Cidade-viaduto, cidade
cruel, cidade dos empreiteiros… Condenada a ser a capital do asfalto maluco,
Brasília nasceu rodoviária. E, de moderna, passa a anacrônica e mata Fritz Lang
de inveja. (*Por Conceição Freitas)
É com uma
condenação que Lucio Costa arremata o projeto do Plano Piloto da nova capital
do Brasil: “Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade parque. Sonho secular
do Patriarca”.
Um sonho rodoviário. Arrebatado pelo sistema viário que havia visto na recente viagem a Nova York, na segunda metade dos anos 1950, o arquiteto imagina uma cidade a serviço dos carros, as quatro rodas que se impunham, com a força das tempestades, nos grandes centros urbanos. Não se tratava apenas de carros para a cidade, mas de cidade para os carro
Um sonho rodoviário. Arrebatado pelo sistema viário que havia visto na recente viagem a Nova York, na segunda metade dos anos 1950, o arquiteto imagina uma cidade a serviço dos carros, as quatro rodas que se impunham, com a força das tempestades, nos grandes centros urbanos. Não se tratava apenas de carros para a cidade, mas de cidade para os carro
Tinha boa
intenção, o arquiteto. Com a trama de vias projetadas como poemas de asfalto –
as tesourinhas são margaridas feitas de piche –, Lucio pretendia devolver o
chão das cidades aos que andam a pé. Palavras deles: “O tráfego de automóveis
se processa sem cruzamentos, e se restitui o chão, na justa medida, ao
pedestre”.
Mas
cortou a cidade ao meio – com uma rodovia expressa, cuja velocidade permitida
(nos pardais) é de 80 km por hora. Na nomenclatura rodoviária chama-se DF-002;
Eixão é seu nickname. Lucio impôs ao pedestre as passagens subterrâneas,
poucas, emporcalhadas, perigosas e humilhantes. E atiçou a voracidade dos
empreiteiros.
Enquanto
as metrópoles mais inteligentes do mundo já aprenderam que, ao contrário do que
se imagina, a construção de mais rodovias só aumenta o tráfego insano de
veículos, a cidade que já foi a capital do urbanismo moderno está se
transformando num autorama obsoleto e confuso, caro e ineficaz. Em
contrapartida, o sistema de transporte público continua sendo um dos piores do
planeta – o pior do Brasil, sem medo de errar.
A cidade
dos grandes vazios é oprimida por grandes rodovias. Se têm o lírico nome de
Estrada Parque, as principais vias que contornam o Plano Piloto e que ligam a
área tombada às cidades-satélites se transformaram num serpentário de asfalto,
dos quais o exemplo mais caótico é do da EPTG, a Estrada Parque Taguatinga.
Conceito
do urbanismo moderno, as Estradas Parque são vias que cortam grandes áreas
verdes, como num road movie paradisíaco. Quando surgiu, a EPTG era assim. Boa
parte dela era margeada por um renque de eucaliptos adultos. Hoje é um cenário
de dar inveja ao caos fantasmagórico de “Metropolis”, a obra-prima de Fritz
Lang (1927).
Como é
preciso dar de comer aos empreiteiros, e a engenharia de trânsito só sabe
desenhar viaduto (deve ser muito mais fácil do que pôr os neurônicos para
resolver os problemas do chão no próprio chão), como tudo assim se configura,
mais recentemente se pensou em um viaduto para facilitar a vida de quem mora no
Sudoeste (deve ser muito difícil morar a menos de 10 minutos da Rodoviária do
Plano e ter uma renda média domiciliar de R$ 15 mil por mês).
O viaduto
ligaria o bairro ao Parque da Cidade a módicos R$ 21,5 milhões, dos quais R$
17,7 milhões viriam da União. Por enquanto, o Iphan/DF tem conseguido barrar a
insanidade, mas não se sabe até quando. A outra insanidade, muito mais
catastrófica, não tem volta: a megalomaníaca trama de vias e viadutos na saída
norte do Plano Piloto. Se possível fosse, Fritz Lang já teria pronto o cenário
de “Metropolis 2”, o caos do caos.
*Por
Conceição Freitas - Foto: Vimeo/Reprodução - Metrópoles