Pela Avenida das Mangueiras
*Por Carmen Souza
O Sudoeste Econômico e os cruzeiros Novo e Velho são separados por uma rua que não se prende aos números e às letras. Trata-se da Avenida das Jaqueiras, que leva o nome por motivos óbvios — os frutos das árvores que separam os dois sentidos do tráfego definitivamente não prezam pela discrição. O nome da rua é sabido, e repetido, pelos moradores da região, ainda que acostumados a, a qualquer manobra, voltar à lógica cartesiana do trânsito brasiliense.
Tenho defendido a ampliação dessa quebra de
costumes. E os dias atuais são propícios. Dividindo o Cruzeiro Novo do Cruzeiro
Velho e perpendicular à Jaqueira, está a HCE RE. Seguindo o critério das
evidências, essa via deveria se chamar Avenida das Mangueiras. São ao menos 150
pés, que, há algumas semanas, começam a aglomerar moradores e visitantes sob
suas sombras e frutos — verdes ainda, mas tentadores.
Descobri, também há alguns dias, que a possível
troca de nome pode ter concorrência. Há no Distrito Federal mais de 120 mil pés
de manga próximos às vias públicas. Matemática não é meu forte — o que sinaliza
que a promissora Avenida das Mangueiras pode ter ainda mais atributos que
justifiquem a queda da sigla —, mas arrisco afirmar que temos a apetitosa média
de uma mangueira para cada grupo de 25 moradores.
O número cruzeirense é maior, considerando que a
cidade concentra boa parte dos pés do DF. Parque da Cidade, Praça do Buriti,
Setor de Embaixadas Sul e 302 Sul estão em pé de igualdade, segundo a Novacap.
Mas a HCE RE tem carta na manga: as histórias compartilhadas em meio a
coquinhos, espadas e afins.
Idosos costumam encher sacolas com a fruta e
oferecer a quem encontram pela avenida. Na hora do almoço, os bancos entre as
árvores servem para contar histórias e saborear uma rosa tirada do pé. Nas
minhas caminhadas, ouço frequentemente os perigos de combinar manga com leite,
além da incompreensão quanto a trocar o doce maduro pelo verde salgado.
Quando as frutas tomam o chão, o alerta muda. Viram
casca de banana, avisam os mais cuidadosos. Há ainda as desavenças, já que as
estratégias para derrubá-las geralmente pecam pela insegurança. É pau, é pedra,
é motorista desviando e buzina vociferando.
São mais de quatro meses nessa fartura de encontros
e desencontros. Tinha que ser o ano inteiro. Na falta de frutas, ficaríamos com
o gostinho da transgressão. Nada de letras e números para chegar ao Sudoeste
Econômico, ao Eixão ou a qualquer endereço da redondeza. No Cruzeiro,
seguiríamos pelas Mangueiras até desembocar nas Jaqueiras.
(*) Carmen Souza – Foto: Blog/Google – Correio Braziliense
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CRÔNICA