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Até quando teremos que repetir: Niemeyer não é o criador de Brasília


Até quando teremos que repetir: Niemeyer não é o criador de Brasília É vã a polêmica em torno do uso do espaço destinado ao arquiteto dos monumentos de Brasília. E quem disse que a cidade não quer Oscar? (Por Conceição Freitas)

Do mesmo modo que a Terra é redonda, o criador de Brasília é Lucio Costa. Em entrevista ao repórter Caio Barbieri, do Metrópoles, a neta de Oscar Niemeyer, Ana Lúcia Niemeyer, disse que o avô é “o criador de Brasília”.

(A frase foi dita no seguinte contexto: “O maior objetivo da fundação [Fundação Oscar Niemeyer] é com quem tem interesse de conhecer a história da cidade. Não é uma vaidade para homenagear o criador de Brasília”.) Às vezes, é necessário chover no molhado, embora ainda seja agosto e as chuvas estejam a duas semanas do quadradinho. Quem inventou o Plano Piloto foi Lucio Costa, autor do projeto de número 22 que concorreu com outros 25.

Oscar teria sido o criador de Brasília, se quisesse, mas recusou o convite que lhe fez Juscelino num dia de setembro de 1956. Sugeriu um concurso para arquitetos brasileiros com júri internacional. Ele, Oscar, se encarregaria dos palácios, dos monumentos, da paisagem arquitetônica da cidade. “Se Brasília não quer Niemeyer, não sou eu quem vai insistir”, disse a neta do arquiteto ao comentar a decisão do Governo do Distrito Federal de reabrir o Espaço Oscar Niemeyer com uma exposição de Siron Franco. A polêmica, por si só, é vã. Mas vamos por partes.

Durante mais de 40 anos, Niemeyer teve o monopólio das obras institucionais de Brasília. Desde o Palácio da Alvorada e o Brasília Palace Hotel, obras que começaram a ser construídas antes mesmo de se saber quem venceria o concurso do Plano Piloto, até os anacrônicos Museu da República, Biblioteca Nacional e até a Torre Digital – que, para muitos arquitetos, incluindo Carlos Magalhães, nem arquitetura é.
Se as primeiras obras do genial Oscar Niemeyer (sim, ele foi genial, e não sou eu quem diz, é a fortuna crítica brasileira e estrangeira), se essas primeiras obras surgiram na paisagem monótona do Cerrado como aves de concreto esplendor, as que vieram depois da década de 1980 foram perdendo a capacidade de espantar o mundo. Entre os anos 1940 e 1950, a arquitetura moderna brasileira esteve para a arquitetura do planeta como a bossa nova para a música e Pelé para o futebol. Quem sabia ver se deixou tomar pela estranha, concreta, barroca, moderna e diáfana beleza muito bem representada pelo Palácio da Alvorada, o Itamaraty, a Catedral, a Igrejinha, a segunda ponte e o QG do Exército (como pode um quartel-general ser diáfano? Mas é. Os volumes diluem-se no horizonte, numa bem-pensada proporção entre volume e vazio, céu e Cerrado, sobriedade e monumentalidade. A escultura em forma de punho de espada tem a soberania fluida que cabe muito bem a um país tropical)
Mesmo passados mais de 20 anos da construção de Brasília, finda a ditadura militar, Oscar Niemeyer continuou tendo domínio sobre as obras de caráter institucional. Os tribunais, a sede da Procuradoria-Geral da República, o Panteão da Pátria, o Espaço Lucio Costa e mais tarde o sofrível Museu da República, de que a cidade tanto gosta. A querência, nesse caso, já não é mais da ordem das qualidades arquitetônicas. É movimento de apropriação. É Niemeyer, é Brasília, nos pertence. Portanto, Brasília reverencia o arquiteto, mesmo onde ele não é mais o genial arquiteto. O uso que se dará ao Espaço Oscar Niemeyer é outra discussão. Ana Lúcia Niemeyer informa que o acervo do avô tem mais de 10 mil documentos arquitetônicos, entre plantas, croquis, fotos, mobiliário, escultura, maquetes, prêmios. É de se suspeitar, de relance, que essa enormidade de itens – por certo preciosos para a memória da arquitetura moderna brasileira – não cabe no compacto volume construído atrás da Praça dos Três Poderes.

