JK e convidados acompanham, pelo rádio, jogo da seleção na
Copa de 58 no Brasília Palace Hotel. Ao fundo, painel de azulejo de Athos
Bulcão
Brasília Palace Hotel – uma história de glamour e
badalação.Primeiro hotel construído em Brasília, o espaço se tornou símbolo do
luxo, da cultura e do poder nos anos 60. Abalado por um incêndio em 1978, ele
ressurgiu e voltou à ativa
…E tudo aconteceu por causa de uma cafeteira esquecida e ligada na
tomada após uma reunião. Em questão de minutos, um rastro de destruição e caos
detonou todo o terceiro andar do Brasília Palace Hotel, um dos primeiros
prédios a serem erguidos na nova capital – em 30 de junho de 1958, junto com o
Palácio da Alvorada. Era uma madrugada de agosto de 1978 e o incidente fechou
por mais de 20 anos o lugar projetado por Oscar Niemeyer. Mas, como uma fênix
brasiliense, o espaço se recuperou da tragédia e hoje brilha na paisagem
bucólica do Setor de Hotéis e Turismo Norte (SHTN), à beira do Lago Paranoá.
“A reforma foi de 100%, aproveitaram só a estrutura de aço. Aliás,
o Brasília Palace Hotel foi o primeiro empreendimento do Brasil a ser
construído com vigas metálicas produzidas no país. Toda a estrutura de ferro
foi mantida, só fizeram algumas recuperações, o restante foi todo
reconstruído”, explica Mariana Ramalho, há quase dez anos gerente de operações
do hotel.
Reerguido com quase todas as suas características originais em
2005, após investimento de mais de R$ 22 milhões de empresas vinculadas ao
grupo Paulo Octávio, o empreendimento sofreu uma sutil alteração no desenho
pioneiro feito por Niemeyer. Tudo foi acompanhado pelo escritório do arquiteto
e seguindo as normas da época. Hoje, o hotel conta com pequenas sacadas que
substituíram janelões panorâmicos. “É um projeto do Oscar Niemeyer, um marco”,
destaca a gerente.
O hotel nasceu de uma necessidade orgânica. Dentro, os móveis
antigos, alguns da época do surgimento do local, dão um clima de nostalgia
mágica ao espaço. A ideia de Niemeyer era que o local acolhesse, num primeiro
momento, os engenheiros, técnicos e arquitetos que aqui chegassem para a
construção da cidade, então alojados na Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante)
ou na Vila Planalto. Mas acabou servindo de base, também, para dezenas de
visitantes que queriam conhecer, in loco, a grande epopeia faraônica do
governo JK.
O hotel,
inaugurado em junho de 1958, foi uma das primeiras construções da cidade
Baixinho, com seus três andares que lembram a estrutura dos
prédios da Esplanada que vieram depois, o Brasília Palace Hotel tinha 135
quartos e foi o primeiro estabelecimento do gênero no Brasil a ter sistema de
ar-condicionado. Nos seus anos de glória o lugar possuía, como estrutura, a
piscina, quadras de vôlei, tênis e basquete, uma prainha charmosa formada na
beira do lago, além de restaurante e dois bares. Os serviços do espaço foram
oferecidos antes de sua inauguração, quando recebeu, ainda com as instalações
incompletas, o então ditador paraguaio Alfredo Strossner. Era uma emergência.
“A dois de maio, Brasília recebe a visita do Presidente do
Paraguai, General Alfredo Stroessner, (…), sendo ali realizado imponente
banquete em homenagem àquele visitante”, escreve no livro Histórias de Brasília – Um Sonho, Uma
Esperança, Uma Realidade, Ernesto Silva, um dos diretores da
Novacap.
Bailes
e festas: Concluído e inaugurado, o Brasília Palace Hotel
virou referência de glamour e badalação na cidade. Era o espaço de
confraternização e convivência dos pioneiros, gente da alta sociedade,
políticos e embaixadores. E dos servidores vindos de outros pontos do país, que
se encontravam nos bailes e festas no salão principal, um luxo só. Para
começar, contava, e conta até hoje, com uma das primeiras obras assinadas pelo
artista plástico Athos Bulcão, em Brasília. Com mais de 2m de altura, o
trabalho, um mural com influências surrealistas, é bem diferente das
intervenções realizadas com os conhecidos azulejos.
Painel de
Athos Bulcão ocupa lugar de destaque no salão. Espaço foi cenário das primeiras
obras do artista na cidade
“As pessoas que acreditavam em Brasília e que vieram para cá não
tinham espaços de lazer. O Iate Clube só ficaria pronto no começo dos anos 60,
então o Brasília Palace Hotel era o lugar das famílias que chegavam à cidade”,
diz a gerente Marina Ramalho. “Durante o dia aproveitava a piscina, havia uma
quadra de esporte e acesso ao Lago, que estava em construção. À noite, ocorriam
os bailes e aos domingos, a missa”, detalha.
Até por conta da posição estratégica, ou seja, de ser um dos
poucos lugares de lazer e diversão, natural que o hotel fosse palco de
importantes acontecimentos. Além dos bailes de carnavais e festas de réveillon,
o espaço foi cenário para o primeiro concurso de Miss Brasília de 1959. O
desfile de maiô foi realizado à beira da piscina oval do hotel que, reza a
lenda, foi desenhada por Niemeyer nesse formato, porque era Páscoa na época.
