Olhares de fora sobre a capital. Conhecer Brasília
é, quase sempre, se impressionar com a arquitetura. Mas a cidade vai além
disso. O Correio conversou com cinco estrangeiros que vivem aqui para saber
como eles enxergam o potencial turístico do Distrito Federal
*Por Darcianne Diogo
Quem anda pelas ruas de Brasília pela primeira vez se impressiona ao
conhecer a cidade projetada pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa. Para os
estrangeiros, visitar a capital da República é uma aventura inusitada. Dados da
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostram que, entre janeiro e agosto
deste ano, cerca de 217 mil passageiros internacionais desembarcaram no
Aeroporto Juscelino Kubitschek, o que significa um aumento de 41% em comparação
ao mesmo período do ano passado (154,2 mil viajantes).
Segundo a Secretaria de Turismo (Setur), o gasto médio diário de
estrangeiros que visitaram Brasília no ano passado foi de R$ 353,99. O valor
engloba alimentação, hospedagem e transporte. Os argentinos são os que mais vêm
a Brasília, é o que mostra levantamento feito pela Polícia Federal (PF). Entre
2018 e 2019, 57.078 deles, entre residentes e viajantes, desembarcaram na
capital. Em seguida, aparecem norte-americanos (17.430), portugueses (12.950) e
cubanos (7.330) (Veja no quadro).
Para recepcionar os estrangeiros, existem cinco centros de atendimento
aos turistas (CATs). Eles ficam na Casa de Chá, na Praça dos Três Poderes; na
Quadra 1 do Setor Hoteleiro Sul; na Quadra 1 do Setor Hoteleiro Norte; na Torre
de TV Digital; e na Rodoviária Interestadual. O CAT do Aeroporto de Brasília
está desativado desde setembro do ano passado e não tem previsão de reabertura.
Segundo a secretaria, em todos os CATs, os atendentes são bilíngues e
capacitados a fornecerem informações sobre os atrativos turísticos da cidade,
além de disponibilizarem mapas e guias impressos de bares, hotéis e
restaurantes em inglês, espanhol e português. Em julho deste ano, a pasta
lançou o programa Arte no CAT da Casa de Chá, que visa promover atrações
culturais gratuitas nesse espaço. A cada 15 dias, o local recebe apresentações
de bandas e danças.
De acordo com o turismólogo Marcelo Ottoni, a atuação do segmento
turístico em Brasília ainda é tímida. “O primeiro passo a ser tomado é
capacitar os funcionários dos CATs, para que façam um bom atendimento. Junto a
isso, é preciso agregar o comércio da cidade, de maneira que os
estabelecimentos ofereçam ferramentas acessíveis aos estrangeiros”, argumenta
ele, que também é professor de turismo da Faculdade Senac.
O especialista ressalta, ainda, que a capital dispõe de vários espaços
que poderiam ser explorados para a promoção de eventos e atividades, mas que
não são utilizados. “O Lago Paranoá, nosso patrimônio, é um exemplo. Embora a
beleza e a qualidade da água encantem as pessoas, a falta de infraestrutura é
um problema. Não tem como um turista ir para lá e permanecer, pois não tem
banheiros e, frequentemente, algumas partes do Pontão do Lago Sul, por exemplo,
fica fechado para festas particulares”, explica.
Para ele, fomentar o turismo na cidade ainda é um desafio,
principalmente por conta dos gargalos de infraestrutura. “O transporte público
é um problema que pode desmotivar os viajantes. O governo deveria ser mais
proativo no sentido de disponibilizar os ônibus que chegam até os pontos
turísticos”, frisa.
As linhas de ônibus executivos que saem do terminal aéreo para o Plano
Piloto se resumem a três. Os coletivos circulam pelos eixinhos L e W Sul até a
Esplanada dos Ministérios e pelos setores hoteleiros. As saídas são a cada 35
minutos, e os pagamentos das passagens, que custam R$ 12, são apenas em
dinheiro. O horário de funcionamento é das 6h30 às 23h55. Além de táxis e
ônibus, há o sistema de bicicletas compartilhadas +Bike — oferecido por meio de
parceria do Governo do DF com a Serttel — e a recém-chegada Yellow, de
patinetes elétricos. As duas plataformas são acessíveis por aplicativos para celular
e oferecem preços variados.
Também há cinco roteiros criados pela Setur para quem anda a pé ou
prefere pedalar: são os Bike Tours e os Walking Tours.
Maioria quer voltar: Cerca de 93% dos estrangeiros que
visitaram Brasília entre 2014 e 2018 querem retornar. Os dados são da Pesquisa
da Demanda Turística Internacional no Brasil, do Ministério do Turismo.
