Tabata
Amaral: 'Já sofri muito assédio moral na Câmara'. A deputada fala ainda sobre o
machismo no Congresso Nacional
"Eu
tenho consciência do machismo e lido com ele há muitos anos, mas nunca senti de
maneira tão pesada quanto aqui", disse a deputada Tabata
Ela
chegou a Brasília com mais de 264 mil votos e um perfil diferente: é jovem e
mulher, em um cenário ocupado por uma maioria de homens de meia idade. Em dez
meses de mandato como deputada federal, Tabata Amaral (PDT-SP) enfrentou
caciques e ministros - e situações em que sua capacidade de fazer política foi
questionada. "Já sofri assédio moral na Câmara", afirmou a paulistana
de 25 anos. "Nunca senti o machismo de maneira tão pesada quanto no
Congresso Nacional."
Um desses
momentos, na opinião dela, foi quando votou com o governo - e contra a
orientação de seu partido - na reforma da Previdência, recebendo críticas dos
líderes do PDT, Ciro Gomes e Carlos Lupi, seguidas de sua suspensão da
legenda.
"O
fato de eu ser mulher jovem tem muito a ver com o que foi dito", disse a
deputada, formada em Ciência Política e Astrofísica pela americana Harvard.
"Espero que um dia debatam comigo como fazem com os homens."
Também se
tornou emblemático o confronto entre ela e o então ministro da Educação,
Ricardo Vélez Rodríguez, na Comissão de Educação, uma das áreas de atuação da
deputada. Vélez foi demitido pouco tempo depois. Tabata criticou a baixa
representatividade feminina no ministério de Bolsonaro e elogia a ministra da
Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. "É bem
intencionada."
Abaixo,
os principais trechos da entrevista:
As mulheres conquistaram 15% dos cargos em disputa em 2018, o que foi um
recorde. Mas representaram 31% das candidaturas. Qual o seu diagnóstico para a
situação? A
gente erra primeiro na questão da representatividade. Se a gente não mostra
exemplos de mulheres que estão na política, muita gente vai passar a vida sem
considerar a possibilidade. A segunda barreira é que os partidos são criativos
para utilizar o Fundo Eleitoral. Você vê todo o tipo de arranjos para não
lançar candidaturas femininas. A terceira barreira é a mulher ter chance na
campanha. Precisamos provar mais para conquistar espaço. A última barreira é
resistir aqui (no Congresso). Ser questionada se você é casada, se algum homem
está ditando seu mandato, se você toma as decisões sozinha. São deputados que
me interrompem em votação, que dizem que eu não sou capaz para relatar um
projeto - e falam isso no microfone.
Há situações claras de machismo no Congresso? Já sofri muito assédio moral na
Câmara. Isso machuca. As diversas formas de violência que se manifestam no
micro. Hoje em dia, é menos frequente, mas sempre há alguém que me barra, que
me empurra. Eu tenho consciência do machismo e lido com ele há muitos anos, mas
nunca senti de maneira tão pesada quanto aqui.
A senhora já afirmou ao Estado que há machismo em parte das críticas que
recebe. Foi o caso após votar a favor da reforma da Previdência, em que não foi
a única pedetista dissidente? O fato de eu ser mulher jovem tem muito a ver
com o que foi dito. Diziam que eu servia a dois senhores, como se eu tivesse
deixado de servir ao Ciro Gomes e ao Carlos Lupi (presidente nacional do PDT)
para servir a outro homem. Queria que eles tivessem dito que eu deveria ter
seguido o partido mesmo contra a minha convicção. Mas eles ignoraram o que eu
disse, o que o PDT afirmou durante a campanha e as reuniões que eu pedi para
debater o texto. Esse discurso de "qual é o homem que está dizendo como você
vota?" ficou
muito marcado. Talvez eles realmente acreditem que só um homem poderia dizer
como eu estava votando. Espero que um dia eles debatam comigo como fazem com os
homens.