Tom e Vinícius: No mesmo ano, no bar
do Palace, Tom Jobim e Vinícius de Moraes tocaram pela primeira vez em público
a música Água de Beber, registro
pioneiro musical feito na nova capital durante passagem pela cidade. No ano
seguinte, 1960, o Palace Hotel foi escolhido para celebrar o Ano Novo Judaico,
realizado por centenas de israelitas que vieram trabalhar na construção de
Brasília.
Apaixonado pelo hotel, o presidente JK, que chamava o lugar de
“xodó”, fazia questão de apresentar o Palace às autoridades e comitivas que
vinham conhecer as obras de Brasília e, durante os jogos da seleção brasileira
no Mundial de 1958, não saia de lá. Há até uma foto clássica dele ouvindo a
final da Copa, tendo como fundo, os azulejos de Athos Bulcão. Juscelino não
escondia o encanto com o clima calmo, aconchegante e intimista do hotel,
destoante dos demais estabelecimentos do gênero no setor.
Foi a
última visita que ele fez em vida à Brasília. Teve algumas surpresas, outras
nem tanto. A gente tem uma honra muito grande de ter essa Rural Willys aqui,
por conta de toda a simbologia que ela traz Mariana
Ramalho, gerente do hotel
“A gente brinca que ele é um hotel que sussurra, é muito
tranquilo. Se alguém fala num tom mais alto, as pessoas se assustam”, observa a
gerente Mariana. “É o lugar ideal na cidade para se hospedar com a família,
pelo sossego, pela paz e beleza. Todas às vezes que venho a Brasília fico aqui.
É um lugar que realça, em sua plenitude, a história de Brasília”, comenta o
servidor público pernambucano Walter Abreu Diniz que, por conta do trabalho,
vem pelo menos duas vezes ao mês à capital.
Na parte externa do hotel que seguia o modelo de administração nos
padrões dos Estados Unidos, é possível o hóspede ou turista ver uma relíquia
que pertenceu ao presidente JK. Trata-se de uma Rural Willys com a qual ele
veio à cidade, às escondidas, em 1972, já que era um político caçado pelos
militares. Contam que, na época, ele desembarcou de avião em Luziânia,
seguindo, à paisana, no veículo em comitiva até a cidade que sonhou criar.
Nessa Rural
Willys, Juscelino Kubitschek visitou Brasília pela última vez. O carro é uma
das atrações do espaço
“Foi a última visita que ele fez em vida a Brasília. Teve algumas
surpresas, outras nem tanto. A gente tem uma honra grande de ter essa
Rural Willys aqui, por conta de toda a simbologia que ela traz”, diz,
emocionada, a gerente Mariana Ramalho.
Nobres e astros da música: A lista de
hóspedes que já passaram pelo Palace Hotel chama a atenção pelo ineditismo,
elegância e diversidade. Símbolo do luxo, da cultura e do poder dos anos 60, o
espaço serviu de pouso para a realeza mundial. Quando tudo em Brasília ainda
era um canteiro de obras e poeira a perder de vista, estiveram por aqui, entre
outros, o príncipe Misaka, do Japão, em junho de 1958; o príncipe Bernhard, da
Holanda, em janeiro de 1959; além da duquesa de Kent, da Inglaterra, em março
do mesmo ano.
Em abril de 1959, o comandante cubano Fidel Castro passou pela
cidade, visitou o Palace, gostou do que viu, mas deixou para descansar o
esqueleto em outras padrarias. Convidado pelo presidente Jânio Quadros para
receber uma condecoração, em agosto de 1961, o colega de farda e ideologia, Che
Guevara, ficou hospedado no apartamento 305. Estrelas da nossa música como
Roberto Carlos, Wilson Simonal, Chico Buarque, Odair José e os comediantes
Mussum e Zacarias desfrutaram do conforto e charme do espaço. Então no auge da
carreira, ainda curtindo os louros do sucesso do disco Gitá, lançado um ano antes,
o roqueiro Raul Seixas pernoitou no quarto 231, em junho de 1975. No mesmo ano,
em novembro, Ney Matogrosso, no ápice da carreira solo, após arrebatar o país à
frente dos Secos & Molhados, fez um show à meia-noite no Golden Room do
Hotel.
À frente de uma equipe de 40 pessoas responsável pela limpeza e
organização dos hoje 156 quartos do Brasília Palace Hotel, a governanta
Rosimaria Rodrigues não esconde a satisfação de trabalhar num lugar com uma
história tão bonita com a cidade. Ela conta que um dos momentos mais marcantes
ali foi quando recebeu a seleção brasileira durante a Copa de 2014 e a musa das
passarelas, Gisele Bündchen. “É sempre um grande prazer receber a
clientela do estabelecimento, tenho orgulho de trabalhar num lugar com a
importância que tem o Brasília Palace Hotel”, resume.
Galeria de Fotos: http://twixar.me/wH41
Lúcio Flávio – Agência
Brasília - Fotos:
Arquivo Público do DF/Divulgação






