A centelha da cultura
*Por
Severino Francisco
Em todos os tempos, o desapreço à
cultura é o sinal mais evidente do obscurantismo dos governantes. E, em
Brasília, tal desprezo soa ainda mais absurdo, pois a cidade foi construída por
artistas ou amantes da arte. Se a nova capital nasceu no ápice da arquitetura
brasileira moderna, ela teve também um arquiteto do pensamento, o escritor, professor
e parlamentar Darcy Ribeiro, o inventor da Universidade de Brasília.
Como ele mesmo disse, se não fosse
a Universidade de Brasília, a nova capital cresceria chucra, haurindo nas
pastagens de Goiás. Darcy concebeu a UnB não apenas como centro de pesquisa
científica, mas também como viveiro cultural e artístico. No livro UnB –
Invenção e descaminho, ele enfatiza o desafio de fazer da Universidade de
Brasília o que nunca fora universidade alguma, embora todas a pretendem.
E argumentava que é relativamente
fácil formar cientistas na quantidade que se queira. Mais fácil ainda é
produzir profissionais universitários a mancheias. No entanto, ninguém
descobriu ainda a fórmula de provocar a eclosão da criatividade artística e
cultural.
Contudo, se não se pode programar,
é possível criar um ambiente propício, se não ao seu surgimento, pelo menos à
sua sobrevivência e difusão. “Obviamente, alcançar essa meta mais alta nos
interessava vivamente. Para tanto, a UnB estava disposta a acolher, abrigar e
incentivar, em seu câmpus, quem quer que pudesse de algum modo contribuir para
isso. Sua obrigação seria tão só a de conviver na comunidade universitária”.
Darcy gostava de repetir: só se
faz sábios com sábios. E, graças à sua obsessão, os alunos da UnB puderam
conviver com Athos Bulcão, Glênio Bianchetti, Silvia Orthof, Rogério Duprat, Claudio
Santoro, Nelson Pereira dos Santos, Paulo Emílio Salles Gomes, Luiz Humberto,
entre outros. É dessa semente que floresceram e continuam florescendo várias
gerações importantes da cultura brasiliense.
A ambição era, segundo Darcy, a de
superar a obsessão profissionalista e mediocrizante dos currículos-mínimos,
fundados na vã expectativa de que se possa formar qualquer trabalhador
intelectual com certa quantidade de créditos em disciplinas prescritas dentro
de uma sequência integrada na civilização moderna exige habilidades tão
variadas e mutáveis que não podem ser previstas nem capituladas em currículos.
Caberia aos governantes e às
instituições “abrir à população de Brasília amplas perspectivas culturais que a
livrassem do grave risco de fazer-se medíocre e provinciana no cenário
urbanístico e arquitetônico mais moderno do mundo”.
(*) Severino Francisco - Colunista
do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google
Tags
CRÔNICA