As mulheres se articulam na Câmara para tratar das pautas consideradas
femininas? O que une as deputadas? A bancada feminina é um dos coletivos que mais
tenho orgulho de fazer parte. Não sei dizer se há um tema que unifique todas
nós, mas existem assuntos que unem 90% da bancada. Há deputadas eleitas com
bandeiras antifeministas. Mas conseguimos juntar muita gente para ir ao
Tribunal Superior Eleitoral e pedir a regulamentação do Fundo Eleitoral. E também olhar para uma reforma e pensar: "Isso aqui afeta as
mulheres?".
Em
levantamento feito pelo site Capitu, do Estado, a senhora disse ser contrária à
descriminalização do aborto. Essa posição, associada ao fato de ter sido a favor do texto-base da
reforma da Previdência, afasta a senhora da militância feminista majoritária? Com certeza, a posição faz
eu não estar em uma caixinha clássica. Mas eu não acho isso negativo. A gente
tem de entender que o Brasil não está resumido a dois partidos ou a duas
palavras. Tem espaço para todos, desde que o debate seja democrático. Sinto
falta de uma centro-esquerda na Câmara e no Brasil. A gente estaria melhor se
tivesse alguém disposto a falar de combate à desigualdade sem comprar todo o
pacote de chavões e sem abrir mão da responsabilidade fiscal.
Quais outras propostas pretende propor para as mulheres, além da reserva
de cadeiras no parlamento? Muitos dos projetos que a gente propôs foram na
área de violência contra a mulher. Então, vamos pensar em propostas de
licença-paternidade ou para os dois responsáveis, quando tivermos uma família
com configuração diferente. E também projeto para que, quando houver eleição
para dois senadores, pelo menos um deles seja mulher. Seria uma reserva de
vagas a cada dois ciclos eleitorais. Esse projeto é de autoria da deputada
Perpétua Almeida (PC do B-AC).
O governo do presidente Bolsonaro e o de seu
antecessor, Michel Temer, foram criticados por não terem dado tanto espaço para
as mulheres em seus ministérios. Essa discussão é válida? Representatividade importa porque você começa
a contar com metade do talento do País para tomar decisão, para fazer coisas
difíceis. Ela importa porque são meninas olhando para as mulheres sabendo que
podem estar lá um dia. E importa porque você traz visões diferentes. Como um
corpo ministerial composto somente por homens pode tomar decisões para uma
metade inteira da população que é feita por mulheres, que encaram realidade de
violência doméstica e de preconceito que os homens não conhecem? Eles erraram.
Se tivessem humildade de reconhecer que representatividade importa, teriam
equipes mais fortes.
Como avalia a política para mulheres do governo Bolsonaro? A ministra (da Família,
Mulher e Direitos Humanos) Damares Alves é bem-intencionada. Mas é um governo
que faz guerra contra a ciência, que quer calar o que os dados estão dizendo. E
essa guerra à ciência mata. Me preocupa ver um ministério e um governo muito
guiados pelo vídeo do WhatsApp, mas que não se importam em olhar para o que foi
estudado.
A senhora ficou muito conhecida nas redes sociais pelo embate com o
então ministro Vélez, na Comissão de Educação. Houve descrédito da parte
dele ao ouvir seus questionamentos? Aquela audiência foi muito complexa. Ele mostrou
descaso, deboche. A forma como me tratou foi diferente de como tratou outros
deputados. Ele olhou para a menina que estava diante dele e pensou:
"Preciso responder?"
São Paulo vai ter uma prefeita? (Risos) Queria muito que tivesse no ano que
vem, mas não serei eu. Nunca disse que seria candidata, comigo não tem aquela
história de "se o povo quiser"... Eu não sou candidata porque eu
afirmei que terminaria o meu mandato. Minha palavra é a única coisa que tenho e
quero manter a vida toda.
O que diria para as jovens que desejam entrar na política? Isso aqui não vai mudar
enquanto a gente for 15%. Tem de ser comum ter mulher na política. A gente só
vai conseguir o Brasil que sonho, com educação pública de qualidade, mais
inclusivo, desenvolvido, ético, se as mulheres, que são metade da população
brasileira, puderem ser parte dessa solução. Então, meninas, se
candidatem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (foto: Câmara dos Deputados/Divulgação)