Quanto à motivação da viagem, o maior grupo vem a negócios, eventos ou
convenções (25,4%). A lazer, são 9,4%. Casas de amigos e de parentes são os
locais de hospedagem preferidos (56,7%), seguido por hotéis, flats e
pousadas (30,1%).
Aos que vêm com o propósito de lazer, 40,5% deles dizem se aventurar no
ecoturismo e na natureza; 36,7% participam de eventos culturais; e 15,5% curtem
o clima quente da capital.
Os mais de 10 mil bares e restaurantes da cidade e os 400 hotéis
investem para atrair os estrangeiros. Uma delas é a adoção de cardápios em
inglês, segundo o presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes,
Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva.
Impressões de Residentes: A arquitetura única de Brasília é capaz de conquistar os estrangeiros. O Correio conversou com alguns deles para tentar descobrir como pessoas de outros países enxergam o turismo da capital federal. confira:
Fã do Pontão do Lago Sul: A finlandesa Tiina Heikkinen, 23
anos, está em Brasília desde agosto deste ano. Após ter passado por vários
países, como Argentina, Espanha, França e Itália, a estudante de relações
internacionais escolheu o Brasil para fazer intercâmbio por três meses.
“O que me atraiu aqui foi a cultura. A capital é única, com muita
alegria e personalidade. Gosto dos estilos musicais, dos bailes e do samba”,
conta ela. As estruturas e arquitetura moderna também despertaram o interesse
de Tiina. “A ideia das entrequadras Sul e Norte me chamaram a atenção. Dá para
notar que se trata de uma cidade moderna. A Água Mineral é um lugar que
frequento bastante, é muito verde”, diz a jovem, que faz estágio na Embaixada
da Finlândia.
Aos fins de semana, ela se reúne com colegas do trabalho. “Costumamos
sair para os bares e restaurantes da Asa Sul ou do Pontão. As noites são
movimentadas”, diz.
A europeia questiona a falta de um serviço de transporte público mais
eficaz. Por residir na própria embaixada, a locomoção para outros locais é
difícil, pois os ônibus não circulam na L3 Sul. “Tenho de andar até a parada,
que fica longe. Mas quase sempre recorro aos carros de aplicativos. Além disso,
é raro ter calçadas para andar na cidade. Parece que só passeia quem tem
carro”, reclama.
De uma coisa Tiina tem certeza: Brasília vai deixar saudades. “A alegria
que tem aqui contagia todos. Só me resta um mês, mas estou aproveitando cada
segundo.”
Desejo de mais opções de lazer: Ammar
Abuomabout, 44 anos, é natural de Damasco, capital da Síria. Ele, a mulher,
Yasmin Abuomabout, 36, e os três filhos, Sarah, 16, Iara, 13 e Hamza, 10 anos,
vieram para o Brasil em 2014 como refugiados, por causa de conflitos no país de
origem. Ao chegar, a família morou por um ano em Florianópolis (SC), mas não se
adaptou e resolveu se mudar para Brasília.
NO DF, eles se hospedaram por um ano em um hotel no Plano Piloto, até
conseguirem alugar um apartamento sem fiador. Durante esse período, Ammar ficou
desempregado e recorreu à Rede Solidária para Migrantes e Refugiados da
Organização das Nações Unidas (ONU). Um ano depois, o sírio inaugurou uma
lanchonete de comidas árabes, na 413 Sul.
Entre os lugares preferidos que a família gosta de visitar estão o
Pontão do Lago Sul e o Lago Paranoá. “São ótimos lugares para levar as
crianças. A cidade em si é moderna, e isso a torna diferente de qualquer outro
lugar”, afirma Yasmin.
Para Ammar, a cidade ainda precisa melhorar nas atrações turísticas. “No
meio de semana, muitos comércios estão fechados, e isso deixa a capital mais
vazia e sem graça. Acho que há poucos lugares para se divertir. Tem os
shoppings e os parques, mas seria bom se promovessem mais atividades durante a
semana, com brincadeiras para as crianças, danças e comidas típicas”, observa.
Entrequadras e comércios agradam: Os bolivianos Verônica Vedia, 46 anos
(foto), Rodrigo Carrasco, 42, e Júlio Carrasco, 12, chegaram à capital há dois
anos. A família morava na Venezuela, mas, por conta da crise naquele país, veio
para o Brasil. “Não tinha condições de ficarmos lá. Estávamos com medo de que a
violência e o ódio nos levassem à morte”, relata a médica.
O administrador Rodrigo arrumou um emprego na cidade, e, estabilizado
financeiramente, o casal foi morar na 409 Sul. As entrequadras e os comércios
chamaram a atenção dos bolivianos. “A impressão que tive é de que era tudo
muito novo. A arquitetura e o designer da cidade são diferentes. Tudo é muito
perto e organizado. Em cada quadra, tem uma drogaria, uma escola e um
supermercado. Além dos diversos parques, são ótimos para fazer caminhadas”,
avalia Verônica.
