Chico Leite Procurador de Justiça, ex-deputado distrital
“Com a Lava-Jato, tínhamos avançado no combate à
corrupção. Agora, para minha surpresa, enfrentamos um debate
civilizatório”
Você foi o autor do primeiro projeto de lei que
tinha como tema permitir que a Câmara Legislativa aceitasse
assinaturas digitais para a apresentação de projetos de
iniciativa popular. Por que o texto foi rejeitado?
Meu sentimento é o de que, ao rejeitar o esforço
para acolher projetos de iniciativa da população, a Casa Legislativa acabou
desprestigiando exatamente quem deveria representar. Abdicou do protagonismo,
que agora passou ao Congresso, e desperdiçou a oportunidade de concretizar um
instrumento democrático que hoje, lamentavelmente, é apenas uma promessa
constitucional não cumprida. Na mesma sessão, assisti, com muita tristeza,
rejeitarem também minha proposta de que as relatorias dos projetos fossem
distribuídas por sorteio, aleatoriamente, como no judiciário e no MP, ao invés
da designação direta ou avocação pelo presidente da comissão, para evitar
barganhas e motivações ás vezes inconfessáveis.
Para a apresentação de projetos populares, é
exigido um mínimo de apoio de cidadãos, mas é difícil recolher essas
assinaturas e depois conferi-las... Não seria bem mais simples esse modelo
digital?
Mais simples e efetivo. Seria a demonstração de que
a vontade da sociedade é bem-vinda sempre, e não somente na hora de depositar o
voto na urna eletrônica.
Você se inspirou em algum legislativo?
Quem me inspirou foi o Dr. Marlon Reis e o
movimento de combate à corrupção eleitoral. Mas seríamos pioneiros, como
outrora já fomos no fim do voto secreto parlamentar e do nepotismo, na
obrigatoriedade da publicação dos gastos dos parlamentares e na exigência de
ficha-limpa para o exercício de cargo público, que eu propus, e as legislaturas
da época compreenderam a importância e aprovaram.
Olhando agora de fora do Legislativo, acha que, em
geral, os parlamentares estão dessintonizados com a população?
A sintonia nasce quando a população enxerga
coerência entre a prática do eleito e o discurso do então candidato. E se
fortalece na medida em que os parlamentares , durante o mandato, dediquem-se
aos interesses da cidade e do país , e não a transformarem os mandatos em
balcão de negócios ou em carreiras, meios para ascender social e economicamente
na vida. Política não é profissão e o eleitor não costuma perdoar a quem lhe dá
as costas
Sobre segurança pública, qual é a sua avaliação
sobre esses casos de feminicídio registrados no DF? ente que tem
aumentado? O que leva a essa onda de violência?
O feminicídio é resultado de uma cultura machista e
misógina, de objetificação da mulher e de intolerância com as diferenças. E tem
aumentado com o retrocesso político que vivenciamos, de estímulo ao ódio e a
desqualificação de quem divirja. A saída seria a opção por providências
preventivas duras, de prisão ou tornozeleira, para o primeiro esboço de
agressão, com o intuito de evitar o mal maior. Mas, se não levarmos a sério a
proliferação da violência, a partir da pregação das próprias autoridades que deveriam
cultivar a paz, pouco adiantará a aplicação da lei, porque ela não trará de
volta as vidas que desejamos preservar.
Oito meses depois do fim do governo
Rollemberg, o DF melhorou, piorou ou está nas mesmas condições?
Permanecemos com problemas fiscais e com o desafio
da retomada do desenvolvimento, para a geração de emprego e renda. O que mais
me preocupa, no entanto, sinceramente, é a agenda de um grupo hegemônico
nacional, que se reflete aqui na capital - e que eu imaginei um dia termos
superado, com a redemocratização do Estado brasileiro, - de secundarização da
educação como formadora de melhores seres humanos; de privatização da saúde
coletiva e do patrimônio das famílias pátrias; de admissão da mentira e de fake
news, como ferramentas da política; de incentivo ao armamentismo, ao
desmatamento, ao sexismo e ao racismo; de desrespeito à diversidade; de
esmagamento das minorias; de precarização da segurança e da saúde dos
trabalhadores e de flexibilização dos conceitos de trabalho escravo e infantil;
de provocação de instabilidade às relações jurídicas; de tentativa de
desmoralização de personalidades e dos poderes constituídos; enfim, de retorno
a um ambiente de autoritarismos e propriedades da verdade. Com a Lava-Jato,
tínhamos avançado no combate à corrupção - independente do comportamento
questionável de um ou outro de seus atores, de que a justiça cuidará. Agora,
para minha surpresa, enfrentamos um debate civilizatório. Ainda bem que a Carta
de 88 e o aprendizado da nação, com todos esses trinta anos de luta, nos
legaram instituições amadurecidas.
Ana Maria
Campos – Coluna “Eixo Capital” – Foto: Minervino Junior/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense
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À QUEIMA-ROUPA