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CELEBRAÇÃO » O jornal com alma brasiliense

Pedra fundamental do Correio, instalada no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), há 60 anos. Urna foi removida horas depois

*Por Jéssica Eufrásio 

O jornal com alma brasiliense. Há 60 anos, a pedra fundamental do primeiro veículo de comunicação de Brasília era lançada. Em discurso, JK destacou: "Que o Correio Braziliense, acompanhando esta cidade desde o alvorecer, possa marcar o desenvolvimento e o progresso que ela trará para o interior do Brasil"

Inaugurado na mesma data que a capital do país, o Correio guarda histórias que andam de mãos dadas com o crescimento de Brasília. A promessa de criação de um periódico na capital federal nasce de um compromisso firmado na tarde de 13 de setembro de 1959, quando foi instalada a pedra fundamental do primeiro veículo de comunicação originalmente brasiliense.

A audácia da proposta de criar um jornal em uma cidade que sequer existia assemelhava-se ao plano de Juscelino Kubitschek com Brasília. De uma conversa entre o ex-presidente da República e o empresário Assis Chateaubriand — fundador dos Diários Associados, maior conglomerado de comunicação do Brasil à época — nasceu a missão de criar um veículo que estivesse em atividade assim que a cidade fosse inaugurada.

A proposta, no entanto, era constantemente adiada, mesmo com a garantia de quem o apadrinhasse: a primeira-dama Sarah Kubitschek, para o impresso, além de Shelagh Parnell, para a TV Brasília — cuja criação foi anunciada pouco tempo depois. O plano ganhou seguimento em setembro de 1959. Por ocasião da cerimônia de abertura dos prédios-sede da Folha de Goiaz e da Rádio Clube de Goiânia, ambos na capital goiana, uma comitiva de cerca de 70 dirigentes dos Diários Associados estava a pouco mais de 200km da futura capital do país.

A oportunidade serviu para dar andamento ao plano de instalar o Correio e a tevê. Em 12 de setembro, data do aniversário de JK, o grupo chega à futura capital. No dia seguinte, eles se encontram em uma área de cerrado e terra — às margens do Eixo Monumental, onde ficaria o Setor de Indústrias Gráficas (SIG) —, para acompanhar o lançamento da pedra fundamental do impresso.

Leitores do futuro: alunos da rede pública, como os da Escola Classe 8 de Brazlândia, fazem visitas constantes ao jornal
Solenidade
Juscelino Kubitschek chega à cerimônia de helicóptero, acompanhado, dentre outras pessoas, da mulher, Sarah; da filha Márcia; e do então presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), Israel Pinheiro. Chatô não participou da solenidade, pois tinha compromissos no Rio de Janeiro. Em uma urna no chão, a primeira-dama coloca alguns exemplares do dia de jornais dos Diários Associados e uma ata. Em seguida, Juscelino despeja uma pá com cimento sobre a pedra fundamental. Impressos do grupo por todo o país noticiam o evento, além dos discursos de JK e do então diretor-geral do conglomerado, João Calmon.

O presidente da República afirma que “uma das mais gloriosas tradições da imprensa brasileira” iniciava as atividades ali. “Quero, portanto, congratular-me calorosamente com Calmon por essa iniciativa notável e formulo votos para que o Correio Braziliense, acompanhando esta cidade desde o seu alvorecer, possa marcar dia a dia, hora a hora, o desenvolvimento e o progresso que ela irá trazer para o interior do Brasil. (...) Faço votos para que o Correio Braziliense, nas suas colunas, registre a partir de agora todos os passos que integrarão o Brasil na conquista de si mesmo e no seu crescente desenvolvimento”, discursou Juscelino.

