Cobogó é
um acrônimo que esconde desejos. É um modo de ser brasiliense. Os elementos
vazados existem desde a China antiga. São treliças e muxarabis feitos de
concreto armado. São luz e brisa, escondem e revelam - (Por Conceição Freitas)
Cobogó é
uma palavra esquisita, tropeça nela mesma. É quase uma brincadeira de
trava-língua, o rato roeu a roupa do rei de Roma. Tem gente que diz codobó,
cocogó, cobobó, e gente que desiste e aponta… aquilo ali.
É um
acrônimo, um elemento da arquitetura, uma paisagem de concreto, uma identidade
brasiliense. Virou nome de loja, de galeria. Estampa camisetas, inspira pingentes, brincos,
anéis. Ganhou cores e está em 10 de cada 10 projetos de arquitetura fashion
Cobogó é
primo da treliça, que é prima do muxarabi, que é primo da gelosia, e são todos
a mesma coisa, com diferenças de matéria-prima e de lugar e tempo histórico.
É de
concreto, mas nasceu de madeira. O cobogó seria pesado, mas é
leve. Seria parede, mas é janela, são muitas janelinhas sempre abertas.
É moderno
e brasiliense, mas nasceu árabe e chinês, depois virou português e, por último,
brasileiro.
Muxarabi
significa “local onde é refrescado o pote de água”, segundo o arquiteto Carlos
Alberto Cerqueira Lemos ouviu de um especialista em etimologia de expressões
árabes antigas.
Numa
província rural da costa leste da China, há portas e janelas feitas
inteiramente com bordados vazados na madeira. Na arquitetura vernacular chinesa
– ou dito de modo menos pretensioso, na arquitetura popular chinesa –, janelas
e portas são o principal elemento decorativo das casas (segundo Renata Paulert,
em dissertação da pós em construção civil da UFPR).
Cobogó é
vento, é claridade, mas é também sombra e recato. É um modo de ver sem ser
visto. É uma prisão de onde não se pode fugir, de onde se pode fugir o tempo
inteiro.
É brisa,
é som, é segredo revelado, são segredos contidos.
As
treliças de madeira nas janelas e nas varandas escondiam as mulheres dos
olhares masculinos. Era o desejo enclausurado na China, no mundo árabe, no
império português, no Brasil colônia.
Cobogó é
o casamento da primeira sílaba do sobrenome dos três homens que transformaram
as antigas treliças e os milenares muxarabis em elemento da arquitetura
moderna.
É uma palavra feita com sílabas de pedra: CO, do mestre de obras
português Amadeu Oliveira Coimbra; BO, do ferreiro alemão Ernest Boekman;
e GÓ, do engenheiro brasileiro Antônio de Góis.
Juntos,
CO, BO e GÓ tiveram a ideia de fabricar treliças (ou muxarabis ou gelosias) em
concreto armado para revestir a Caixa d’Água de Olinda (PE) em 1934. Naqueles
anos 1930, a arquitetura moderna brasileira começava a ocupar a paisagem do Rio
e de São Paulo.
Coimbra, Boekman
e Góis tiveram o mérito de fabricar os elementos vazados e usá-los num
edifício institucional. “O movimento moderno de Pernambuco sistematizou o uso
do cobogó”, me disse há alguns anos o professor Maurício Rocha de Cavalho, da
FAU/UFPE, a escola de arquitetura da federal de Pernambuco.
Menos de
uma década depois de o cobogó aparecer numa caixa-d’água de Olinda, Lucio Costa
revestiu as fachadas dos edifícios do Parque Guinle, no Rio de Janeiro, com
elementos vazados meio cor de vinho, meio cor de terra. Foi lúdico:
intercalou brises, cobogós com e sem janelas. Os edifícios do
Guinle são considerados os ensaios das superquadras do Plano Piloto de
Brasília.
Aqui,
Oscar Niemeyer foi bem menos lúdico e bem mais monótono: criou imensos tecidos
brancos de cobogó para cobrir as fachadas internas das primeiras
superquadras e as fachadas das casas da W3 Sul.
Cobogó é
Brasília, nascido das mais antigas arquiteturas, meio barroco, rendado,
geométrico, moderno, concreto, frio, lúdico. Seria um poema de João Cabral de
Melo Neto ou de Joaquim Cardozo, mas é de Lucio e Oscar. Dedicado aos
brasilienses.
Por
Conceição Freitas – Fotos: Raimundo Sampaio - Metrópoles







