Clube do Choro se abre ao samba e ao rock para
atrair novas gerações. Antes dominada pela música instrumental, a
casa passou a receber shows de diferentes estilos. O resultado é a renovação do
público
Se no fim da década de 1970, nomes como Chiquinha
Gonzaga, Pixinguinha e Jacob do Bandolim eram os únicos a ecoar pelo Clube do
Choro, hoje a situação é outra. Rock, samba, MPB e jazz: a atual diversidade
musical da programação reflete no rejuvenescimento do tradicional centro
cultural projetado por Oscar Niemeyer – que completa, em 2019, 42 anos de
atividades.
De acordo com o responsável pela curadoria
artística, Reco do Bandolim, a intenção do novo roteiro de shows é, sobretudo,
manter as portas da casa abertas a artistas de outros estilos que sofrem com a
falta de oportunidades na capital federal.
“A nossa matéria-prima é a música instrumental e
nós não abrimos mão disso. Ainda assim, como Brasília carece de espaços, é
também nossa obrigação receber pessoas de todos e quaisquer gêneros musicais. É
dessa maneira que contribuímos para o desenvolvimento da cultura do DF”, afirma
o presidente do Clube do Choro.
Em maio, a apresentação da banda Judas no templo
dos chorões da cidade, para o lançamento do EP Matadouro Nº 5, surpreendeu os
frequentadores. Formado por Adalberto Rabelo Filho (voz), Pedro Vaz (viola
caipira), Hélio Miranda (bateria), Carlos Beleza (guitarra) e Bruno Prieto
(baixo) – que substitui o falecido integrante Pedro Souto –, o grupo mistura a
linguagem pop rock e radiofônica com instrumentos como a viola caipira. “Nesses
últimos anos houve uma redução de palcos muito significativa em Brasília e
tocar em um local tão relevante quanto o Clube do Choro foi uma honra para
nós”, ressalta o vocalista.
Para Rabelo Filho, tocar no centro cultural é uma
experiência completamente diferente das que os músicos já vivenciaram em bares
ou locais abertos. “Por lá ter uma estrutura de teatro, onde as pessoas curtem
o show sentadas, parece que elas prestam atenção de uma forma diferente na
letra, no instrumental…”, analisa o artista, que já negocia com Reco a volta ao
Clube.
“Queremos fazer o lançamento do nosso novo disco
lá”, adianta. A obra, intitulada Os Desencantos, contará com 10 faixas
autorais, já testadas com os fãs durante a divulgação da trilogia de EPs
composta pelos álbuns Casa de Tolerância Nº 1, Enfermaria Nº 6 e Matadouro Nº
5.
George Costa (à esquerda) e Gabriel Carneiro
integram o grupo Estação Choro. Com a formação, os instrumentistas
ultrapassaram as fronteiras do Clube do Choro e atualmente se apresentam em
diversos locais dentro e fora do quadrado
Pratas da casa Nascido e criado em Brasília, o
violonista e professor da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello George
Costa, 34 anos, vê com bons olhos a abertura do Clube do Choro para outros
ritmos. “Com a atual situação imposta pela Lei do Silêncio, é muito importante
que esse palco resista e não se restrinja. O clube sempre teve esse
comportamento agregador, de receber novas ideias e assimilar novos gêneros. No
fim das contas, ele também acaba bebendo dessa energia, dessa fonte”,
considerou o instrumentista, em entrevista ao Metrópoles.
Para Gabriel Carneiro, 34, professor de pandeiro da
Escola Raphael Rabello, a renovação na programação faz bem não só ao clube, mas
também à cidade. Segundo ele, nos shows que realiza com o grupo Estação do
Choro, do qual George também faz parte, é possível perceber um público muito
mais diverso. “Esse rejuvenescimento aproxima gerações. Nós vemos pessoas de 70
anos sentadas ao lado de adolescentes de 15, e eles estão ali convivendo”,
pontua
A primeira apresentação da roda de samba Nosso
Quintal deu tão certo, que os músicos já repetiram a dose. Agora, negociam a
volta do projeto ao Clube do Choro
Nosso Quintal Idealizado por Fernando César – figura
conhecida dos brasilienses pela parceria com o irmão bandolinista Hamilton de
Holanda, no grupo Dois de Ouro –, a roda de samba Nosso Quintal rompeu um
paradigma no Clube do Choro. Pela primeira vez, ao menos desde a inauguração da
nova sede, em 2011, os artistas desceram do palco e levaram o show para perto
do público.
Na apresentação, os músicos, inspirados nos
encontros na casa de Tia Ciata (importante liderança negra e matriarca do
samba), relembram clássicos do samba e do choro, com repertório composto por
canções de Ernesto Nazareth, Dona Ivone Lara e Paulinho da Viola, entre outros.
“As rodas de samba e choro não são uma novidade.
São manifestações que deram origem a muito da nossa identidade cultural. O
frisson do Nosso Quintal está mais no resgate dessa cultura dentro do Clube do
Choro. E estamos muito felizes com a resposta tão positiva da plateia”, explica
Fernando César, que acentua a importância da programação mais diversificada do
espaço projetado por Oscar Niemeyer. Segundo ele, se o governo não cumpre o seu
papel de garantir e incentivar a produção cultural local, os artistas tendem a
se virar. “Mas não é o ideal, na maioria das vezes ficamos de mãos atadas”,
acredita.
A flautista Thanise Silva, 30 anos, integrante da
roda Nosso Quintal, acredita que abrir as portas do Clube do Choro para novos
públicos é essencial, mas pontua que os projetos têm de ter caráter autoral.
“Como musicista, acho importante o investimento de casas como esta em
programação de cunho artístico em primeiro lugar, considerando que já existe
espaço e investimento destinados à música comercial. Vejo que essa é a grande
prioridade do Clube do Choro”, completa.
Além de Fernando César (violão e direção musical) e
Thanise Silva (flauta), o Nosso Quintal conta, ainda, com Vinícius Magalhães
(violão), Pedro Vasconcellos (cavaquinho), Valerinho Xavier (percussão e voz) e
Larissa Umaytá (percussão e voz). “Já estamos conversando com o pessoal do
Clube para marcarmos a próxima edição do Nosso Quintal. O sucesso do projeto
nos motivou a levar o formato para outros palcos e rodar o país”, conclui
César.
Por Raquel Martins Ribeiro – Fotos: JP Rodrigues –
Giovanna Bembom – Rafael Macário – Metrópoles