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O ministro Marco Aurélio Mello: Que almas tão nobres!


Que almas tão nobres!

O ministro Marco Aurélio Mello provocou constrangimento em colegas no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira, ao chamar pelo nome certo a decisão que tomaram para anular condenações da Lava-Jato: “jeitinho brasileiro” para favorecer “tubarões da República”. Sem lé nem cré, ele foi direto ao ponto: estão usurpando papel do Legislativo, ao criar norma que privilegia o réu que não colabora com a Justiça. Mesmo que não admitam, a consequência desse ato será a restauração da impunidade de bandidos com dinheiro para pagar grandes bancas advocatícias, ainda que o dinheiro tenha sido roubado dos cofres públicos e faça tanta falta a escolas, hospitais, estradas, segurança pública... O mais grave é que a situação pode piorar, esta semana, com o fim da prisão em segunda instância.

Além do desmonte da Lava-Jato, o STF costuma tomar decisões surreais aos olhos do mundo civilizado, como no caso do fazendeiro que deu cinco tiros em um jovem, por ciúmes, no meio de evento agropecuário. É óbvio que não se trata de um tipo de crime a ser julgado por uma suprema corte. Mas, no Brasil, espantosamente, o processo acabou no STF e, em 2009, pasmem: resultou no fim da prisão em segunda instância! Parece a história do cachorro rico do Auto da Compadecida — “Que alma tão nobre!” —, mas, infelizmente, é mais um triste capítulo a nos envergonhar em escala planetária.

No Brasil de hoje, almas nobres são suspeitas de um golpe de mais de R$ 40 bilhões apenas na Petrobras. Mas se sabe que o esquema criminoso não parou por aí. Avançou pelo BNDES, pela merenda das crianças e devastou impiedosamente os cofres públicos onde quer que houvesse dinheiro a ser roubado. As consequências da pilhagem são conhecidas. Empurraram o país para uma crise ética sem precedentes e para a maior recessão da história, com milhares de empresas quebradas e milhões de desempregados, essa desgraceira em que estamos afundados até hoje.

No auge do escândalo, que estarreceu o Brasil e o mundo, o então ministro Teori Zavascki, do STF, expôs o absurdo da impunidade no país e conseguiu levar os colegas a aprovarem a prisão em segunda instância. Funciona assim em, praticamente, todas as democracias. Algumas são mais impiedosas com o crime. Nos EUA, na França e no Reino Unido, o xilindró costuma ocorrer já na primeira instância, como no emblemático caso de Bernard Madoff, que deu golpe bilionário em investidores americanos, fez acordo com a Justiça e pegou “apenas” 150 anos de cana.

Madoff pode ter o bom comportamento que tiver na cadeia e ler a biblioteca inteira do Congresso, em Washington — a que mais tem publicações no mundo —, que não terá a pena reduzida nem haverá movimento Madoff Livre, pedindo a libertação do ex-bilionário. Se fosse no Brasil... Bem, ele poderia ter virado “guerreiro do povo brasileiro”, com advogados fazendo biquinho ao falar francês, e meritíssimos extasiados com tanta sapiência. “Que almas tão nobres!”

Por Plácido Fernandes Vieira  – Foto: STF- Divulgação - Correio Braziliense

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