na área tombada »
Planos de ocupação para instalação de engenhos publicitários, quiosques e
estruturas de telecomunicação na área tombada » Alteração do projeto
padrão de sinalização e do padrão de endereçamento urbano » O Iphan, a seu
critério e a qualquer tempo, poderá requisitar a análise de outras intervenções
no espaço urbano que julgar pertinentes à preservação da área tombada
Memória - Relatório e críticas
Em março de 2012, uma
missão da Unesco esteve em Brasília para fazer um relatório sobre o estado de
conservação do patrimônio mundial da capital federal. O argentino Luís Maria
Calvo e o espanhol Carlos Sambrício foram os consultores indicados pela Unesco
para a missão, que durou cinco dias. Os especialistas estrangeiros percorreram
a cidade, conversaram com autoridades e se reuniram com representantes de
instituições de defesa do patrimônio. À época, os técnicos da Unesco criticaram
a falta de interação entre o GDF e o Iphan, alertaram para a importância de
impedir construções de empreendimentos irregulares à beira do Lago Paranoá e
denunciaram o estado de degradação da W3.
Um dos pontos que mais
chamou a atenção dos especialistas da Unesco foi o abandono das entrequadras
comerciais da Asa Sul, com o uso indiscriminado de áreas públicas. O relatório
foi submetido ao Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco em 2012, durante
reunião realizada em São Petersburgo, na Rússia. Os integrantes da entidade
entenderam que, apesar das graves agressões ao projeto do Plano Piloto que
motivaram críticas mundiais, Brasília não deveria perder o título de patrimônio
mundial da humanidade.
(*) Helena Mader – Fotos: Breno
Fortes/CB/D.A.Press – Tony Winston/Sedhab – Correio Braziliense
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BRASÍLIA - DF