Segundo ela, construir mais calçadas tornaria a cidade ainda melhor.
“Tudo é muito bem planejado, mas não dá para caminhar direito. São muitos
carros competindo com as pessoas nas ruas.”
Encantada pelas áreas verdes: Yulia Mikheeva, 35 anos, mora em
Brasília há 11 anos. Natural de São Petersburgo, capital cultural da Rússia,
ela decidiu se mudar para a capital após conhecer o ex-marido, que é
brasiliense. Aqui, abriu uma escola de idiomas, onde ensina russo e inglês, além
de português iniciante para seus conterrâneos.”
Antes de vir para cá, morei em Salvador por um tempo, mas lá era muito
quente. Não achei minha cara. Quando cheguei aqui, me impressionei. Parecia um
outro mundo, as pessoas muito fechadas e não conversavam na rua. Depois,
percebi que a cidade era uma composição de várias tribos e uma mistura de
culturas”, afirma.
A variedade de árvores da capital é o que chama a atenção de Yulia.
“Aqui, tem muita área verde, e isso é o que torna a cidade diferente de qualquer
outra. Traz paz e tranquilidade. Um dos meus lugares preferidos é o Parque da
Cidade.”
Entretanto, segundo ela, os pontos turísticos da capital precisam ser
mais explorados. “Aqui, você visita tudo em um só dia. Poderiam promover mais
shows e peças de teatro. Vejo também que há pouca divulgação da programação de
eventos, então fica difícil ir a alguma festividade”, opina.
Vanessa Mendonça, secretária de Turismo do DF: Medidas para atrair
visitantes
Quais projetos a Secretaria do Turismo tem para atrair mais visitantes
estrangeiros? Brasília voltou a participar de feiras de turismo, no Brasil e fora
dele. Estamos trabalhando com a Embratur para promover a nossa capital no
exterior e nos aproximamos das embaixadas para firmar acordos de cooperação de
intercâmbio turístico. Também aumentamos a conectividade aérea com outros
países. Só neste ano, conseguimos quatro voos internacionais diretos para a
nossa capital, o que representou um incremento de 40% nas nossas rotas
internacionais. Passamos de seis voos diretos para dez. Em abril, assinamos um
acordo com a TAP para eles implementarem o serviço de stopover na nossa
capital, o que, de acordo com a empresa portuguesa, vai atrair 20 mil turistas
europeus apenas no primeiro ano de funcionamento.
Muitos espaços turísticos da cidade estão abandonados há anos. Como
reverter esse legado negativo? Todo o GDF trabalha para mudar essa realidade. O governador Ibaneis
Rocha, desde que assumiu, demonstra preocupação em revitalizar toda a capital.
O projeto Adote uma Praça, comandado pelo secretário de Projetos Especiais,
Everardo Gueiros, e a concessão de pontos turísticos para a iniciativa privada
são importantes mecanismos criados para que recuperemos os nossos atrativos que
estavam abandonados por anos. A Praça dos Três Poderes e o Estádio Mané
Garrincha já se beneficiaram dessas ações. Também foi anunciado recentemente o
edital para a concessão da Torre de TV Digital, e, em breve, a Torre de TV
também será revitalizada por meio de um acordo que assinaremos com o Banco de
Brasília.
O Lago Paranoá é um espaço para grandes eventos, como corrida de
lanchas, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. O governo tem um projeto
para aproveitar economicamente esse cartão-postal da cidade? Sim, o projeto Turismo Náutico, elaborado pela Secretaria de Turismo. É
a primeira vez que esse segmento é trabalhado na história do turismo em
Brasília. Nossa primeira ação foi um mapeamento da oferta de serviços
disponíveis na Orla do Lago, na sua superfície e até nas atrações submersas,
como a Vila Amaury.
O resultado foi surpreendente. Além de destino de esporte e lazer, o
lago dispõe de empreendimentos com apelo turístico (parques, clubes náuticos,
hotéis, restaurantes, espaços para eventos e muito mais) e opções para todos os
gostos e bolsos. São cerca de 50 empreendimentos de oferta gastronômica e mais
de 52 mil embarcações registradas.
O lago já é um destino de competições esportivas nacionais e
internacionais, como o Rei e Rainha do Mar, o Aloha Spirit e a Copa do Brasil
de Vela, além de eventos locais como regatas e festivais. Nosso próximo passo é
conectar toda essa oferta e criar produtos para transformar o Lago Paranoá em
dos principais destinos de lazer na região Centro-Oeste.
(*) Por Darcianne Diogo *Estagiária sob supervisão de Marina Mercante - Fotos: Breno Fortes - Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Darcianne - Ana Rayssa/CB/D.A.Press - Luis Tajes - Correio Braziliense