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A rainha, as cigarras, o canto e o sexo escandaloso no Plano Piloto

A rainha, as cigarras, o canto e o sexo escandaloso no Plano Piloto. Quando visitou a 308 Sul, Elizabeth II ficou intrigada com um barulho insuportável. Soube que eram machos desavergonhados atraindo as fêmeas. (Por Conceição Freitas)

Conta-se que quando esteve no Jardim de Infância 308 Sul, em 1968, a jovem rainha Elizabeth II não gostou do que ouviu: uma zoada aguda e ensurdecedora, talvez alguma máquina fora de controle. Com a discrição e quem sabe, o sarcasmo britânico, alguém do cerimonial do Palácio de Buckingham perguntou a alguém do cerimonial brasileiro se era possível desligar o motor infernal. Não se sabe exatamente como foi a reação do brasiliense, mas é provável que não tenha entendido de imediato que barulho candango estaria incomodando os ouvidos reais.

Eram as cigarras que, naquele novembro, cantavam anunciando a chegada das chuvas e, por certo, aproveitavam tão monárquica visita para saudar a rainha. Também não ficou registrado se alguém teve o atrevimento de contar à Sua Majestade a verdadeira razão pela qual aqueles insetos cantavam tão desarvoradamente.

– É o macho, Vossa Majestade, que está chamando a fêmea para o acasalamento, o constrangido súdito deve ter dito à rainha Elizabeth, com o olhar levemente inclinado para o chão e um certo rubor britânico, se é que os britânicos têm rubores. Talvez tenha dito apenas para o príncipe Philip que se encarregou de transmitir a indecente informação à sua mulher. Como quem é rainha nunca perde a majestade, Elizabeth manteve o sorriso e a altivez que o mundo acompanha há 67 anos. Talvez, quem sabe, naquela noite, na suíte presidencial onde o casal ficou hospedado no Hotel Nacional tenham ecoado gritos de êxtase. Viagens costumam ser excitantes, ainda mais sob tão extravagante inspiração.
Há quem diga que as cigarras andam sumidas. O engenheiro florestal Manoel Cláudio, autor de dois guias de árvores do cerrado, brinca: “É o calor!”. Cadê as cigarras? Os brasilienses se perguntam a cada novo setembro. Ainda é cedo para dizer que neste ano elas não virão. O período de acasalamento tão escandaloso vai até novembro, para desespero de certos síndicos e vizinhos pudicos que tentam silenciar o sexo um pouco mais barulhento.

Ficarão um pouco mais tranquilos se souberem quão trágico e fugaz é o amor entre as cigarras. Elas passam a vida enterradas no chão e só saem quando o tempo esquenta. Emergem da escuridão com um projeto específico e vital: o sexo. Irrompem da casca, soltam as asas, gritam, gritam, gritam, acasalam-se, põem ovos e morrem. A gritaria chega a atingir mais de 120 decibéis (um concerto de rock alcança 110 decibéis, a decolagem de um avião a jato, 120).

As ninfas órfãs fogem em fios de seda para dentro da Terra e somente em um ou dois anos saem em busca de seus motéis preferidos: as cascas das árvores, de preferência bem debaixo dos quartos dos apartamentos do Plano Piloto. Suspeita-se que as cigarras tenham um projeto revolucionário: o de vingar os que têm sede de liberdade, de canto, de alegria, de amor, de exagero. Fazem sexo escandaloso bem debaixo da janela do quarto dos mal-humorados, dos cheios de não-me-toques, dos intolerantes, dos moralistas e dos pudicos em geral. Se tudo der certo, este dia está chegando.

Por Conceição Freitas - Fotos: Joaquim Firmino/Arquivo Público-DF - Metrópoles

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