Meu amor por Brasília
*Por Rodrigo
Craveiro
A minha relação com Brasília envolvia um misto de
amor e de ódio. Nasci em Goiânia, e os quase 200km que separam as duas cidades,
hoje, eram bem mais complicados de transpor anos atrás, época das Sete Curvas.
Pelo menos uma vez por ano, vinha com o meu pai e meu irmão gêmeo visitar uma
tia-avó na capital. Achava esquisito e, ao mesmo tempo, me encantava com
aqueles blocos enfileirados como se fossem uma grande maquete, cercados de
áreas verdes. A ansiedade era sempre maior para atravessar a Esplanada dos
Ministérios e admirar o Palácio do Planalto e a Praça dos Três Poderes. Ela
sempre estava acompanhada daquele senso de patriotismo, do orgulho em ser
brasileiro. A decepção vinha à tona quando percebia a presença de sem-tetos e
de pedintes a poucos metros do centro do poder. Retrato cruel do imenso fosso
social no coração do Brasil — e reflexo de todo o país.
Os anos se passaram até o meu reencontro com
Brasília. O papa João Paulo II tinha acabado de falecer. Lá estava eu, na casa
de meus avós, de férias, assistindo à cobertura pela TV quando recebo um
telefonema deste jornal com um convite de trabalho. Cheguei à capital federal,
de mala e cuia, em 2005. E Brasília continuava a instigar minha perplexidade.
Somente consegui “pegar o Eixão” depois de três anos como “brasiliense
adotado”. Era tiro e queda: depois de várias “tesourinhas”, caía sempre no
Eixinho, enquanto os carros avançavam do outro lado, na pista mais larga e a
uma velocidade maior.
O amor por Brasília se fortaleceu depois do
nascimento de meu filho. A admiração passou a conviver com a gratidão. De fato,
a cidade se assemelha a uma mãe: generosa, afetuosa e acolhedora. Quem, como
eu, chega a Brasília, sente um estranhamento em um primeiro instante. Mas tal
sensação dá lugar à admiração por tamanha obra de arte arquitetônica e
urbanística. Além de museu a céu aberto, Brasília me remete a um imenso parque.
A amplidão do Planalto fascina, o céu azul (mar do Centro-Oeste) hipnotiza. Não
consigo conter o aborrecimento quando pessoas de fora associam a capital à
corrupção, às mazelas do poder e da política. Brasília é muito mais que isso, é
a alma de uma nação, o legado do ímpeto corajoso e criativo de
brasileiros.
(*) Rodrigo Craveiro – Correio
Braziliense – Foto: Breno Fortes - /Ilustração: Blog - Google
Tags
CRÔNICA