João Calmon, por sua vez, declarou que aquela seria a primeira contribuição dos Diários Associados para a “obra ciclópica” de Kubitschek. “Essa solidão, que foi quebrada pela mais arrojada proeza deste século, pelo menos na América Latina, seria menos tolerável se os habitantes de Brasília não dispusessem de um jornal diário, aqui composto e impresso, para registrar, hora a hora, todos os detalhes da vida da nova capital”, ressaltou. A segunda contribuição, o canal de televisão, segundo Calmon, compensaria a falta de teatros, cinemas, estádios ou vida noturna movimentada na cidade. Ele comenta que a TV Brasília amenizaria “a monotonia da vida na nova capital em seus primeiros anos”.

Diretor-geral dos Diários Associados à época, João Calmon recebe abraço de JK
Orgulho
A agenda de Juscelino, o cenário de terra e secura, além da inexistência de uma cidade, impedem que a solenidade ocorra com pompas. As sedes da tevê e do impresso sequer tinham planta. Oscar Niemeyer chegou a desenhar um esboço, mas o documento ficou esquecido sob um pequizeiro nas proximidades após a cerimônia da pedra fundamental. Poucas horas depois, um jipe da Novacap recolhe a urna e todo o conteúdo depositado nela para levá-la a outra solenidade. Apesar disso, a missão estava definida.

Escolhido para dirigir a TV Brasília, o jornalista Jairo Valladares, 87 anos, atuou como gerente de obras durante os trabalhos de construção dos prédios. Em texto de abril de 1962, ele descreve um pouco da rotina entre 1959 e 1960: “Hospedagem, naquela época, só mesmo o Brasília Palace; e, após meia hora de sacolejo do táxi, lá chegávamos inteiramente cobertos do pó vermelho de Brasília, como convinha à época.” Hoje, ele diz sentir falta daquela época. “Foi uma época muito interessante que vivemos. Éramos jovens, e, depois, outros foram chegando”, disse.

Jornalista e escritor, Adirson Vasconcelos, 83, acompanhou o crescimento do Correio nos primeiros anos de atividade. Lembrar-se do início de tudo é motivo de orgulho para ele. “Foi difícil, mas foi bom. Foi um trabalho que exigiu criatividade, idealismo e entusiasmo. Coisa de jornalista”, contou. Acompanhar a história da capital do país e do periódico também provocam alegria no cearense: “No jornal, me criei. Em Brasília, me realizei”, completou.

“Faço votos para que o Correio Braziliense, nas suas colunas, registre, a partir de agora, todos os passos que integrarão o Brasil na conquista de si mesmo e no seu crescente desenvolvimento” (Juscelino Kubitschek, ex-presidente)

Pioneirismo e modernidade
Ex-diretor da TV Brasília, Jairo Valladares e a mulher, a psicóloga Maria Silvia Valladares, testemunharam a história dos Diários Associados na capital federal

Superintendente dos Diários Associados em Goiânia, Edilson Varela abraçou a ideia de criar o Correio Braziliense e a TV Brasília. A proposta envolvia trabalhar com o periódico de mesmo nome editado por Hipólito José da Costa, em Londres, de 1808 a 1822. O jornalista e diplomata defendia a independência e a interiorização da capital do Brasil, levado a cabo no fim da década de 1950. Uma vez que o país se tornou emancipado de Portugal, o periódico foi descontinuado.

O clima de pessimismo que envolveu a criação da cidade não contaminou as esperanças de quem sonhava com um veículo de comunicação na futura Brasília. Assim como operários trabalhavam dia e noite para entregar uma capital pronta em três anos, o ritmo frenético das obras se repetiu para erguer o prédio do jornal.

Funcionários do grupo Diários Associados assumiram função extra e deixaram o terno e a gravata de lado para colocar a mão na massa ao lado de cerca de 500 operários, que se revezavam em turnos de 12 horas. Com a maioria morando em acampamentos — ou hospedados no Brasília Palace —, o trajeto era longo até os locais das obras. Equipes de técnicos estudavam a área, faziam orçamentos, convocavam trabalhadores. Betoneiras e andaimes dividiam o espaço de lama e terra com antas, tatus e seriemas típicos do cerrado. Em 2 de janeiro de 1960, começam as obras, que terminariam pouco mais de 100 dias depois, em 21 de abril, quando a capital se torna realidade.