O Espaço Lucio Costa, igualmente compacto, abriga apenas os croquis e documentos do projeto do Plano Piloto de Brasília e a maquete do projeto vencedor. E uma exposição temporária de Siron Franco não vai macular o sagrado espaço do supremo arquiteto. A discussão, portanto, me parece enviesada

Por Conceição Freitas – Fotos: Daniel Ferreira – Rafaela Felicciano – Giovanna Bembom – Igo Estrela - Jp Rodrigues - Metrópoles 


2 Comentários

  1. Bom, entendo que um ou uma não iniciada em arquitetura não esteja acostumada com os termos corretos, nem com a história e a real participação de seus atores. Para começar, criador de Brasília? Criador de plano piloto? Você não é criador, você é autor. Criador pode se referir à criador de gado, ou outros oficios. Em arquitetura e urbanismo, você é autor.

    Concordo que o Lúcio Costa mereça destaque como autor do plano diretor da cidade, ou plano piloto se assim o preferir. E sim, o Oscar é responsável pelos edifícios.

    Contudo, a cidade seria a mesma, ou teria a mesma importância se não fossem pelos edifícios projetados pelo Niemeyer? Obviamente não. Assim como não seria a mesma cidade se não fosse o planejamento urbano elaborado pelo Lúcio Costa.

    Os dois tem igual importância pela cidade, pelos erros e acertos diga-se de passagem. Apesar de terem a mesma importância, concordo que não possuem o mesmo reconhecimento.

    Quanto a qualidade arquitetônica do Oscar, acho que você deveria procurar por melhores referências, do que "outros arquitetos" ou o irrelevante "Carlos Magalhães". Seria interessante consultar um verdadeiro estudioso do oficio da arquitetura ou crítico da área como o fantástico Kenneth Frampton, antes de pronunciar uma bobagem destas.

    É interessante você ter comentado que na década de 80 a obra do Niemeyer tenha perdido a capacidade de espantar o mundo, pois em 1988 ele foi laureado com o premio mais importante da arquitetura mundial, o Pritzker Prize. Estranho não? Deve ter sido um prêmio pela falta de capacidade de espantar o mundo.

    Quanto a ele ter sido considerado genial pela crítica nacional e internacional, não são apenas eles que reconhecem e admiram a produção do Oscar. A importância e relevancia do Niemeyer já foi reconhecida por arquitetos de produção tão reconhecida e premiada quanto ele. Pode-se citar o Foster, Hadid, Sejima, Koolhass, entre vários outros.

    Quanto ao volume do arcervo, obviamente mais uma vez você não tem conhecimento algum sobre a área. Você faz idéia de quantos documentos são gerados por um único projeto? Não, né? Se soubesse, entenderia que os números expostos são fáceis de chegar.

    Por fim, claro que a discussão é enviesada. Claro que a neta fez uma declaração defendendo o legado do avô. Como seria diferente? Se coloque no lugar dela. Eu faria o mesmo.

    A única coisa verdadeira, porém irrelevante, do texto foi dizer que a discussão foi enviesada.

    Sobre arquitetura você não fale, pois não entende e não sabe patavinas.

    Era melhor não ter escrito.

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  2. A jornalista CONCEIÇÃO FREITAS, mesmo não sendo arquiteta, aponta corretamente para muitos limites do trabalho do arquiteto, principalmente nos seus últimos anos de vida, em Brasília, como na desastrosa sede da Biblioteca Nacional, e outros locais, como a Cidade Administrativa de MG - e ainda em projetos não tão recentes como o Memorial da América Latina, em São Paulo. Além disso, a avaliação de Kenneth Frampton sobre ON demostra, ao longo de suas obras, muita ambiguidade e manifesta várias críticas à ON. O critico ingles chegou a dizer que a obra prima de Niemeyer era o antigo Cassino da Pampulha, em BH (o que parece até irônico, já que é uma obra inicial e de evidente filiação a Le Corbusier, e que não tem os traços que vieram a identificar toda sua obra posterior. E que Brasília já seria um momento de esgotamento da criatividade inicial do arquiteto.

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