Professor de cinema e televisão na Universidade de Brasília (UnB) e jornalista, Pedro Jorge de Castro avalia que as histórias do jornal e da capital federal são inseparáveis. “Desde o início, a cidade respira com ele. Brasília não pode prescindir do registro cotidiano feito pelo Correio a cada dia da existência dela. Também não pode prescindir da promessa do amanhã ou do que foi ontem. Não sei se Brasília pegou a mão do jornal ou vice-versa, mas essas duas crianças, importantíssimas para a história do país, nasceram juntas”, destacou Pedro Jorge.

O jornalista e escritor Adirson Vasconcelos acompanhou o surgimento do impresso e da TV Brasília: motivo de orgulho
Testemunho
No aniversário de três anos do jornal, Ari Cunha, jornalista e ex-vice-presidente institucional do periódico, descreveu, em um emocionado artigo, esse processo. No texto, ele comenta sobre a área em que o prédio surgia: “Era, de fato, difícil o acesso ao local onde está hoje o Correio Braziliense. Os jornais, em todas as cidades, sempre ficavam no centro urbano, à altura da mão dos seus leitores, anunciantes e das pessoas que normalmente fazem suas reclamações. Mas, dizia-se, à época, (que) nós devemos estar mal-acostumados. Se foi feito o planejamento por quem entende, fecharemos os olhos à vizinhança e planejaremos o jornal dentro do mato”, escreveu.

O vice-presidente executivo do Correio, Guilherme Machado, considera que a instalação da pedra fundamental representou o cumprimento de uma promessa e um marco para o início das obras. “Para os Diários Associados, estar na capital da República era fundamental. Eles estavam em quase todas as capitais do país. Foi um grande passo para o grupo. Foi extremamente importante, principalmente para Brasília, começar a história com um veículo de comunicação com a relevância do Correio”, afirma Guilherme.

Para o diretor de comercialização e marketing, Paulo Cesar Marques, Brasília mudou a face do país pelos pontos de vista geográfico, econômico e social. Ao longo desse desenvolvimento, o jornal “testemunhou e registrou tudo que acontecia na capital”. “Gerar conteúdo jornalístico relevante e de credibilidade é a nossa forma de colaborar para que o Distrito Federal se fortaleça como um ambiente social justo, plural e democrático”, comentou Paulo Cesar, ao destacar a integração das diversas plataformas e a interação nas redes sociais.

Funcionária do jornal desde 1968, a colunista Liana Sabo lembra o diálogo entre o então presidente da República, Juscelino Kubitschek, e o fundador dos Diários Associados, Assis Chateaubriand: “JK falou que precisava da ajuda dele, dizendo que gostaria de inaugurar a capital federal em 21 de abril. Chateaubriand prometeu inaugurar o jornal na mesma data. O Correio criou padrões. Foi pioneiro em tudo”, ressalta a jornalista, que destaca o processo de modernização dos Diários Associados. 

Olhar para o amanhã
Entre as atividades desenvolvidas atualmente pelos integrantes dos Diários Associados, a Fundação Assis Chateaubriand promove visitas periódicas à sede do grupo em Brasília, com estudantes da educação básica. O projeto Leio e Escrevo Meu Futuro visa incentivar o hábito da leitura entre crianças e jovens, além de um olhar questionador sobre a sociedade. Desde 1993, quando a iniciativa surgiu — com o nome Leitor do Futuro —, mais de 20 mil meninos e meninas participaram dos passeios educativos.

(*) Jéssica Eufrásio - Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Jéssica Eufrásio - Arquivo/CB/D.A.Press - João Martins/CB/D.A.Press - Camila de Magalhães/CB/D.A.Press - Correio Braziliense

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